Polêmica: "Reserva de vagas na UnB para filhos de milit
Enviado: Ter Out 05, 2004 2:29 pm
Por oportuno, o Centro de Comunicação Social do Exército transcreve, abaixo, matéria publicada no jornal O Correio Braziliense, em sua edição de 04 de outubro de 2004:
Sociedade
O drama militar
Integrantes das Forças Armadas rebatem as críticas sobre privilégios e contam as dificuldades de quem é obrigado, por lei, a mudar de vida periodicamente. Relações familiares sofrem desgaste com as viagens
Fabíola Góis - Da equipe do Correio
Vladimir Vieira tem um filho que não conseguiu se matricular para direito na UnB: ‘‘Já esperava que isso fosse acontecer quando vim a Brasília’’ - Marcelo Ferreira/CB
Os militares representam pouco mais de 0,1% da população brasileira. Mas incomodam. Nas últimas semanas, os quase 200 mil homens e mulheres que escolheram a carreira da farda foram considerados inimigos públicos. A determinação do governo federal em obrigar as universidades a aceitar a transferência de militares e parentes provocou uma onda de protestos da sociedade civil. Como nos tempos da ditadura, estudantes invadiram as ruas para mostrar a insatisfação contra o status conferido à categoria.
As Forças Armadas governaram o país durante 21 anos, até 1985. Ao longo de duas décadas de redemocratização brasileira, perderam benefícios e privilégios. Perderam poder. Nem de longe conservam as benesses conquistadas na época do regime. Hoje a batalha é para adquirir o respeito da sociedade civil e limpar a imagem das instituições, denegrida por causa dos abusos cometidos nos anos de chumbo.
O Correio entrevistou 15 integrantes da Marinha, Exército e Aeronáutica. Eles contam como vivem, o que pensam, as supostas regalias, as obrigações. Argumentam que os ‘‘privilégios’’ amenizam as dificuldades a que são submetidos por causa das freqüentes remoções, muitas vezes para lugares sem as mínimas condições de educação para os filhos.
Lucas Piau Vieira, 17 anos, filho do tenente-coronel do Exército Vladimir Vieira, 44 anos, sofre na pele essa situação. Ele mora em Brasília há oito meses, acompanhando o pai, transferido de Boa Vista (RR). Lucas freqüenta as aulas do curso de Direito na UnB, mas não é reconhecido como aluno regular pela instituição. A universidade negou a transferência. Ele estava matriculado no primeiro semestre de uma faculdade particular.
Em Roraima, Lucas tentou a universidade pública. Passou na primeira fase, mas o vestibular foi anulado. Como o pai foi removido, o estudante não teve tempo para esperar a segunda fase e tentar a aprovação final. Ao chegar na UnB, a transferência foi negada. Lucas buscou na Justiça a garantia do direito. Obteve liminar, mas a universidade não o matriculou. ‘‘Estou no segundo semestre, assisto às aulas e faço provas como se nada tivesse acontecendo’’, conta o adolescente, que não pretende seguir carreira militar.
Indignado com a falta de cumprimento da decisão judicial, o pai se queixa do tratamento dado aos militares. ‘‘Todos nós, quando sabemos que temos de vir para Brasília, nos preocupamos com essa exigência. Já esperava que isso fosse acontecer’’, afirma o tenente-coronel Vladimir, 27 anos no Exército.
Lucas disse que ouve piadinhas no campus por ele ser filho de militar. ‘‘Não tenho culpa se meu pai escolheu essa profissão. Mas não sou menos capaz do que aqueles que prestaram vestibular da UnB’’, defende-se. No primeiro semestre, o rapaz foi aprovado em todas as cinco disciplinas do curso enquanto outros alunos reprovaram. ‘‘E ainda comecei o ano a uma semana do início das provas’’, ressalta o freqüentador do curso de direito.
Mudanças constantes
As transferências entre as universidades são um dos problemas na vida dos militares. Com as remoções compulsórias, as mudanças de residências são constantes. Há coronéis, por exemplo, que tiveram 30 endereços em 35 anos de profissão. Os amigos ficam para trás, os planos do casal são revistos, a família terá de se adaptar a uma nova realidade, os filhos perdem a referência de casa. Há prejuízos materiais também. A mobília fica destruída com o monta-desmonta das mudanças.
