Reflexões Militares

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FilipeREP
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Reflexões Militares

#1 Mensagem por FilipeREP » Qua Nov 13, 2019 3:18 pm

Essa "modinha" de que Clausewitz-é-irrelevante não é uma blasfêmia. É simplesmente errada.

Por Steve Leonard, Modern War Institute, 5 de março de 2019.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de novembro de 2019.

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(US Air Force)

Nota do editor: todas as citações de "A Guerra" de Clausewitz neste artigo foram extraídas da edição traduzida por Sir Michael Howard e Peter Paret.

Embora nosso intelecto sempre anseie por clareza e certeza, nossa natureza costuma achar fascinante a incerteza.
— Carl von Clausewitz, A Guerra.

Toda vez que leio outro comentário de estrategista de poltrona sobre a irrelevância contemporânea de Clausewitz, fico balançando a cabeça. De muitas maneiras, ler A Guerra é como ler a Bíblia: interpretações literais do texto geralmente levam os leitores a interpretações errôneas das idéias mais profundas e muitas vezes mais instigantes que sustentam a escrita. O reconhecimento e a compreensão do contexto da magnum opus* de Clausewitz é essencial para o desenvolvimento de uma compreensão dos conceitos em seu interior. Contexto é tudo.

*Nota do Tradutor: Obra-prima.

Costuma-se dizer que Clausewitz é o menos lido, e o mais citado dos teóricos militares clássicos. Sua escrita não é tão expressivamente citável quanto Sun Tzu ou tão provocativamente diabólica quanto Maquiavel. Está impregnada de metáforas, escritas nos anos seguintes às guerras napoleônicas, quando Clausewitz lutava para entender um conceito que desafiava a ciência de seu tempo. Sua própria essência permeava A Guerra, de sua expressividade metafórica ao conceito onipresente de atrito. Enquanto outros teóricos falharam em compreender a causa subjacente da natureza imprevisível da guerra, Clausewitz dedicou mais de uma década de sua vida relativamente curta à definição do que é contemporaneamente reconhecido como complexidade e seu impacto inerente e inevitável na guerra.

A capacidade de Clausewitz de sintetizar as nuances da complexidade em A Guerra destaca tanto seu valor duradouro quanto sua eterna luta. O analista de defesa Alan Beyerchen observa que A Guerra "lida com a complexidade da guerra de maneira mais realista do que talvez qualquer outro trabalho", mas também atribui a onipresença de complexidade em A Guerra como o único fator que "torna seu trabalho tão significativo, mas tão difícil de assimilar". Além disso, Clausewitz exibiu uma compreensão fundamental das complexidades da guerra que são melhor definidas em termos amplamente estrangeiros na época: “Na guerra, é imbuído o entendimento de que toda guerra é inerentemente um fenômeno não-linear, cuja conduta muda seu caráter de maneiras que não podem ser analiticamente previstas."

Como Clausewitz revisou repetidamente A Guerra, ele sem dúvida desenvolveu uma compreensão mais profunda de suas próprias idéias sobre a complexidade. Sua teoria da guerra em evolução era contra-intuitiva à natureza linear e redutivista do pensamento que dominava a ciência desde os tempos de Newton. Como resultado, Clausewitz confiou na metáfora para suportar o ônus da prova.

Clausewitz começa A Guerra com três metáforas cada vez mais sofisticadas, porém proeminentemente não-lineares, para definir a guerra. A primeira dessas metáforas, a Zweikampf (literalmente, "luta dupla"), é introduzida no Capítulo Um do Livro Um d'A Guerra:

A guerra não passa de um duelo [Zweikampf] em maior escala. Incontáveis duelos vão compor a guerra, mas uma imagem dela como um todo pode ser formada imaginando um par de lutadores. Cada um tenta, através da força física, obrigar o outro a fazer sua vontade; seu objetivo imediato é arremessar seu oponente para torná-lo incapaz de resistência adicional. A guerra é, portanto, um ato de força para obrigar nosso inimigo a fazer a nossa vontade.

Com essa primeira definição mais básica da natureza da guerra, Clausewitz investiga um dos conceitos fundamentais da complexidade: interação (Wechselwirkung). A guerra, ele explica, não é "a ação de uma força viva sobre uma massa sem vida, mas sempre a colisão de duas forças vivas". A metáfora de dois lutadores é uma representação ideal da complexidade, onde "as posições e contorções corporais que emergem. . . muitas vezes são impossíveis de alcançar sem a força contrária e o contrapeso de um oponente.

Quando Clausewitz começa a expandir sua teoria da guerra para abranger o papel da política (Politik), ele invoca sua segunda definição clássica, frequentemente citada: "A guerra é apenas a continuação da política por outros meios". No processo de chegar a uma definição, Clausewitz apela à imagem metafórica da combustão para caracterizar a relação entre política e guerra:

O objeto político - o motivo original para a guerra - determinará, assim, o objetivo militar a ser alcançado e a quantidade de esforço necessária. . . . O mesmo objeto político pode provocar diferentes reações em diferentes povos, e mesmo das mesmas pessoas em momentos diferentes. Portanto, podemos tomar o objeto político como um padrão apenas se pensarmos na influência que ele pode exercer sobre as forças que ele deve mover. . . . Dependendo se suas características aumentam ou diminuem o impulso em direção a uma ação específica, o resultado varia. Entre dois povos e dois estados, pode haver tais tensões, tal massa de material inflamável, que a menor briga pode produzir um efeito totalmente desproporcional - uma explosão real.

O uso de Clausewitz dessa metáfora distintamente não-linear define os "parâmetros que determinam regimes fundamentais de comportamento em um sistema [complexo]". As condições políticas predominantes, não o objetivo político inicial, determinam os métodos militares utilizados; na guerra, a ligação entre fins e meios é fundamentalmente dinâmica, uma definição que contrasta a relação estática promovida pela maioria dos teóricos.

Ao desencadear essa relação metafórica, Clausewitz ilustra dois dos preceitos básicos da complexidade: o papel do feedback em um sistema complexo e o comportamento adaptativo que define a complexidade dinâmica. A afirmação de Clausewitz sobre a finalidade da guerra é indicativa do reconhecimento da Prússia da existência de feedback tanto de reforço (amplificação) quanto de equilíbrio (estabilização) em sua teoria da guerra em evolução. Sua descrição da natureza camaleônica da guerra reflete um entendimento de que, em última análise, a conduta de qualquer guerra afeta seu próprio caráter, e "seu caráter alterado retorna aos fins políticos que norteiam sua conduta".

Finalmente, Clausewitz baseia-se em sua metáfora mais complexa, porém essencial: a trindade onipresente (eine wunderliche Dreifaltigkeit). Na teoria militar, poucas outras representações da natureza da guerra são frequentemente debatidas com opiniões tão diversas. No entanto, nenhum outro elemento da escrita de Clausewitz é tão representativo da complexidade da guerra:

Como fenômeno total, suas tendências dominantes sempre fazem da guerra uma trindade paradoxal - composta de violência primordial, ódio, e inimizade, que devem ser consideradas uma força natural cega; do jogo do acaso e da probabilidade dentro da qual o espírito criativo está livre para vagar; e do seu elemento de subordinação, como instrumento de política, que o sujeita apenas à razão. . . . Nossa tarefa, portanto, é desenvolver uma teoria que mantenha um equilíbrio entre essas três tendências, como um objeto suspenso entre três ímãs.

