Eu queria ter continuado o debate ,que está muito bom, de forma mais dinâmica, mas não consegui sentar no computador ontem em casa e hoje tive que aplicar treinamento em um cliente e não pude acessar o DB da minha mesa na firma como costumo fazer. Então vou colocar tudo em um só post e se ficar muito grande peço desculpas antecipadas e paciência à todos.
sapao escreveu:Leandro,
sobre o MD assumir toda a pesquisa e desenvolvimento, acho que isso nunca vai acontecer (de novo); tem que deixar na iniciativa privada mesmo porque senão não anda.
O MD deve direcionar atraves de bolsas nas areas que tem interesse (você sabe qual a porcentagem das bolsas de P&D nos EUA são patrocinados pela DARPA?), e a iniciativa privada achar um meio de com a tecnologia conquistada usa-la para outros mercados e se manter. Tem que dar chance para adquirir o conhecimento, mas a industrias devem achar um jeito depois de pagar suas contas com ele. Esse é um conceito parecido com o que o Ozires Silva pensou para a EMBRAER.
O problema da decada de 80/90 e que varios projetos com verba do governo foram cancelados e as empresas tiveram que se virar, algumas conseguiram (ENGESA), outras não (AVIBRAS).
Em princípio concordo que o governo e os militares não deveriam estar envolvidos com o desenvolvimento de produtos militares em si, pois esta não é sua atividade fim. Deveria bastar que mantivessem a infra-estrutura de formação de pessoal como já fazem hoje. Mas tenho receio de que a indústria brasileira em geral (com uma ou outra exceção bem conhecidas) não esteja à altura de desenvolver tudo o que poderia ser feito no Brasil, por falta de tradição, de capital, de segurança da continuidade e mesmo por pilantragem em alguns casos. E mesmo com ToT´s isto não será fácil de resolver, pois como evitar que as empresas contratadas só façam o investimento mínimo para produzir o item que for objeto da ToT e receber os pagamentos das FA´s enquanto entregam a primeira encomenda, mas sem se capacitarem para desenvolvimentos futuros? Aí vamos ficar comprando ToT´s para sempre?
Uma opção possível seria trazer o desenvolvimento dos produtos finais (e não apenas das tecnologias básicas) para dentro dos institutos de pesquisa e desenvolvimento ligados às próprias FA´s (os atuais e outros novos), e apenas depois dos protótipos testados e funcionando transferir a produção para empresas privadas. É mais ou menos como se fazia na antiga URSS na área aeroespacial, que tinha o TsAGI (centro de pesquisas, com cientistas, doutores e mestres), o TsKB e os OKB´s (escritórios de projeto, com engenheiros e projetistas) e as fábricas, que não estavam necessariamente ligadas a nenhum OKB. No Brasil em geral temos apenas os centros de pesquisas e uma maioria de “fábricas burras”, falta o elo que ligaria os dois e permitiria que os projetos fluíssem. Pelo que sei a marinha é a única força que está indo um pouco por este caminho, embora de forma ainda tímida e inarticulada.
Podemos tentar de alguma forma fazer com que as fábricas privadas fiquem “inteligentes” como nos países ocidentais, na Coréia do Sul e no Japão, mas lá isto sempre foi tradição em qualquer área e não só na militar, o que não acontece por aqui. Sinceramente, receio que na maioria dos casos não vá dar certo.
Sobre o VLS Leandro, houveram avanços sim, basta dar uma pesquisada na missão Missão Espacial Completa Brasileira.
Atraves de 30 anos se conseguiu muita coisa.
Parou no VLS, por algumas razões conhecidas e outras desconhecidas; mas como disse nosso amigo Pepê, graças a ajuda dos camaradas da Cidade das Estrelas o programa esta muito bem encaminhado novamente, com tudo para atingir seus objetivos brevemente.
Eu acompanho a evolução da tecnologia de aplicação espacial e leio tudo o que posso sobre o assunto, inclusive vários livros técnicos, já há décadas. É a área na qual tenho mais interesse dentro da engenharia. Dediquei muito tempo a estudar o programa do VLS, tendo inclusive tido a oportunidade de ir trabalhar nele (da qual declinei). E minha opinião é que ele foi o resultado de uma escolha um tanto equivocada de um sistema basicamente acadêmico dedicado a demonstrar o domínio das técnicas de projeto e construção de motores-foguete de grande porte (ele deveria ser só isso, um demonstrador de tecnologias). Depois, por total falta de orientação, acabou assumindo ares de grande objetivo do programa espacial brasileiro, o que foi e ainda é um erro tremendo. O resultado é que começamos junto com a Índia (por exemplo), e hoje compare onde estão os dois programas espaciais. E a diferença não é devido às verbas empregadas por cada país, tem muito mais do que isso por trás.