Sempre que mudam de estado, os militares têm todas as despesas pagas, como o transporte dos móveis, passagens aéreas, ajuda de custo para adaptar a casa, hospedagem até a escolha do imóvel. Os valores variam de acordo com a patente e a área onde os servidores vão trabalhar. Eles não encaram esse direito como regalia.
O general José Luiz Halley, assessor especial de Comunicação Social do ministro da Defesa, José Viegas, rebate as acusações de que ainda resistem os privilégios na corporação. Segundo ele, a pensão paga às filhas dos militares, tida como regalia, foi suspensa em 2000. Apenas os que entraram no quadro antes dessa data mantêm a pensão, e colaboram para um fundo que lhes desconta 1,5% do salário bruto.
‘‘Não estamos tirando vagas’’
O general José Luiz Halley, assessor especial do Ministério da Defesa, explica que o parecer da Advocacia Geral da União (AGU) sobre as transferências obrigatórias para universidades atende a um pedido do Ministério da Defesa.
A Lei 9536 estabelece que as matrículas na universidades federais devem ser feita em qualquer época, independentemente de vaga. ‘‘Não é nossa culpa se o vestibular vai ou não ser suspenso. Não estamos tirando vaga dos estudantes’’, defende o general.
José Luiz Halley afirma que nenhum militar ou dependente exige ingresso sem vestibular. ‘‘Muitos já estão no sexto, sétimo semestre e não vão tirar as vagas. Alguns estudam em lugares que nem têm universidade pública’’, comenta. Estudos mostram que os militares ficam, em média, oito anos em um curso superior por causa das constantes remoções.
Sempre reconstruindo a vida
Militares ouvidos pelo Correio contam que a rotina de mudanças compromete os laços familiares. Sentimento de perda e falta de referência são comuns entre os integrantes das Forças Armadas
Fabíola Góis - Da equipe do Correio
É inerente à profissão militar conhecer todo o território nacional. Se houver guerra, homens e mulheres precisam estar preparados para combater na caatinga, cerrado, montanha. É a chamada ‘‘vivência nacional’’. Os militares podem ser removidos a qualquer época do ano, para qualquer região do país. Os oficiais ficam no máximo três anos no mesmo lugar. Eles devem ficar disponíveis 24 horas por dia, sem direito a reivindicar qualquer remuneração ou compensação extra.
A visão que os ‘‘paisanas’’ — como são chamados os civis pelos militares — têm dos fardados é de uma profissão cheia de regalias e satisfações. Os mais comentados são: direito a apartamento funcional, transporte para levá-los ao trabalho, sistema de saúde e pensão para filhas de militares. E, ultimamente, as transferências para universidades públicas.
Os fardados argumentam que nada sai de graça. Eles pagam pelo apartamento (em Brasília equivale a pouco mais de um terço do aluguel real), pela saúde (um coronel contribui em R$ 250 para um fundo), transporte (eles optam ou não pelo vale) e a pensão para filhas terminou em 2000 (leia quadro). Ao todo, entre as três Forças Armadas, há dois mil imóveis funcionais.
Devoção à carreira
Quando retiram a farda, os militares têm o cotidiano dos civis: preocupam-se com dívidas, reclamam do salário baixo, discutem com mulher e filhos, sofrem violência e problemas psicológicos.
Para a capitão-tenente da Marinha Jaqueline Rios de Souza, 38 anos, ser também mulher de militar é uma dupla devoção. O marido, Marcos Souza, hoje oficial da reserva da Marinha, passava meses ‘‘embarcado’’ em um navio no Rio de Janeiro. Antes do casamento, se separaram quando ela foi transferida para São Paulo. Adiaram os planos de ter filhos. Há seis anos, nasceu a primeira menina. Há três, outra garota. ‘‘Quando estava no final da gravidez da segunda, ele viajou. Só chegou, por acaso, no dia em que ela nasceu’’, conta Jaqueline.