A trindade é geralmente mal interpretada como uma tríade estática representativa das forças que influenciam a condução da guerra. Para Clausewitz, os pontos não são passivos, mas atratores dinâmicos; a metáfora é outra ilustração de interação complexa. Clausewitz usa a trindade para enfrentar "o caos inerente a um sistema não-linear sensível às condições iniciais [grifo nosso]." Um pêndulo de aço suspenso entre três pontos magnéticos interativos se moverá em um padrão predefinido, mas o movimento preciso do pêndulo não pode ser matematicamente previsto devido a variações nas condições iniciais. Como na guerra, "a antecipação do tipo geral de padrão é possível, mas a previsibilidade quantitativa da trajetória real é [impossível]".

Clausewitz observou com um senso paradoxal de ironia: “Tudo na guerra é muito simples, mas a coisa mais simples é difícil. As dificuldades se acumulam e terminam produzindo um tipo de atrito que é inconcebível, a menos que alguém tenha passado por uma guerra.” Clausewitz entendeu ainda que“ incontáveis incidentes menores - do tipo que você nunca pode realmente prever - se combinam para diminuir o nível geral de desempenho, portanto, sempre fica aquém do objetivo pretendido.” Em sua luta para ilustrar a natureza ilusória e complexa da guerra, Clausewitz só conseguiu completar o Capítulo Um do Livro Um antes de sua morte prematura em 1831. A difícil tarefa de interpretar e comunicar sua visão de guerra caiu sobre sua esposa, Marie, que começou a "garantir e moldar seu legado" quase imediatamente após sua morte súbita e dolorosa. Seus esforços meticulosos para preservar seus escritos, embora em grande parte subestimados e pouco estudados, forneceram ao Ocidente seu tratado seminal sobre a guerra.

Se Clausewitz tivesse entrado em Bagdá com a Task Force 1-64 Armor durante a Thunder Run ou testemunhado o incrível sacrifício em Roberts Ridge durante a Operação Anaconda, ele teria, sem dúvida, reconhecido a onipresença do "atrito" no campo de batalha. Observando a guerra civil síria se transformar em uma guerra por procuração travada contra um dos regimes terroristas mais brutais do mundo, ele teria notado que mesmo o mais simples dos inimigos pode ter uma influência profunda na natureza e no caráter do conflito. Mas, quase duzentos anos após sua morte, seu único conselho vem em palavras que ecoam através do tempo. Estudamos A Guerra por uma razão simples: sua exploração do nexo da complexidade e da guerra não conhece pares. E à medida que a acusação de guerra se torna cada vez mais suscetível às nuances da complexidade, a relevância de Clausewitz apenas cresce com o tempo.

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Steve Leonard é um contribuidor não-residente do Modern War Institute, um dos fundadores da Divergent Options, um ex-estrategista militar sênior e a força criativa por trás de Doctrine Man!! Ele é membro fundador do Military Writers Guild e colaborador frequente do projeto Art of Future Warfare do Atlantic Council. Seus trabalhos se concentram em questões de política externa, segurança nacional, estratégia e planejamento, desenvolvimento de liderança e líderes e, ocasionalmente, ficção. Um ex-aluno da Escola de Estudos Militares Avançados, ele liderou a equipe interinstitucional que criou a primeira doutrina de operações de estabilidade do Exército dos EUA, liderou a reintrodução da arte operacional na doutrina principal e escreveu os princípios orientadores da Metodologia de Design do Exército. Ele é autor de quatro livros, numerosos artigos profissionais, inúmeras publicações em blogs e é um cartunista militar prolífico. Siga sua escrita em seu blog pessoal, The Pendulum, e no Twitter em @Doctrine_Man.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem a política ou posição oficial do Departamento do Exército, do Departamento de Defesa ou do governo dos EUA.

Original: https://mwi.usma.edu/clausewitz-irrelev ... 3-chhiBq-w




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O estilo de guerra francês

#2 Mensagem por FilipeREP » Qui Nov 14, 2019 5:20 pm

O estilo de guerra francês
Por Michael Shurkin, 17 de novembro de 2015.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 2018.

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Um soldado francês da Operação Barkhane em um veículo blindado em Timbuktu, 5 de novembro de 2014.

As forças armadas da França podem sofrer de uma má reputação no imaginário popular americano, datando de eventos históricos como a queda rápida diante da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial e a derrota na época colonial em Dien Bien Phu. Isto é um erro: Os ataques aéreos franceses às posições do Estado Islâmico na Síria são apenas o começo do contra-ataque contra o EI, como os próprios oficiais franceses estão prometendo. E como qualquer pessoa familiarizada com as capacidades militares da França pode atestar, quando se trata de guerra, os franceses estão entre os melhores dos melhores.

Além disso, o que quer que seja que a França faça provavelmente não se parecerá com nada que os EUA façam. Há um estilo de guerra francês que reflete a falta de recursos das forças armadas francesas e seu modesto senso do que pode realizar. Eles se especializam em operações cuidadosamente divididas e geralmente pequenas, porém letais, geralmente nos bastidores; elas podem ser maiores se tiverem ajuda dos EUA e de outros aliados – o que eles provavelmente terão em qualquer caso e sabem como fazer bom uso.

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Emblemática da abordagem francesa foi a intervenção militar da França na República Centro-Africana em março de 2007. Para impedir um avanço rebelde que se aproximava rapidamente do país proveniente da fronteira sudanesa, os franceses atacaram usando um único avião de caça e duas ondas de pára-quedistas, totalizando não mais do que “poucas dúzias” que saltaram na zona de combate na cidade centro-africana de Birao. Em termos militares, o que os franceses fizeram foi uma picada de agulha, mas foi suficiente para quebrar o avanço rebelde como colocar uma pedra no caminho de uma onda. Era, além disso, uma coisa arriscada de se fazer:

Os assaltos aerotransportados são intrinsecamente perigosos, ainda mais quando se tem pouca capacidade de reforçar ou retirar os soldados levemente armados em uma emergência. A primeira onda de “menos de 10” soldados supostamente fez um salto de alta altitude. Além disso, as forças armadas francesas fizeram tudo isso silenciosamente, com a imprensa francesa apenas tomando conhecimento da intervenção algumas semanas depois do fato.

A intervenção da França no Mali em janeiro de 2013 também ilustrou esses atributos amplamente. Por um lado, os franceses exibiram capacidades de alta qualidade em armas combinadas e de fogo e movimento “conjunto”, o que significa que fizeram uso de tudo que tinham em mãos – forças especiais e forças convencionais, tanques e infantaria, artilharia, helicópteros e caças – de uma forma orquestrada e integrada que aproveitou ao máximo todos os recursos disponíveis.

Em outras palavras, os franceses no Mali jogaram o beisebol da liga principal (embora talvez não devêssemos mais considerar o ISIS como um time de “JV”, como outrora fez o presidente Obama). Além disso, eles o faziam com uma “equipe selecionada” improvisada que consistia em pedaços e peças de um conjunto diversificado de unidades reunidas apressadamente e durante a execução. Algumas dessas unidades poderiam ser consideradas de elite, mas a maioria não era. Além disso, os franceses colocaram essa força ad hoc contra um inimigo perigoso que operava no pior ambiente físico imaginável – tudo com suprimentos estritamente suficientes simplesmente para impedir que as tropas francesas morressem de sede e exaustão de calor. As botas dos soldados franceses literalmente se desfizeram porque a cola que as mantinha juntas derreteu por causa do calor. Os franceses foram para lugares onde seus inimigos supunham que nunca ousariam ir, lutando corpo a corpo entre cavernas e pedregulhos nas profundezas do deserto. Por exemplo; eles arriscaram um salto de pára-quedas noturno em Timbuktu para enfrentar uma força que poderia tê-los superado em número. Para os observadores militares americanos, a única palavra que resume sua avaliação é respeito.

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Foto por Bruno Jézequel/l'Édition du soir.