Hoje o projeto do VLS inteiro carece totalmente de sentido, é um beco sem saída, e mesmo que voe um dia já não tem praticamente nada a acrescentar ao patrimônio tecnológico nacional, pelo contrário, impede que sejam vislumbrados objetivos realmente interessantes que o Brasil poderia perseguir no espaço.
Sobre TOT X FMS, cada um para uma coisa; com suas qualidades e defeitos.
Comprar de prateleira e ruim?
Depende, se isso fosse sinal de dependencia a Espanha, o Japão e Israel não teriam industrias de defesa nenhuma, concordam?
TOT e otimo? Nem sempre, varios exemplo ja foram citados aqui de que a coisa nem sempre foi uma maravilha...
Tudo depende de como e feito o contrato, e dos interesses envolvidos.
Interesses politicos, que são mais fortes que tudo; por isso aproveitando o topico gostaria de expressar que na minha opinião, infelizmente, dificilmente nossa geração vai ver o Brasil participando do desenvolvimento de caças ou submarinos ou outro equipamento estrategico com a Russia ou outro pais que não seja ocidental.
Os USA aprenderam a lição com a China quando viram que era tarde demais, estão tentando reverter o erro na India (P-8, C-17), e JAMAIS vão deixar o Brasil ter acesso a esse tipo de independencia aqui na AL.
Desculpas ao Pepê, ao CM, ao Tulio e a mim mesmo, mas existe muita pressão, no meu entnder, para que isso ocorra.
O proprio VLS, o MAR e ARAMAR são exemplos disso, so quem trabalha lá sabe como e dificil trabalhar com a ma vontade vinda do Norte.
Com relação à desenvolvimento, TOT, ou simples compra, o mais importante seria o país decidir o que quer e depois cada programa naturalmente seria orientado para um destes três caminhos. Se por exemplo caças não são um produto que o Brasil irá desenvolver nos próximos 15 ou 20 anos, vincular ToT´s ao programa FX-2 passa a ser até contra-producente, poderíamos simplesmente comprar os aviões que quiséssemos pela melhor relação desempenho x custo (exigindo apenas as informações necessárias para manutenção e a integração de armamentos locais), e as tecnologias que fossem desejadas para quaisquer outras aplicações poderiam ser adquiridas ou desenvolvidas à parte, sem nenhum vínculo. Se fosse assim a FAB provavelmente já estaria re-equipada, e gastaríamos menos recursos comprando/desenvolvendo apenas as tecnologias de que realmente precisássemos.
Da mesma forma, se a MB acha que as FREMM atendem totalmente os requisitos da MB pelos próximos 25 anos, então para que aprender a projetar navios semelhantes se não vamos precisar de nenhum projeto novo? Compre-se apenas este projeto específico agora (ou quantos se desejar, pelo melhor preço), coloque-se em construção a série desejada e daqui a 30 anos compramos outro novo. Sai muito mais barato e rápido que ficar formando engenheiros, tentando aprender como fazer projetos de escoltas e mantendo uma equipe especializada para não fazer nada de útil. E vamos gastar o dinheiro e o esforço disponíveis no que realmente fizermos questão de desenvolver aqui.
Pepê Rezende escreveu:Vc não pode comparar o esforço estrutural de um flap com o de um caixão de asa. A Embraer, e tive acesso à Exposição de Motivos, foi MUITO INCISIVA nesse ponto. Os norte-americanos disseram que por limitações impostas pelo Congresso não poderiam repassá-la, pagando ou não pagando. Os suecos, idem ibidem. A Airbus não autorizava o repasse. Os franceses toparam. Não acredito que a Embraer solicitasse uma tecnologia que já dominasse, seria estúpido.
Na verdade em termos de engenharia pode-se comparar sim, um flap Fowler de múltipla fenda de um avião de grande porte é um dos componentes aeronáuticos mais complexos que se pode imaginar, não é só uma aletinha móvel como em um treinador (o do MD11 era maior que a semi-asa do Brasília ou a do próprio Rafale, só para dar uma idéia). Mas de qualquer forma entendo o que você quer dizer, os materiais, conceitos de projeto e técnicas de construção de uma asa de caça moderno certamente incluem detalhes que são bem diferentes de um flap desenvolvido há mais de 20 anos, e as novidades em materiais compostos são algo que a Embraer sempre terá interesse em aprender. Mas ainda assim, para que projeto da Embraer isto será realmente imprescindível? Para a asa do C-390? Então se a FAB não for de Rafale o projeto do C-390 estará morto e enterrado? Duvido muitíssimo!