Há dois anos, Marcos passou em um concurso do Tribunal de Contas da União e mudou-se para Brasília. Jaqueline conseguiu remoção também. ‘‘Mas ficamos quatro meses separados por isso. Não sei como vai ser quando eu tiver de ser transferida novamente’’, confessa. A capitão-tenente não admite que tenha privilégios. ‘‘Não considero regalia ter apartamento funcional. Pago R$ 400 por ele. O fantasma da mudança está sempre presente. As pessoas não sabem o que passamos’’, comenta.
As dificuldades provocadas pelas transferências dos militares são piores quando as famílias se desestruturam. O capitão-de-corveta Alexandre Teixeira, 36 anos, quase 20 na Marinha, viu o casamento ruir ao longo do tempo. Natural do Rio de Janeiro, o militar veio pela primeira vez a Brasília em 1995, quando tinha acabado de perder o primeiro filho com um ano de vida por problemas provocados pelas constantes pneumonias.
Alexandre e a mulher, advogada, pretendiam recomeçar a vida. Ela arranjou emprego, mas logo teve de voltar ao Rio. Foi então que ocorreu outra tragédia: o apartamento funcional pegou fogo depois de um curto circuito. O casal perdeu móveis, pertences, lembranças. Na cidade natal, a mulher conseguiu novo emprego. O capitão-de-corveta fazia curso de aperfeiçoamento quando teve de retornar para Brasília, em 2000.
No ano seguinte, a advogada veio para a capital. Engravidou do segundo filho. O Distrito Federal virou pesadelo na vida de Alexandre. No dia em que iria completar dois anos, há cinco meses, o menino morreu com parada cardíaca. O militar recebeu ordem para nova remoção. A mulher, concursada no GDF, pediu divórcio um mês depois da morte do menino. ‘‘Perdi as coisas mais importantes da minha vida. Só restou a Marinha’’, conta, com lágrimas nos olhos.
Perdas e ganhos
Servidores das Forças Armadas apontam os prós e contras da profissão
Vantagens
Morar em várias cidades do país
Apartamento funcional
Estabilidade no emprego
Aperfeiçoamento constante
Serviço de saúde de qualidade
Desvantagens
Prejuízo na educação dos filhos
Restrições para que o cônjuge exerça atividades remuneradas
Dedicação exclusiva
Risco de morte dependendo da área em que se está lotado
Disciplina rígida
Transferências compulsórias
O que perderam
Direito à pensão para as filhas
Desde 2000, não existe mais essa regalia. Todos os cidadãos que ingressaram depois nas Forças Armadas não têm mais o direito.
Quem optou por mantê-lo, contribui com 1,5% do vencimento bruto.
Desconto do Imposto de Renda
Antes da ditadura militar, oficiais e praças não descontavam imposto de renda. A contribuição começou na década de 60.
Quanto ganham (líquido)
Oficiais generais
Almirante-de-esquadra, general-de-Exército e tenente-brigadeiro: R$ 4.950,00
Vice-almirante, general-de-divisão e major-brigadeiro:
R$ 4.719,00
Contra-almirante, general-de-brigada e brigadeiro: R$ 4.511,00
Oficiais superiores
Capitão-de-mar-e-guerra, coronel: R$ 4.115,00
Capitão-de-fragata, tenente-coronel: R$ 3.950,00
Capitão-de-corveta, major: R$ 3.775,00
Oficiais intermediários
Capitão-tenente, capitão: R$ 2.970,00
Oficiais subalternos
Primeiro-tenente: R$ 2.772,00
Segundo-tenente: R$ 2.475,00
Praças graduados
Suboficial e subtenente: R$ 2.079,00
Primeiro-sargento: R$ 1.811,00
Segundo-sargento: R$ 1.547,00
Terceiro-sargento: R$ 1.254,00
Cabo (engajado) e taifeiro-mor: R$ 874,00
Cabo (não engajado): R$ 198,00
Outras profissões
Agente da Polícia Civil: R$ 3.900,00
Sargento da PMDF: R$ 2.100,00
Coronel da PMDF: R$ 6.000,00
Oficial de Chancelaria: R$ 2.500,00
UnB recebe críticas
Em meio à briga sobre a transferência para universidades públicas, há casos de militares que estudavam em uma instituição federal e tiveram o pedido negado pela UnB. O tenente-coronel Marcos Tadeu Barros de Oliveira, 44 anos, 26 deles no Exército, prestou vestibular numa faculdade particular do Rio de Janeiro quando ainda morava lá, há quatro anos. Foi transferido para Juiz de Fora (MG).