O que torna o estilo de guerra francês distinto, digamos, do estilo de guerra dos EUA tem a ver com escassez. As forças armadas francesas são altamente conscientes de seu pequeno tamanho e falta de recursos. Isso se traduz em várias características distintivas das operações militares francesas. Uma é a insistência em objetivos modestos, em limitar estritamente os objetivos de uma invenção militar, de acordo com uma avaliação modesta do que as forças armadas são capazes de realizar. Os franceses, portanto, visam baixo e se esforçam para alcançar o mínimo exigido. Sempre que possível, eles tentam limitar o uso das forças armadas a missões para as quais os militares realmente podem ser úteis. Ou seja, forças armadas são boas em violência; se a violência é o que é necessário, então envie as forças armadas. Caso contrário, não. As forças armadas francesas abominam a expansão da missão e não querem participar de coisas como “construção da nação”. No Mali, por exemplo, as forças armadas francesas se consideram boas em matar membros de alguns grupos terroristas; é isso que eles fazem, e eles se recusam a se envolver em qualquer outra coisa, como resolver a bagunça política do Mali ou envolver-se no conflito entre os vários grupos rebeldes armados do Mali e entre eles e o estado maliano. Claro, isso significa que as forças armadas francesas não estão fazendo muito do que o Mali precisa, mas os franceses estão aderindo à sua política.

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Coluna do 3e RIMa, em patrulha na região de Aguelhok, Mali. (Imagem do Exército Francês)

Outra característica do estilo de guerra francês é a escala. Enquanto as forças armadas dos EUA tendem para uma abordagem de guerra “go big or go home” (vá com tudo ou vá pra casa) – os planejadores americanos supostamente tomam como certa sua capacidade de reunir vastos recursos e poder de fogo – as forças armadas francesas adotam “going” pequeno. Eles lutam por suficiência e esperam alcançar objetivos limitados através da aplicação da menor medida de força possível, ao que eles se referem como “juste mésure”, ou seja, apenas o suficiente para fazer o trabalho, e não mais. Isso requer saber o quanto é suficiente, para não mencionar aceitar riscos que os americanos prefeririam não correr e, em grande parte, não precisam fazê-lo. Os franceses aceitaram ir ao Mali com recursos insuficientes de evacuação médica, por exemplo. As forças armadas dos EUA provavelmente não tomariam essa decisão.

As chaves para a abordagem francesa incluem a substituição da quantidade pela qualidade, e a luta inteligente, de aproveitar ao máximo as ferramentas disponíveis. Não se lança algumas dúzias de pára-quedistas em Birao, onde é provável que estejam em inferioridade numérica e possivelmente superados em poder de fogo, a menos que se saiba exatamente o que precisa ser feito, onde, como e com que propósito. No Mali, as forças francesas desdobraram-se sem água suficiente, mas sabiam exatamente onde obtê-lo uma vez lá. Eles sabiam, além disso, quem eram os atores locais, em quem confiar e em que medida, e como alavancar as forças locais para compensar seus próprios números reduzidos.

A autoconsciência das forças armadas francesas com relação a suas limitações as ajuda a trabalhar bem com os Estados Unidos. Informados por sua experiência trabalhando com recursos americanos no Afeganistão, Líbia, Mali, Somália e atualmente no Sahel, os franceses sabem como trabalhar com os americanos. Eles também sabem exatamente o que mais precisam dos EUA e o que fazer com ele, a saber, reabastecimento aéreo, inteligência, vigilância e reconhecimento (intelligence, surveillance, and reconnaissance – ISR) e carga pesada (grandes aviões de carga, como os C-17 da Força Aérea). Quando os EUA fornecem qualquer uma dessas coisas, ou, na verdade, quando os EUA fornecem algum recurso adicional que os franceses não têm, os franceses aceitam e colocam imediatamente em operação. A cooperação é, portanto, não apenas próxima, mas eficaz, embora geralmente nos bastidores.

Os franceses podem não ser capazes de derrotar o Estado Islâmico – certamente não sozinhos. Eles podem, além disso, não ter idéias melhores do que nós ou qualquer outro para saber como ganhar. Mas, com base em sua história, o que quer que eles façam além dos recentes ataques aéreos, eles provavelmente agirão de forma ponderada e pensarão primeiro. Eles podem agir em silêncio, tão silenciosamente que poderemos nunca ouvir sobre isso. Mas uma coisa é certa: Se os franceses estão determinados a ferir alguém, eles vão.

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Michael Shurkin é um cientista político sênior da organização sem fins lucrativos RAND Corporation.

Original: https://www.rand.org/blog/2015/11/the-f ... f-war.html

Warfare Blog: https://www.warfareblog.com.br/2020/01/ ... ances.html




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Fuzileiros Navais na Revolução de 1924

#3 Mensagem por FilipeREP » Qui Nov 14, 2019 6:39 pm

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Manobra do Batalhão Naval, 1928.

A revolução de 1924 no Estado de São Paulo, foi um acontecimento de muita gravidade, que preocupou sèriamente a Nação, e levou o Brasil a temer pela sorte do grande Estado. O que mais depôs contra os paulistas naquela eventualidade, e que contribuiu para que a revolução fôsse debelada mais depressa, foi a notícia que se espalhou por todo o País, que, o que eles queriam, era separarem-se do Brasil.

São Paulo, que todos dizem e reconhecem ser uma nação, pela pujança do seu progresso admirável e pelo idealismo e valor dos seus filhos, desejaria ser, realmente, independente? Não cremos que fôsse êsse o pensamento que norteava as idéias do seu povo, e que levava-o à luta. Os paulistas não eram ingênuos, sabiam da impossibilidade de realizarem tão incomum quão impatriótico propósito, e mesmo que alimentassem essa aspiração para a sua terra, o Brasil não permitiria que a levassem a efeito.

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Artilharia do Batalhão Naval durante manobras na então longínqua Barra da Tijuca, 1928.

A Fôrça Pública de São Paulo, numerosa, bem treinada e bem armada, que Ruy Barbosa dissera, ao vê-la em manobras, ser um exército, encarnava a esperança de vitória daquele povo que recorria às armas não por suas ambições de grandeza, mas buscava nas trincheiras soluções para problemas de ordem social, econômico e político, que, conforme admitiam os seus líderes, o govêrno da República descurava ou não tinha pressa em resolvê-los.

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Artilharia do Batalhão Naval durante manobras na então longínqua Barra da Tijuca, 1928.

Foi uma luta fratricida que durou poucos dias. A Fôrça Pública, coadjuvada por fracos elementos militares, bateu-se valentemente com fôrças regulares que tinham a apoiá-las o resto da Nação.

A derrota chegou depressa e era inevitável, porque São Paulo não lutava por nenhum ideal conspícuo que merecesse a ajuda dos seus irmãos. A Fôrça Pública batia-se por uma causa que significava agredir o Brasil e não defender São Paulo que não estava sendo acometido por nenhum inimigo.

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Artilharia do Batalhão Naval durante manobras na então longínqua Barra da Tijuca, 1928.

Um contingente de fuzileiros navais, pequeno mas capaz, seguiu para São Paulo a fim de ajudar as fôrças legalistas na sua ação contra os revoltosos em armas. Era uma fôrça mista, que compreendia as armas de artilharia e infantaria, e não ultrapassava uma companhia.

O Encouraçado Minas Gerais transportou os fuzileiros até o pôrto de Santos onde desembarcaram incorporados a grande número de marinheiros do navio. Era Comandante da Fôrça da Marinha o Capitão-de-Fragata Anatoqles, Imediato do Minas Gerais.

Os fuzileiros seguiram de trem para o teatro da luta onde iriam demonstrar as superiores qualidades militares que foram apanágios dos seus antepassados, e fariam dêles os modernos representantes de uma estirpe de bravos que se confirmaria e haveria de multiplicar-se através dos tempos.

