Fronteiras vivas
A Colômbia invadiu o Brasil. Entrou com uma brigada de pára-quedistas na região conhecida como Cabeça do Cachorro. Desceram com avião e helicópteros numa área do Exército Brasileiro e se apossaram das instalações. Isso foi há nove anos. A reação do Brasil foi chamar o embaixador e o ministro e falar duramente com eles. Em 91, as Farc também entraram e mataram militares brasileiros.
Como o Brasil reagiu nos dois casos, mostra bem o estilo de firmeza sem beligerância que o país tem mantido ao administrar sua imensa fronteira. Só na Amazônia, o Brasil tem 11.500km de fronteira com sete países, a maioria da área é de selva.
No fim de 1998, quando a Colômbia invadiu nosso território, o Brasil decidiu não fazer alarde público, mas demonstrar firmeza com quem interessava. No caso, o governo colombiano.
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Chamei o embaixador e falei com o ministro das Relações Exteriores deles. Disse que aquilo era inaceitável, que caíssem fora imediatamente. Eles saíram em poucas horas — conta o então chanceler do Brasil, Luiz Felipe Lampreia.
A invasão do território brasileiro foi montada para, a partir do Brasil, atacar os terroristas das Farc que permaneciam em território colombiano. Mas não foi como agora para atacar as Farc instaladas num outro país que não a Colômbia.
Militares brasileiros contam que, em 1991, houve um ataque a um destacamento de fronteira brasileiro, em Querari, por um grupo armado das Farc. Alguns militares foram mortos.
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Foi um episódio conhecido como traíra. Reagimos imediatamente, perseguindo os bandidos e infligindo neles mais baixas que as do nosso lado — conta o general Heleno Pereira, que hoje comanda as operações do Exército na Amazônia.
O general diz que o Brasil não faz "
cavalo de batalha" de qualquer episódio; leva a sério apenas os casos sérios:
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Logo que cheguei aqui, tive a informação de que aviões venezuelanos estavam entrando no espaço aéreo brasileiro. Fui verificar no local, em Xitei. Lá perguntei na maloca e para funcionários de uma ONG ligada à Funasa. Eles confirmaram que aviões e helicópteros venezuelanos sobrevoavam o local. Fui ver por quê. É que, em Roraima, tem um bico que entra no território venezuelano. Os militares têm postos de um lado e de outro do bico. Para ir de um lado para o outro, ou dão uma volta enorme ou passam sobre o Brasil. Não tinham intenção de invadir nosso espaço aéreo. Conversamos sobre a autorização para fazer isso e ponto — conta.
Sobre o conflito entre os vizinhos, o general acredita que seria "
irresponsabilidade não ficar preocupado", mas diz que o assunto está entregue, no Brasil, à negociação diplomática.
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Não fizemos nenhum movimento diferente com as tropas; estamos confiantes que tudo vai se resolver pela via diplomática — afirmou ele, que ontem participava de uma reunião do Alto Comando do Exército, mas que era, ele disse, apenas de rotina, para discutir promoção.
Na Amazônia, o Brasil tem 25 mil homens em 23 pelotões especiais de fronteira, duas companhias especiais e três destacamentos.
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Temos sempre duas linhas de ação: estratégica e de dissuasão. É uma área onde há enorme dificuldade de circulação terrestre entre as unidades, as ligações são aéreas ou por rios. Mas do que nos orgulhamos é de ter o melhor combatente de selva do mundo. Nosso pessoal nesta área é sempre local, muitos de origem indígena, que conhecem a região como a palma da mão e que, na selva, estão em casa — comenta.
O general Heleno acha que é impossível que as Farc entrem e se instalem num país sem que o país perceba, mesmo sendo região de selva.
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Apesar de selva, qualquer movimento é percebido. A população é rarefeita; para um grupo ficar na selva, ele tem que ter apoio. Como se abastecer? O apoio tem que vir pelo rio, e isso seria percebido.
O general prefere não comentar mais sobre a preocupação de que o desentendimento entre os vizinhos degenere em conflito. Acredita na solução diplomática.
Outros militares ouvidos admitem que a preocupação é grande, ainda que haja muito ceticismo em relação ao poderio bélico e à capacidade logística da Venezuela.
De fato, a Venezuela hoje não tem demonstrado capacidade de abastecer o país de alimentos; como vai abastecer de suprimentos dez batalhões na fronteira? Hoje, na região de Pacaraima, os venezuelanos com mais dinheiro vêm ao lado brasileiro para as compras normais de mercado: leite, carne, laticínios.
A Venezuela está na estranha situação de ter os piores conflitos com seus dois maiores parceiros comerciais. E relações comerciais que ficam cada vez mais exuberantes. O volume de comércio entre Venezuela e Estados Unidos saiu de US$ 20 bilhões em 2003 para US$ 50 bilhões no ano passado. O segundo maior parceiro é a Colômbia e o volume de comércio saiu de US$ 1,4 bilhão em 2003 para US$ 6 bilhões em 2007. Com os EUA, o que pesa é a exportação venezuelana de petróleo; com a Colômbia, é diferente. A Colômbia exporta para a Venezuela o triplo do que compra; cerca de 20% são alimentos. Exatamente o que anda em falta na Venezuela.
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Hugo Chávez faz tudo para ficar na mídia. É o que está fazendo agora — afirma um integrante do governo brasileiro.
Realmente. Chávez não tem todo o poder que aparenta, e tem mais a perder do que admite.
Fonte: http://oglobo.globo.com/economia/miriam//#92613