Na cidade, matriculou-se na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde cursou Direito por três anos. Ao vir para Brasília há 1 ano e oito meses, teve a matrícula negada. ‘‘A UnB argumentou que o meu ingresso primário foi em uma particular e por isso não aceitaria a transferência. É um absurdo’’, reage.
O tenente-coronel entrou na Justiça, teve liminar negada e matriculou-se na AEUDF. Paga R$ 700 de mensalidade, além de R$ 900 para a mulher estudar fisioterapia na Farplac. ‘‘Estou sendo impedido de exercer um direito que a lei me reserva’’, comentou. Há um mês, foi informado que voltaria novamente para Juiz de Fora. E não adianta mais ter resposta da Justiça porque não estará mais na cidade. ‘‘E quando voltar, a universidade não deve aceitar a grade curricular daqui. Vou ficar prejudicado novamente’’, reclama o militar.
O professor Benito Nino Bisio, oficial da reserva e atual diretor de Ensino à Distância da UPIS, sai em defesa dos militares. Ele considera que a UnB está fazendo chantagem. ‘‘E, mais grave ainda, joga a opinião pública contra a AGU e contra os militares quando transfere a culpa pelo cancelamento do vestibular’’, ataca.
Bisio comenta que a obrigatoriedade de servir em pelo menos três das cinco regiões do país promove mobilidade entre os alunos. ‘‘A entrada de militares e dependentes é compensada pela saída, em números aproximados’’, afirma. Segundo ele, é comum a saída e entrada anual de 300 oficiais e sargentos para cumprir a exigência da vivência nacional em cidades com efetivo superior a 10 mil oficiais e sargentos.
Sociedade
O drama militar
Integrantes das Forças Armadas rebatem as críticas sobre privilégios e contam as dificuldades de quem é obrigado, por lei, a mudar de vida periodicamente. Relações familiares sofrem desgaste com as viagens
Fabíola Góis - Da equipe do Correio
Vladimir Vieira tem um filho que não conseguiu se matricular para direito na UnB: ‘‘Já esperava que isso fosse acontecer quando vim a Brasília’’ - Marcelo Ferreira/CB
Os militares representam pouco mais de 0,1% da população brasileira. Mas incomodam. Nas últimas semanas, os quase 200 mil homens e mulheres que escolheram a carreira da farda foram considerados inimigos públicos. A determinação do governo federal em obrigar as universidades a aceitar a transferência de militares e parentes provocou uma onda de protestos da sociedade civil. Como nos tempos da ditadura, estudantes invadiram as ruas para mostrar a insatisfação contra o status conferido à categoria.
As Forças Armadas governaram o país durante 21 anos, até 1985. Ao longo de duas décadas de redemocratização brasileira, perderam benefícios e privilégios. Perderam poder. Nem de longe conservam as benesses conquistadas na época do regime. Hoje a batalha é para adquirir o respeito da sociedade civil e limpar a imagem das instituições, denegrida por causa dos abusos cometidos nos anos de chumbo.
O Correio entrevistou 15 integrantes da Marinha, Exército e Aeronáutica. Eles contam como vivem, o que pensam, as supostas regalias, as obrigações. Argumentam que os ‘‘privilégios’’ amenizam as dificuldades a que são submetidos por causa das freqüentes remoções, muitas vezes para lugares sem as mínimas condições de educação para os filhos.