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Renault FT-17 e tanquistas da Companhia de Carros de Assalto em uma avenida em São Paulo durante os combates, 1924.

- (Não poderemos narrar convenientemente o que foi aquela epopéia porque não dispomos de elementos suficientes. Alguns fuzileiros dos que tomaram parte na mesma, junto aos quais buscamos informes, pouco nos adiantaram. Alegaram êles que já haviam se esquecido de quase tudo. Não tiveram a preocupação de tomar notas porque jamais pensariam que os seus apontamentos poderiam ser publicados).

Os Oficiais da Armada que auxiliaram o Comandante Anatoqles na direção da Fôrça da Marinha, são hoje, todos, altos dignatários da Armada. Foram êles: (salvo êrro ou omissão) Capitão-Tenente Nelson Noronha de Carvalho, Comandante da artilharia dos fuzileiros, e Sub-Chefe Tenente Suzano. Já no fim da campanha o Capitão Noronha foi substituído pelo Capitão-Tenente Helvécio Coelho Rodrigues. Porta-Bandeira da Fôrça da Marinha, Tenente Paraguaçu. Comandante do contingente de marinheiros, Tenente Lauro de Araújo.

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Rebelde paulista com fuzil-metralhador Madsen no bairro do Cambuci.

Partindo de Santos, o comboio chegou a São Bernardo à noite, onde fez uma pequena parada. Desta estação continuou viagem para o Ipiranga alcançando esta cidade pela madrugada. Os fuzileiros desembarcaram a sua artilharia. Patrulhas avançadas de reconhecimento constituídas de marinheiros entraram em ação, e tomaram contato com o inimigo. Seguiu-se um tiroteio terrível no qual diversos marinheiros foram feridos. Depois dêste choque inicial, encetou a Fôrça da Marinha uma marcha penosa em demanda do centro da capital paulista. Os canhões dos fuzileiros dificultavam a marcha, porque rodavam em terreno desconhecido, à noite, e eram importunados pelos revoltosos. Ao ralar do dia, haviam atingido um ponto perto dos Campos Elíseos; dirigiram-se para lá e ocuparam um prédio próximo ao palácio do govêrno. No referido prédio estabeleceram o Q.G. da Fôrça da Marinha. O Capitão Nascimento dispôs a artilharia ao sopé de um morro que havia nas proximidades e abriu fogo contra objetivos considerados importantes, como entroncamentos e estações ferroviárias, quartéis e pontos de concentração de revoltosos. Um pouco distante do local onde estava colocada a artilharia dos fuzileiros, havia um quartel que parecia abandonado; dêste quartel abriram fogo com metralhadoras pesadas contra os fuzileiros; êles viraram as bôcas dos seus canhões para lá, e em poucos minutos silenciaram as metralhadoras e arrasaram o quartel. Alguns fuzileiros saíram feridos da refrega.

Os canhões de campanha dos fuzileiros, os formidáveis 75 m/m Armstrong, em 1924 eram dos melhores que existiam. Os shrapnell, granadas que usavam carregadas com balins, eram próprias para serem atiradas contra pessoal, e o efeito era devastador.

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General Isidoro Dias Lopes, comandante dos rebelados.

Depois da luta que se travou nas proximidades do palácio do govêrno, o Capitão Noronha foi substituído no comando da artilharia dos fuzileiros pelo Capitão Helvécio Coelho.

Os canhões dos fuzileiros atiraram muito, atiraram talvez demais, tanto que alguns deles dêles ficaram pràticamente imprestáveis.

Durante todo o desenrolar das operações militares, os fuzileiros ao lado dos marinheiros demonstraram espírito de luta, coragem e desprendimento. Morreram marinheiros e fuzileiros.

Os Oficiais da Armada, que comandaram a Fôrça da Marinha o fizeram com precisão admirável e acêrto absoluto.

Nos combates que travaram com os revolucionários, foram feridos gravemente os soldados José Benício Alves, Heliodoro José dos Santos e José Bezerra Sobrinho, que obtiveram promoção a Cabo. O primeiro é hoje Vice-Almirante (CFN) da R. Rm., o segundo morreu como 1º Tenente da R. Rm. e o terceiro deu baixa. Todos pertenciam à Sexta Companhia, de Artilharia.

Dois soldados morreram; dois outros desapareceram sem que jamais se soubesse que fim tiveram e um dêstes era corneteiro, tinha o apelido de "Porão".

- Histórias de Fuzileiros Navais Brasileiros, Tenente AT Manoel Caetano da Silva, pp. 87-89, 1961.

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Site Warfare: https://www.warfareblog.com.br/2020/01/ ... ao-de.html




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O Elemento Humano: Quando engenhocas se tornam estratégia

#4 Mensagem por FilipeREP » Qui Nov 14, 2019 6:50 pm

Pelo General H. R. McMAster, em 2009.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 18 de agosto de 2019.

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Tenente-General Herbert Raymond McMaster.

As guerras no Afeganistão e no Iraque, e os debates políticos sobre a natureza e o alcance do envolvimento dos EUA nesses países, ressuscitaram as "lições" do Vietnã mais uma vez. Longe de ter chutado a "síndrome do Vietnã", como o presidente George H. W. Bush colocou no exuberante rescaldo da Operação Tempestade no Deserto, agora parece possível que a memória da Guerra do Vietnã seja confundida para sempre na imaginação do público com os conflitos no Afeganistão e Iraque, produzindo algo como uma síndrome do Vietnã com esteroides.

Um pouco disso é compreensível. No Afeganistão e Iraque, os Estados Unidos estão engajados em conflitos do tipo que, após a dolorosa experiência da Guerra do Vietnã, muitos acreditavam que nossa nação nunca mais lutaria. À medida que o debate sobre política e estratégia americana no Iraque e no Afeganistão se intensificava no ano passado, vozes de todos os lados invocaram o Vietnã para gerar apoio para seus argumentos. Alguns sugeriram que, no nível da grande estratégia, os conflitos no Afeganistão e no Iraque eram campanhas relacionadas na guerra contra o terrorismo mais ampla, assim como o Vietnã era um dos capítulos de uma Guerra Fria mais ampla; outros, argumentando em termos ideológicos, compararam a luta global de hoje contra adeptos do Jihadismo Salafista à luta de ontem contra o Comunismo mundial. Em um nível ainda mais alto de abstração, o Afeganistão e o Iraque parecem análogos à experiência americana no Vietnã simplesmente porque apresentam problemas complexos com uma multiplicidade de dimensões políticas, militares, econômicas e culturais.

Analogias adicionais do Vietnã vão muito longe, do contexto e caráter das guerras no Iraque e Afeganistão até as operações e táticas empregadas para combatê-las. As guerras indiretas do Irã contra Israel, o governo libanês, e os EUA, travadas por meio do apoio de Teerã ao Hamas, Hezbollah, milícias afegãs e grupos xiitas no Iraque, acrescentam uma dimensão aos conflitos no Afeganistão e no Iraque que lembram o apoio chinês e russo ao seu agente no Vietnã. Fronteiras afegãs e iraquianas porosas, combinadas com santuários em países vizinhos, proporcionam às organizações insurgentes e terroristas margem de manobra e abrigos para organizar, planejar e treinar operações. Como os insurgentes comunistas vietnamitas, talibãs e grupos armados iraquianos intimidam a população, promovem campanhas de propaganda eficazes e empregam táticas terroristas para minar os esforços locais e americanos para estabelecer segurança, construir instituições governamentais e concluir projetos de reconstrução.