Este é o ponto, a FAB (na verdade o governo) está disposta a pagar quantos bilhões a mais no FX-2 para que a Embraer (que é uma empresa PRIVADA) obtenha uma tecnologia da qual talvez nem faça uso imediato? Se a Embraer precisar de qualquer tecnologia nova para qualquer de seus produtos (com exceção talvez de caças supersônicos, que tem conotações geopolíticas) ela mesma pode comprar ou desenvolver. Igualmente, qual produto o CTA está desenvolvendo agora que não pode abrir mão das tecnologias que a Dassault disponibilizará pelo FX-2? Ou será que servirão apenas para pesquisas básicas que irão render depois duas ou três teses de mestrado e papers acadêmicos? Isso vale o preço que o país (e nós) vamos pagar a mais?
Deveríamos ter deixado de investir no Piranha há muitos anos para nos associar a um programa bilateral. A última boa chance foi quando a África do Sul começou o desenvolvimento do A-Darter, há mais de dez anos. Se tivéssemos investido nesse momento, hoje teríamos um míssil funcional e não o "querima sapata" que é o MAA-1A, no qual gastamos US$ 120 milhas sem qualquer resultado positivo. O Programa Piranha recebeu investimentos vultosos, mas foi vítima de empresários inescrupulosos e incompetentes. Um deles investiu o dinheiro recebido pelo governo federal em "lunetas para ver o cometa". Achava que iria multiplicar o dinheiro no fiasco da última visita do Halley. Deu com os cornos no poste e não conseguiu devolver a grana.
Aqui tem-se uma confirmação do que coloquei na resposta ao Sapão, não será fácil envolver as empresas nacionais de forma eficiente no desenvolvimento de novos produtos e sistemas no campo militar, pois desenvolvimento não faz parte da tradição de nossa indústria em nenhum tipo de produto. Se existisse um centro de desenvolvimento ligado à aeronáutica que tivesse desde o princípio se responsabilizado pelo desenvolvimento do projeto detalhado do Piranha e a indústria nacional tivesse entrado apenas como fornecedora de peças é bem possível que o projeto tivesse tido um sucesso muito maior.
Mas de qualquer forma, duvido que sem a experiência adquirida pelo pessoal envolvido com o desenvolvimento do Piranha a absorção de qualquer tecnologia que fosse do A-Darter pudesse ter algum êxito. Estaríamos de novo no mesmo barco, tendo que começar do zero e comprando mais um produto de prateleira com ToT´s...
Um ponto indiscutível é que não temos e provavelmente jamais teremos condições de desenvolver todo e qualquer sistema de armas que nossas FA´s possam precisar. Então é importante focar objetivamente naquilo que podemos fazer ou que seja mais importante, e o resto compraremos de prateleira ou no máximo produziremos sob licença. Ficar insistindo em ToT´s em toda e qualquer aquisição das FA´s só irá nos fazer gastar muito mais do que realmente precisaríamos, em troca de obtermos apenas armários cheios de panfletos e relatórios que ninguém vai ler, além de novos possíveis temas para teses acadêmicas. É preciso decidir quais os produtos/sistemas que realmente queremos desenvolver aqui (devido ao alto consumo, indisponibilidade política, ou o motivo mais nobre e que ninguém sequer menciona, a criação de doutrinas próprias). Para estes casos os programas precisariam começar já, partindo de especificações muito cuidadosas das FA´s (outro ponto geralmente bastante falho) e prazos muito estritos de execução. E as verbas para eles teriam que ser absolutamente garantidas, bem como uma estrutura técnica de desenvolvimento eficiente. Nesta categoria eu colocaria sistemas AA de curto/médio alcance, armamento inteligente para aeronaves e navios (bombas guiadas, mísseis e torpedos), submarinos (por causa do nuclear), veículos de combate terrestres (não necessariamente tanques) e armamento de tubo.
Algumas outras áreas poderiam ser de interesse em prazo mais longo, e poderiam ser hoje colocadas como temas de pesquisa, a ser realizada quando pessoal e verbas estivessem disponíveis. Nesta categoria eu colocaria UAV´s de reconhecimento e ataque, sistemas AA de grande alcance, sistemas de detecção (radar, IIR, etc...) e de comunicação.
Já outras áreas não são tão importantes ou não estão ao nosso alcance, e neste caso devemos procurar apenas a melhor relação desempenho/custo, e comprar de prateleira ou no máximo o projeto pronto para fabricação sem ToT´s. Aí se incluem caças, tanques, escoltas, PA´s e BPE´s, helicópteros, etc... .
Os ítens que listei acima foram separados nas respectivas categorias segundo minha própria opinião, e o MD e as FA´s devem é claro ter as suas próprias e podem montar estas listas melhor do que eu. Mas o importante seria ter bem claro o que fazemos questão de desenvolver, o que é apenas desejável e do que abrimos mão, e coordenar as ações de pesquisa, desenvolvimento, fabricação e aquisição de acordo com isso, ao invés de ficar recitando o mantra da transferência de tecnologia a cada vez que mencionarmos o assunto equipamento militar.
Abraços à todos,
Leandro G. Card