Lucas Piau Vieira, 17 anos, filho do tenente-coronel do Exército Vladimir Vieira, 44 anos, sofre na pele essa situação. Ele mora em Brasília há oito meses, acompanhando o pai, transferido de Boa Vista (RR). Lucas freqüenta as aulas do curso de Direito na UnB, mas não é reconhecido como aluno regular pela instituição. A universidade negou a transferência. Ele estava matriculado no primeiro semestre de uma faculdade particular.
Em Roraima, Lucas tentou a universidade pública. Passou na primeira fase, mas o vestibular foi anulado. Como o pai foi removido, o estudante não teve tempo para esperar a segunda fase e tentar a aprovação final. Ao chegar na UnB, a transferência foi negada. Lucas buscou na Justiça a garantia do direito. Obteve liminar, mas a universidade não o matriculou. ‘‘Estou no segundo semestre, assisto às aulas e faço provas como se nada tivesse acontecendo’’, conta o adolescente, que não pretende seguir carreira militar.
Indignado com a falta de cumprimento da decisão judicial, o pai se queixa do tratamento dado aos militares. ‘‘Todos nós, quando sabemos que temos de vir para Brasília, nos preocupamos com essa exigência. Já esperava que isso fosse acontecer’’, afirma o tenente-coronel Vladimir, 27 anos no Exército.
Lucas disse que ouve piadinhas no campus por ele ser filho de militar. ‘‘Não tenho culpa se meu pai escolheu essa profissão. Mas não sou menos capaz do que aqueles que prestaram vestibular da UnB’’, defende-se. No primeiro semestre, o rapaz foi aprovado em todas as cinco disciplinas do curso enquanto outros alunos reprovaram. ‘‘E ainda comecei o ano a uma semana do início das provas’’, ressalta o freqüentador do curso de direito.
Mudanças constantes
As transferências entre as universidades são um dos problemas na vida dos militares. Com as remoções compulsórias, as mudanças de residências são constantes. Há coronéis, por exemplo, que tiveram 30 endereços em 35 anos de profissão. Os amigos ficam para trás, os planos do casal são revistos, a família terá de se adaptar a uma nova realidade, os filhos perdem a referência de casa. Há prejuízos materiais também. A mobília fica destruída com o monta-desmonta das mudanças.
Sempre que mudam de estado, os militares têm todas as despesas pagas, como o transporte dos móveis, passagens aéreas, ajuda de custo para adaptar a casa, hospedagem até a escolha do imóvel. Os valores variam de acordo com a patente e a área onde os servidores vão trabalhar. Eles não encaram esse direito como regalia.
O general José Luiz Halley, assessor especial de Comunicação Social do ministro da Defesa, José Viegas, rebate as acusações de que ainda resistem os privilégios na corporação. Segundo ele, a pensão paga às filhas dos militares, tida como regalia, foi suspensa em 2000. Apenas os que entraram no quadro antes dessa data mantêm a pensão, e colaboram para um fundo que lhes desconta 1,5% do salário bruto.
‘‘Não estamos tirando vagas’’
O general José Luiz Halley, assessor especial do Ministério da Defesa, explica que o parecer da Advocacia Geral da União (AGU) sobre as transferências obrigatórias para universidades atende a um pedido do Ministério da Defesa.
A Lei 9536 estabelece que as matrículas na universidades federais devem ser feita em qualquer época, independentemente de vaga. ‘‘Não é nossa culpa se o vestibular vai ou não ser suspenso. Não estamos tirando vaga dos estudantes’’, defende o general.
José Luiz Halley afirma que nenhum militar ou dependente exige ingresso sem vestibular. ‘‘Muitos já estão no sexto, sétimo semestre e não vão tirar as vagas. Alguns estudam em lugares que nem têm universidade pública’’, comenta. Estudos mostram que os militares ficam, em média, oito anos em um curso superior por causa das constantes remoções.
Sempre reconstruindo a vida
Militares ouvidos pelo Correio contam que a rotina de mudanças compromete os laços familiares. Sentimento de perda e falta de referência são comuns entre os integrantes das Forças Armadas
Fabíola Góis - Da equipe do Correio
É inerente à profissão militar conhecer todo o território nacional. Se houver guerra, homens e mulheres precisam estar preparados para combater na caatinga, cerrado, montanha. É a chamada ‘‘vivência nacional’’. Os militares podem ser removidos a qualquer época do ano, para qualquer região do país. Os oficiais ficam no máximo três anos no mesmo lugar. Eles devem ficar disponíveis 24 horas por dia, sem direito a reivindicar qualquer remuneração ou compensação extra.