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Estratégia Americana no Vietnã: Uma análise crítica. Livro onde o Coronel Summers argumentou contra o método de contra-insurgência.

Mas é no âmbito operacional que as analogias do Vietnã são verdadeiramente trazidas à vida. Semelhante aos argumentos sobre as lições do Vietnã, os debates sobre o efeito do "surge"* no Iraque e a estratégia que o precedeu concentraram-se nas deficiências na abordagem conceitual dos EUA à Guerra do Iraque. Assim como analistas como o Coronel Harry Summers argumentaram que uma negligência na arte operacional levou a uma separação entre meios táticos e fins estratégicos no Vietnã - o resultado, em sua narrativa, de enfocar demais o Exército na contra-insurgência do que em suas forças tradicionais de combate - hoje, alguns oficiais militares e analistas argumentam que o Exército ficou hipnotizado com as técnicas e procedimentos de contra-insurgência, dos quais eles pouco dão crédito aos sucessos recentes no Iraque. E assim como o lado oposto do debate do Vietnã argumentou que uma força americana apegada à ortodoxia convencional era inadequada e não conseguiu se adaptar aos desafios de combater uma insurgência no complexo ambiente geográfico e cultural do Sudeste Asiático, estudiosos como Conrad Crane argumentaram que as forças armadas americanas estavam mal preparadas para as operações de contra-insurgência no Afeganistão e no Iraque, principalmente porque consideravam o Vietnã uma aberração e, depois, como um erro a ser evitado.

*Nota do Tradutor: O “Surge” (algo como uma grande onda para frente) foi uma reorganização estratégica americana no Iraque em 2007, quando enviaram mais 20 mil homens para o país e redirecionaram a estratégia e os procedimentos para contra-insurgência.

Esse debate entre o que um ensaio recente da Atlantic Monthly chamou de "Conservadores" e "Cruzados" gerou muito gritaria e barulho, bem como sua parcela de rancor. Mas há um terceiro lado no debate, contra o qual ambos os campos se alinharam em um raro exemplo de concordância. Assim como muitos historiadores o implicam o Secretário de Defesa Robert McNamara e outros arquitetos da intervenção americana no Vietnã por desprezarem as dimensões humana e psicológica da guerra e por se recusarem dar o respeito devido à complexa estratégia comunista vietnamita de Dau Tranh - uma estratégia que empregou um "mosaico" de mudanças nas ações políticas e militares - uma crítica da política militar americana no Iraque emergiu, lançando uma acusação semelhante. Ela critica aqueles que inicialmente planejaram a política militar no Iraque por ter revivido a concepção da era do Vietnã de que os Estados Unidos descobriram o segredo de usar violência com mínima incerteza e um alto grau de eficiência: a mera demonstração de proezas militares norte-americanas, argumentaram os formuladores de políticas no início de ambos os conflitos, seria suficiente para alterar o comportamento do inimigo. Essa suposição falha teve efeitos similares em cada um dos casos; os Estados Unidos subestimaram dramaticamente a complexidade da guerra e o nível de esforço e tempo necessários para alcançar seus objetivos de guerra.

Assim, uma resposta possível para as perguntas que os historiadores continuam a fazer sobre o Vietnã e agora perguntam sobre o Iraque: Como e por que os Estados Unidos entraram em guerra nesses lugares e o que melhor explica o curso subseqüente dessas guerras? Evidências que estavam disponíveis para pesquisadores em meados da década de 1990, incluindo documentos anteriormente disponíveis e fitas de reuniões e conversas telefônicas, lançaram nova luz sobre a tomada de decisão na Guerra do Vietnã no governo Lyndon Baines Johnson trinta anos antes. Esse conjunto de evidências indicava que as respostas para essas duas perguntas estavam conectadas; a maneira única pela qual os Estados Unidos entraram em guerra no Vietnã teve uma influência profunda na condução da guerra e em seu resultado. No Iraque também, o modo como os Estados Unidos entraram em guerra influenciou tudo o que se seguiu. Uma fixação na superioridade tecnológica americana e uma negligência associada às dimensões humana, psicológica e política da guerra condenaram um esforço e chegou bem perto de condenar o outro.

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Nosso histórico de aprender com o passado em geral e com a experiência americana no Vietnã em particular não é forte. Como Yuen Foong Khong argumentou em seu livro Analogies at War: Korea, Munich, Dien Bien Phu, and the Vietnam Decisions of 1965 (Analogias na Guerra: Coréia, Munique, Dien Bien Phu e as Decisões do Vietnã de 1965, sem tradução para o português), foi a má aplicação da história que atrapalhou a análise e a tomada de decisões durante a escalada do envolvimento americano no Vietnã. Da mesma forma, a memória dos EUA sobre a divisora intervenção militar no Vietnã é facilmente manipulada porque é nebulosa e imprecisa, mais simbólica do que histórica. Há perigos na aplicação reflexiva da memória histórica; obscurece a compreensão e justifica políticas mal concebidas. Assim, o historiador Earl Tilford argumentou que a única verdadeira lição do Vietnã era que "os Estados Unidos nunca mais devem se envolver em uma guerra civil em apoio a uma causa nacionalista contra insurgentes comunistas supridos por aliados com fronteiras contíguas em uma antiga colônia francesa localizada em um clima tropical a meio caminho ao redor do mundo."

É verdade que os conflitos no Vietnã, no Iraque e no Afeganistão exibem muito mais diferenças do que semelhanças. Mas enquanto a singularidade do Vietnã limita o que poderíamos aplicar diretamente a partir dessa experiência, um exame de como e por que o Vietnã se tornou uma guerra americana e o que deu errado também pode nos ajudar a pensar mais claramente sobre as guerras de hoje e de amanhã. De fato, enquanto resistirmos à tentação de esperar respostas simples da história, as percepções estratégicas e operacionais da guerra no Vietnã podem ser relevantes e úteis para nossos esforços no Afeganistão e no Iraque.

Uma percepção bastante óbvia, ou assim se poderia pensar, é a conclusão de que nenhuma solução fácil se apresenta no Afeganistão e no Iraque, assim como nenhuma se apresentou no Vietnã há quarenta anos. O sucesso no Vietnã significava derrotar as forças insurgentes e convencionais inimigas, contrariando iniciativas políticas inimigas e ajudando o governo e forças armadas sul-vietnamitas a desenvolverem a eficácia e a legitimidade necessárias para proteger a população, atender às necessidades básicas das pessoas e fazer com que o povo se voltassem contra os comunistas. Os Estados Unidos, no entanto, foram atraídos em direção a uma solução simples que se mostrou inadequada para a complexidade do conflito.

O modo como os Estados Unidos foram à guerra no Vietnã foi único na história americana. Nenhuma decisão levou à guerra. Lyndon Johnson não queria ir à guerra no Vietnã, mas todas as decisões que ele tomou parecem, em retrospectiva, ter levado inexoravelmente a essa direção. Não que Johnson apreciasse tais decisões: ele recorreu ao seu secretário de defesa, Robert McNamara, para desenvolver uma estratégia para o Vietnã compatível com suas prioridades internas e que permitiria ao presidente evitar uma decisão concreta entre guerra e desengajamento.

Aprovada em março de 1964, "Pressão Graduada" foi o resultado. A estratégia usaria ataques e bombardeios para convencer Ho Chi Minh e os líderes do Vietnã do Norte a desistir de apoiar a insurgência comunista vietnamita no sul. A Pressão Graduada permitiria aos Estados Unidos controlar a escalada do esforço militar e melhorar a situação no Vietnã de maneira barata, eficiente e sem atrair atenção indesejada do Congresso e do povo americano.

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Ho Chi Minh seguido pelo General Vo Nguyen Giap e comitiva, 1957.

As principais características da Pressão Graduada - resultados máximos com investimento mínimo, uma convicção de que o inimigo responderia "racionalmente" à ação americana, uma obsessão com a tecnologia como elemento definidor da guerra - respondiam a múltiplas necessidades não relacionadas à situação real no Vietnã. Eles também eram consistentes com os antecedentes educacionais e orientações profissionais daqueles que se tornaram os arquitetos da guerra americana no Vietnã. Para esses homens - McNamara, William Bundy, John McNaughton e as "whiz kids" ("crianças prodígio") que os rodeavam - as relações humanas eram melhor vistas através das lentes da racionalidade. A persistência de impulsos políticos desagradáveis, divisivos e "irracionais" não figurou muito em sua cosmovisão. Além disso, as inovações tecnológicas, pelo menos em sua narrativa, dotaram os formuladores de políticas da capacidade de usar a força de maneira precisa e calibrada, uma capacidade que não soltaria os cães de guerra.

Em nenhum lugar esse conjunto de conceitos se manifesta mais claramente do que na aplicação da "análise de sistemas" a uma guerra de guerrilha a meio mundo de distância. Os planejadores americanos deveriam assumir que o inimigo "está na mesma posição que nós" e "adaptará seu comportamento", um dos decanos da análise de sistemas. Thomas Schelling, escreveu em 1964. A aplicação precisa e racional da força culminaria nos Estados Unidos e seu adversário alcançando "simultaneamente um julgamento sobre qual é a escolha mais razoável para nós fazermos e o que é uma escolha razoável para ele fazer." Baseando-se na tradição jurídica inglesa, McNaughton e Bundy chegaram ao ponto de afirmar nos documentos de planejamento do Vietnã que a política dos EUA seria estabelecer uma justificativa de "lei comum" para bombardear o Vietnã do Norte; Hanói entraria em negociações logo após os Estados Unidos estabelecerem um "padrão de ataques de lei comum." Mas os planejadores do Pentágono e os consultores da Casa Branca não conseguiram dar conta de um compromisso com a guerra revolucionária que permitiu derramamento de sangue em uma escala inimaginável para os profissionais de colarinho branco americanos.

As expectativas infladas para o sucesso da Pressão Graduada no Vietnã dificilmente foram afetadas pela crença de que a proeza tecnológica obviou a necessidade de pensar muito sobre a natureza do inimigo ou sobre as complexidades humanas e psicológicas da guerra de forma mais geral. Na verdade, McNamara e seus principais assistentes ignoravam as dimensões humanas e psicológicas da guerra. Sua fé na superioridade tecnológica americana, combinada com a suposição de que o inimigo se comportaria como qualquer ator racional, os cegou para a personalidade dos seus inimigos norte-vietnamitas e vietnamitas comunistas. Nem mesmo nos últimos anos essa fé na tecnologia diminuiu. A ladainha tem sido bem documentada - a dependência esmagadora do poder aéreo, o uso exagerado de sensores e outras tecnologias para retardar o movimento pela trilha Ho Chi Minh, a proposta de McNamara de erguer uma barreira eletrônica ao longo do paralelo 17º, a quantificação mesmo dos mais fundamentais aspectos humanos da guerra. Mesmo enfrentando a derrota, os planejadores americanos seguiram em frente, entendendo mal a natureza do conflito e recusando-se a dar a devida consideração à natureza do inimigo.

O fracasso da Pressão Graduada foi previsto antes mesmo da estratégia ser implementada. Em 1964, dois jogos de guerra do Pentágono, assustadoramente proféticos, expuseram falhas fatais na estratégia. Nesses jogos de guerra, os especialistas do Sudeste Asiático atuaram no papel do governo norte-vietnamita. Em resposta ao bombardeio limitado projetado para sinalizar a determinação americana, esses especialistas decidiram infiltrar um grande número de soldados do Exército do Vietnã do Norte no Planalto Central do Vietnã do Sul. Isso, por sua vez, impulsionou o comprometimento de tropas americanas no Sul. Os jogos de guerra concluíram que a combinação de santuários inimigos no Vietnã do Norte, Camboja e Laos, a capacidade do inimigo de sustentar-se em escassas provisões, sua estratégia de enfatizar ações políticas e militares para evitar o forte e atacar o fraco, e limitações na aplicação do poder militar americano, iria atolar os Estados Unidos em um conflito prolongado com pouca esperança de sucesso. O jogo terminou após cinco anos de combates com quinhentos mil soldados comprometidos no Vietnã do Sul. Bundy, no entanto, achou a conclusão "muito dura". Em vez de forçar um reexame da estratégia, os resultados dos jogos de guerra SIGMA I e SIGMA II aparecem, em retrospectiva, como um roteiro que os líderes civis e militares seguiram no caminho para o fracasso no Vietnã.

Os jogos de guerra SIGMA não tiveram efeito na política ou estratégia americana no Vietnã. A Pressão Graduada baseava-se em uma suposição contrária - de que a aplicação de força militar limitada sinalizaria a determinação americana e, assim, convenceria o inimigo a alterar seu comportamento. A estratégia, no entanto, não considerou as ações militares em contextos políticos, culturais, geográficos, econômicos ou históricos. Os líderes comunistas vietnamitas estavam comprometidos em ganhar, mesmo que a vitória chegasse a um preço extraordinariamente alto; eles demonstraram esse compromisso tão recentemente quanto a Primeira Guerra da Indochina contra os franceses. Os norte-vietnamitas estavam culturalmente predispostos à paciência e a uma visão de longo prazo. Ho Chi Minh e outros membros da liderança de Hanói viam sua luta contra os americanos no contexto de lutas anteriores contra os franceses, chineses e japoneses. Além disso, a natureza primordialmente agrária da economia norte-vietnamita limitava a utilidade do bombardeio à infra-estrutura como meio de coerção. Visto em perspectiva histórica, a ideia de que operações secretas e bombardeios seletivos forçariam o inimigo a "desistir" era uma fantasia. Mas era uma fantasia necessária se o presidente fosse escapar de tomar o que ele temia que seriam decisões impopulares.

Em novembro de 1964, o Secretário Adjunto de Defesa, John McNaughton, redigiu uma análise de vinte páginas para um comitê interdepartamental liderado por William Bundy e dedicado à questão do que fazer em seguida no Vietnã. Embora a recomendação de McNaughton para uma campanha de bombardeio estritamente controlada e cuidadosamente limitada contra o Vietnã do Norte - "aperto progressivo e conversa" - logo seria encastelada na política oficial, o seu autor tinha dúvidas. McNaughton começou a duvidar que a ação militar agudamente limitada que ele favorecia pudesse persuadir o Norte a parar de apoiar o Viet Cong. Em um memorando de 7 de novembro, ele escreveu que seu caminho escolhido tinha "alguma chance de dar muito errado." No entanto, McNaughton e outros funcionários dos departamentos de Defesa e Estado acreditavam que, se os norte-vietnamitas não respondessem à aplicação gradual da pressão militar, os Estados Unidos poderiam simplesmente parar de usar a força. A Pressão Graduada foi projetada para permitir "o máximo controle em todas as etapas e permitir a interrupção em algum ponto ou pontos apropriados para negociações, enquanto busca manter uma ameaça crível de novas pressões militares, caso seja necessário."

Até o secretário de defesa McNamara teve suas dúvidas. Mas, em um esforço para dar a seu presidente o conselho que ele queria ouvir, McNamara convenceu a si mesmo e aos outros que a estratégia da Pressão Graduada era uma solução viável para o complexo problema do Vietnã. Enquanto redigiam os memorandos de planejamento em 1964 e no começo de 1965, McNamara e suas "crianças prodígio" do Departamento de Defesa ignoravam as realidades locais, faziam um espelhamento do inimigo e pensavam linearmente.