A visão que os ‘‘paisanas’’ — como são chamados os civis pelos militares — têm dos fardados é de uma profissão cheia de regalias e satisfações. Os mais comentados são: direito a apartamento funcional, transporte para levá-los ao trabalho, sistema de saúde e pensão para filhas de militares. E, ultimamente, as transferências para universidades públicas.
Os fardados argumentam que nada sai de graça. Eles pagam pelo apartamento (em Brasília equivale a pouco mais de um terço do aluguel real), pela saúde (um coronel contribui em R$ 250 para um fundo), transporte (eles optam ou não pelo vale) e a pensão para filhas terminou em 2000 (leia quadro). Ao todo, entre as três Forças Armadas, há dois mil imóveis funcionais.
Devoção à carreira
Quando retiram a farda, os militares têm o cotidiano dos civis: preocupam-se com dívidas, reclamam do salário baixo, discutem com mulher e filhos, sofrem violência e problemas psicológicos.
Para a capitão-tenente da Marinha Jaqueline Rios de Souza, 38 anos, ser também mulher de militar é uma dupla devoção. O marido, Marcos Souza, hoje oficial da reserva da Marinha, passava meses ‘‘embarcado’’ em um navio no Rio de Janeiro. Antes do casamento, se separaram quando ela foi transferida para São Paulo. Adiaram os planos de ter filhos. Há seis anos, nasceu a primeira menina. Há três, outra garota. ‘‘Quando estava no final da gravidez da segunda, ele viajou. Só chegou, por acaso, no dia em que ela nasceu’’, conta Jaqueline.
Há dois anos, Marcos passou em um concurso do Tribunal de Contas da União e mudou-se para Brasília. Jaqueline conseguiu remoção também. ‘‘Mas ficamos quatro meses separados por isso. Não sei como vai ser quando eu tiver de ser transferida novamente’’, confessa. A capitão-tenente não admite que tenha privilégios. ‘‘Não considero regalia ter apartamento funcional. Pago R$ 400 por ele. O fantasma da mudança está sempre presente. As pessoas não sabem o que passamos’’, comenta.
As dificuldades provocadas pelas transferências dos militares são piores quando as famílias se desestruturam. O capitão-de-corveta Alexandre Teixeira, 36 anos, quase 20 na Marinha, viu o casamento ruir ao longo do tempo. Natural do Rio de Janeiro, o militar veio pela primeira vez a Brasília em 1995, quando tinha acabado de perder o primeiro filho com um ano de vida por problemas provocados pelas constantes pneumonias.
Alexandre e a mulher, advogada, pretendiam recomeçar a vida. Ela arranjou emprego, mas logo teve de voltar ao Rio. Foi então que ocorreu outra tragédia: o apartamento funcional pegou fogo depois de um curto circuito. O casal perdeu móveis, pertences, lembranças. Na cidade natal, a mulher conseguiu novo emprego. O capitão-de-corveta fazia curso de aperfeiçoamento quando teve de retornar para Brasília, em 2000.
No ano seguinte, a advogada veio para a capital. Engravidou do segundo filho. O Distrito Federal virou pesadelo na vida de Alexandre. No dia em que iria completar dois anos, há cinco meses, o menino morreu com parada cardíaca. O militar recebeu ordem para nova remoção. A mulher, concursada no GDF, pediu divórcio um mês depois da morte do menino. ‘‘Perdi as coisas mais importantes da minha vida. Só restou a Marinha’’, conta, com lágrimas nos olhos.