Carl von Clausewitz, filósofo prussiano do século XIX, argumentou que "o primeiro, o supremo, o ato de julgamento mais abrangente que o estadista e o comandante têm a fazer é estabelecer o tipo de guerra em que estão embarcando, sem confundi-lo, nem tentando transformá-lo em algo que é estranho à sua natureza. Esta é a primeira de todas as questões estratégicas e a mais abrangente.” O problema no Vietnã do Sul era fundamentalmente político, mas a estratégia da Pressão Graduada não abordava as causas fundamentais da violência. As ações militares planejadas baseavam-se em sistemas de armas prontamente disponíveis e outras capacidades, em vez de nos objetivos que a aplicação da força militar deveria realizar. Política ambígua e pensamento estratégico falho geraram uma tendência a igualar qualquer atividade militar ao progresso. Como o presidente e seus assessores consideraram apenas o próximo passo da "escada" da Pressão Graduada, a estratégia impediu o pensamento de longo alcance sobre objetivos e políticas e quase não reconheceu sua interação com o inimigo.

Na medida em que as críticas ao pensamento estratégico entraram na discussão, isso dificilmente retardou o impulso por trás da Pressão Graduada. Em um memorando de planejamento de novembro de 1964, um alto planejador civil do Pentágono definiu o objetivo primário no Vietnã como a preservação da credibilidade americana e concluiu que era desnecessário vencer a guerra para alcançar esse objetivo. A América simplesmente tinha que "sangrar" e parecer ao mundo ter sido um "bom médico", que fez tudo o que pôde para um paciente terminal. Essa abordagem ignorou a incerteza da guerra e os resultados imprevisíveis de uma atividade que envolve matar e destruir. Para os norte-vietnamitas, ataques a sua população e o bombardeio de seu campo não eram simplesmente meios de comunicação ou um jogo de xadrez. Os resultados da campanha de bombardeio, como em qualquer ato de guerra, desafiavam a quantificação e criavam problemas - e emoções - para os quais cálculos friamente racionais não davam resposta adequada.

Embora termos como "comunicações" e "mensagens" tenham sido banidos do léxico dos assuntos militares americanos depois do Vietnã, a busca por balas mágicas - e uma negligência relacionada às dimensões humanas e intangíveis da guerra - persiste até hoje. Em particular, o conceito estratégico para a guerra futura que surgiu na década de 1990 tem uma notável semelhança com uma abordagem anterior, e repudiada, ao uso da força. Em seus aspectos essenciais, esse conceito ressuscita um conjunto de teorias testadas e consideradas inadequadas há quatro décadas.

Como um estudo de caso recente, a campanha "Shock and Awe" (Choque e Pavor, o pavor diante do poder de Deus), que abriu a guerra no Iraque, iluminou não apenas o horizonte de Bagdá, mas também uma visão de guerra que tem atormentado os profissionais de defesa americanos por gerações. A operação seria rápida, precisa e eficiente em seus meios, previsível em seu resultado. Explicando que o objetivo dos Estados Unidos era fazer guerra contra um regime e não contra uma nação, um alto funcionário americano resumiu o objetivo desejado no Iraque: "Seríamos capazes de trazer uma nova liderança, mas nós manteríamos o corpo no lugar".

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Bombardeio de precisão no Iraque em 2003, parte da campanha de "Choque e Pavor."

Mas o corpo - o Exército iraquiano e as instituições governamentais, os quais deveriam mudar de lado ansiosamente e intactas - se dissolveram (antes de serem completamente desmantelados) ou colapsaram, apresentando à coalizão liderada pelos americanos, em vez disso, com grupos de combatentes não-convencionais operando em um estado falido. A insurgência nascente que cresceria e se aglutinaria ao longo do tempo não obedecia a uma estratégia de decapitação. E a distinção entre regime e nação não era tão clara quanto os planejadores da guerra haviam assumido.
Longe de se reconstituir rapidamente e pacificamente, uma vez libertado do domínio tirânico, como as projeções lineares previam, o Estado iraquiano parecia estar à beira da fragmentação. Longe do que alguns acreditavam ser um entusiasmo por toda parte pela sua libertação, um elemento da população engajou-se em oposição armada. E longe de permitir que as forças dos EUA se retirassem rapidamente e partissem, como previam os defensores da "velocidade sobre a massa", a guerra tomou um rumo claramente não linear à medida que insurgências, milícias e organizações criminosas preenchiam o vácuo deixado pelo regime opressivo de Saddam Hussein. Na véspera da invasão, um alto funcionário do Pentágono previu: "Não posso dizer se o uso da força no Iraque hoje durará cinco dias, cinco semanas ou cinco meses, mas não durará mais do que isso. " Cinco anos depois, fica claro que o planejamento inicial da guerra não compreendeu bem a natureza do conflito, subestimando o inimigo e subestimando a dificuldade da missão.

Juntamente com a suposição de que o inimigo responderia à ação militar norte-americana de maneira razoavelmente previsível e razoável, os proponentes de conceitos como "Choque e Pavor" e "Operações Rápidas e Decisivas" acreditavam, como as crianças prodígio que os precederam, que a proeza tecnológica libertá-los-ia da lógica duradoura da guerra. Nos anos imediatamente anteriores aos ataques de 11 de setembro de 2001, o entusiasmo sobre uma "transformação da defesa" sintetizava o pensamento militar americano. Os defensores dessa transformação acreditavam que as capacidades de informação, comunicações, vigilância e ataque de precisão haviam gerado uma revolução nos assuntos militares que proporcionariam vitórias rápidas, baratas, eficientes e decisivas em guerras futuras. A linguagem da transformação da defesa foi excessivamente arrogante - As forças dos EUA gozariam de “full spectrum dominance” ("domínio de espectro total") sobre potenciais adversários, desde que mantivessem uma vantagem tecnológica. Mais uma vez, a fé na superioridade tecnológica americana elevou a capacidade militar ao nível da estratégia e, mais uma vez, o elemento humano se perdeu no entusiasmo pelo que parecia apresentar uma solução fácil e relativamente indolor para um problema complexo e difícil.

A convicção de que a tecnologia oferecia uma panaceia não só impedia os esforços dos EUA no Afeganistão e no Iraque, como também retardava a capacidade de adaptação, uma vez que a verdadeira natureza dessas guerras se tornava aparente. No final de setembro de 2004, quando a insurgência no Iraque estava se aglutinando e as forças americanas se preparavam para a Batalha de Fallujah, o secretário de defesa continuou afirmando que "velocidade, precisão e agilidade podem substituir massa,” reiterando que o plano de guerra foi projetado "para aproveitar a velocidade, precisão e agilidade que temos." Tais visões ajudam muito a explicar o descompasso entre fins e meios no Afeganistão e no Iraque, onde durante anos os EUA perseguiram metas ambiciosas com recursos inadequados (especialmente números de soldados e unidades comprometidas).

As decisões contra o desdobramento de forças da coalizão em número suficiente para garantir populações deixaram muitos comandantes sem outras opções além de adotar uma abordagem incursora para operações de contra-insurgência - uma abordagem que tendia a reforçar a percepção das forças da coalizão como agressoras e confundia sucessos táticos com medidas reais de eficácia estratégica. A força inadequada das tropas e a abordagem que impeliram criaram oportunidades para o inimigo. A insurgência iraquiana ganhou esse alívio devido, em parte, à crença de que a superioridade tecnológica dos Estados Unidos permitiria que uma pequena força americana atingiria efeitos desproporcionais ao seu tamanho, mesmo quando envolvida em uma guerra entre a população.