Perdas e ganhos
Servidores das Forças Armadas apontam os prós e contras da profissão
Vantagens
Morar em várias cidades do país
Apartamento funcional
Estabilidade no emprego
Aperfeiçoamento constante
Serviço de saúde de qualidade
Desvantagens
Prejuízo na educação dos filhos
Restrições para que o cônjuge exerça atividades remuneradas
Dedicação exclusiva
Risco de morte dependendo da área em que se está lotado
Disciplina rígida
Transferências compulsórias
O que perderam
Direito à pensão para as filhas
Desde 2000, não existe mais essa regalia. Todos os cidadãos que ingressaram depois nas Forças Armadas não têm mais o direito.
Quem optou por mantê-lo, contribui com 1,5% do vencimento bruto.
Desconto do Imposto de Renda
Antes da ditadura militar, oficiais e praças não descontavam imposto de renda. A contribuição começou na década de 60.
Quanto ganham (líquido)
Oficiais generais
Almirante-de-esquadra, general-de-Exército e tenente-brigadeiro: R$ 4.950,00
Vice-almirante, general-de-divisão e major-brigadeiro:
R$ 4.719,00
Contra-almirante, general-de-brigada e brigadeiro: R$ 4.511,00
Oficiais superiores
Capitão-de-mar-e-guerra, coronel: R$ 4.115,00
Capitão-de-fragata, tenente-coronel: R$ 3.950,00
Capitão-de-corveta, major: R$ 3.775,00
Oficiais intermediários
Capitão-tenente, capitão: R$ 2.970,00
Oficiais subalternos
Primeiro-tenente: R$ 2.772,00
Segundo-tenente: R$ 2.475,00
Praças graduados
Suboficial e subtenente: R$ 2.079,00
Primeiro-sargento: R$ 1.811,00
Segundo-sargento: R$ 1.547,00
Terceiro-sargento: R$ 1.254,00
Cabo (engajado) e taifeiro-mor: R$ 874,00
Cabo (não engajado): R$ 198,00
Outras profissões
Agente da Polícia Civil: R$ 3.900,00
Sargento da PMDF: R$ 2.100,00
Coronel da PMDF: R$ 6.000,00
Oficial de Chancelaria: R$ 2.500,00
UnB recebe críticas
Em meio à briga sobre a transferência para universidades públicas, há casos de militares que estudavam em uma instituição federal e tiveram o pedido negado pela UnB. O tenente-coronel Marcos Tadeu Barros de Oliveira, 44 anos, 26 deles no Exército, prestou vestibular numa faculdade particular do Rio de Janeiro quando ainda morava lá, há quatro anos. Foi transferido para Juiz de Fora (MG).
Na cidade, matriculou-se na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde cursou Direito por três anos. Ao vir para Brasília há 1 ano e oito meses, teve a matrícula negada. ‘‘A UnB argumentou que o meu ingresso primário foi em uma particular e por isso não aceitaria a transferência. É um absurdo’’, reage.
O tenente-coronel entrou na Justiça, teve liminar negada e matriculou-se na AEUDF. Paga R$ 700 de mensalidade, além de R$ 900 para a mulher estudar fisioterapia na Farplac. ‘‘Estou sendo impedido de exercer um direito que a lei me reserva’’, comentou. Há um mês, foi informado que voltaria novamente para Juiz de Fora. E não adianta mais ter resposta da Justiça porque não estará mais na cidade. ‘‘E quando voltar, a universidade não deve aceitar a grade curricular daqui. Vou ficar prejudicado novamente’’, reclama o militar.
O professor Benito Nino Bisio, oficial da reserva e atual diretor de Ensino à Distância da UPIS, sai em defesa dos militares. Ele considera que a UnB está fazendo chantagem. ‘‘E, mais grave ainda, joga a opinião pública contra a AGU e contra os militares quando transfere a culpa pelo cancelamento do vestibular’’, ataca.
Bisio comenta que a obrigatoriedade de servir em pelo menos três das cinco regiões do país promove mobilidade entre os alunos. ‘‘A entrada de militares e dependentes é compensada pela saída, em números aproximados’’, afirma. Segundo ele, é comum a saída e entrada anual de 300 oficiais e sargentos para cumprir a exigência da vivência nacional em cidades com efetivo superior a 10 mil oficiais e sargentos.