Embora a aplicação da tecnologia tenha contribuído significativamente para os sucessos operacionais no Iraque - como os esforços para caçar líderes terroristas (operações recentemente narradas e popularizadas por Bob Woodward) ou a capacidade de mirar células de bombas em estradas com tecnologia de vigilância - esses esforços táticos teriam alcançado apenas resultados limitados, não fossem eles combinados com segurança melhorada para a população iraquiana, o que ajudou a quebrar o ciclo de violência sectária, a gerar inteligência humana precisa, e a negar ao inimigo a capacidade de se esconder em plena vista. Depois que os líderes locais e tribais se sentiram seguros o suficiente para participar de sua própria segurança, eles provaram ser a proteção mais eficaz contra ataques inimigos e, junto com as Forças de Segurança iraquianas, os melhores garantidores da segurança. Em resumo, as capacidades tecnológicas contribuíram significativamente para a execução de uma estratégia sólida, mas não puderam compensar seu oposto.

Paradoxalmente, os conceitos associados à "Revolução nos Assuntos Militares" baseavam-se, em parte, no desejo de evitar outro Vietnã. Nos anos 90, a doutrina Weinberger-Powell de força avassaladora foi ofuscada pela certeza de que a superioridade tecnológica americana traria, em guerras futuras, o que se mostrou tão difícil no Vietnã - uma vitória rápida e decisiva. Se um adversário tivesse a temeridade de ameaçar os interesses de segurança nacional dos EUA, um exército transformado montaria "Operações Rápidas e Decisivas" que "chocariam e apavorariam" todo e qualquer inimigo. Os proponentes mais entusiastas desses conceitos argumentaram que os avanços tecnológicos americanos "bloqueariam" potenciais adversários do "mercado" de futuros conflitos. A "guerra centrada em redes" (“network centric warfare”) contava com as tecnologias de vigilância e informação para fornecer "domínio da informação" sobre todos os potenciais adversários.

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Força Delta no Iraque, exemplo máximo da visão de precisão na guerra.

Aplicadas ao Afeganistão e ao Iraque, essas ideias convidaram os americanos a aceitarem a ideia de que a vitória decisiva seria alcançada por um pequeno número de forças americanas apoiadas por tecnologia superior. Três anos após a invasão do Afeganistão e um ano após a invasão do Iraque, altos oficiais de defesa continuaram defendendo uma ideia "10-30-30" para a defesa nacional, sob a qual forças pequenas e leves seriam enviadas a um teatro distante em dez dias, derrotariam o inimigo dentro de trinta dias e depois preparariam-se para outra missão em outros trinta dias. Semelhante ao conceito de Pressão Graduada, conceitos como Operações Rápidas e Decisivas e o plano 10-30-30 associado eram em sua maioria baseados em visões de guerras que os funcionários da defesa gostariam de combater ao invés dos tipos de guerras que inimigos atuais e potenciais provavelmente forçariam sobre eles.

Assim como a premissa da Pressão Graduada de que ataques limitados alterariam o comportamento do inimigo, a crença de que a vigilância e a tecnologia da informação permitiriam operações rápidas e decisivas tornou-se um substituto da coerência estratégica, desconectando o planejamento de guerra dos objetivos políticos da guerra. O falecido Almirante Arthur Cebrowski e John Gartska escreveram em 1998: "Quando 50% de algo importante para o inimigo é destruído no início, a estratégia dele também é. Isso impede as guerras - que é o que a guerra centrada em redes significa." Mas isso entende as coisas exatamente ao contrário: a elevação das capacidades táticas ao nível da estratégia divorcia o emprego tático de forças de seus objetivos estratégicos.

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Tenente-Coronel David Galula.

Porque a contra-insurgência, por um lado, é fundamentalmente um problema político, a estrutura operacional que conecta táticas à estratégia deve ser um esquema político que direcione e integre toda uma série de iniciativas, ações e programas nas áreas de segurança, transição política, reforma do setor de segurança, reconstrução, desenvolvimento econômico, desenvolvimento das capacidades governamentais, diplomacia e o estado de direito. Como David Galula observou em seu livro de 1964, Counterinsurgency Warfare (Guerra de Contra-Insurgência, sem tradução para o português): "E tão complexa é a interação entre as ações políticas e militares que elas não podem ser separadas; ao contrário, todo movimento militar tem que ser ponderado em relação aos seus efeitos políticos e vice-versa." Em seu recente livro, Why Vietnam Matters (Porque o Vietnã Importa, sem tradução para o português), Rufus Phillips argumenta que o componente político e psicológico da estratégia americana estava faltando no Vietnã devido a uma falha em "reconhecer a natureza política última da guerra durante os anos críticos de 1963 a 1968." O mesmo pode ser dito das estratégias iniciais para as guerras no Afeganistão e no Iraque.

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Assim como as crianças prodígio de McNamara, os defensores da Revolução nos Assuntos Militares aplicaram analogias de negócios à guerra e tomaram emprestado pesadamente das disciplinas de economia e análise de sistemas. Tanto a Pressão Graduada quanto as Operações Rápidas e Decisivas prometiam eficiência na guerra; os planejadores poderiam determinar com precisão a quantidade de força necessária para alcançar os "efeitos" desejados. A Pressão Graduada aplicaria força suficiente para efetuar o "cálculo de interesses" do adversário. De acordo com os termos das Operações Rápidas e Decisivas, as forças americanas, baseadas em um "sistema de sistemas completo de compreensão do inimigo e do ambiente," atacariam os nós do sistema inimigo com uma quantidade de força calculada para gerar "efeitos cumulativos e em cascata."

Mas a experiência americana no Vietnã, no Afeganistão e no Iraque demonstrou que era impossível calibrar com precisão a quantidade de força necessária para prosseguir numa guerra. As dimensões humanas e psicológicas da guerra, juntamente com a fricção e a incerteza geradas quando as forças opostas se encontram, invariavelmente frustram até mesmo as tentativas mais elaboradas e bem consideradas para prever os efeitos de ações militares discretas. Contra-medidas inimigas, como dispersão, dissimulação, engano e mistura com a população civil limitam o alcance da vigilância e das capacidades de ataque de precisão. Outros fatores, como identidades culturais, tribais e políticas, aumentam a complexidade e influenciam o curso dos acontecimentos. A ênfase no planejamento e direcionamento das operações, portanto, deve estar na eficácia e não na eficiência*. A necessidade de se adaptar rapidamente a condições imprevistas significa que os comandantes precisarão de forças e recursos adicionais que possam ser comprometidos com pouca antecedência. Pois eficiência em todas as formas de guerra, incluindo contra-insurgência, significa quase não ganhar. E na guerra, quase não ganhar pode ser uma proposta perigosa.

*Nota do Tradutor: A eficiência é “fazer corretamente as coisas”, enquanto que a eficácia consiste em “fazer as coisas certas”.

Como observou o historiador Michael Howard, não importa quão claramente alguém pense, é impossível antecipar com precisão o caráter do conflito futuro. A chave não é estar tão longe da marca que se torna impossível ajustar-se uma vez que seu caráter seja revelado. Felizmente, os EUA e seus parceiros no Afeganistão e no Iraque continuam se recuperando de defeitos no planejamento inicial dessas campanhas, defeitos análogos aos que minaram os esforços americanos quando foram à guerra ao lado de seus aliados sul-vietnamitas em 1965.

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Nos últimos parágrafos de seu livro, A Better War (Uma Guerra Melhor, sem tradução para o português), Lewis Sorley relata uma história de dezembro de 1975, cerca de sete meses após a queda de Saigon. O novo Secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, estava fora do Pentágono. Operários aproveitaram a oportunidade para reformar o escritório do secretário. Ao fazê-lo, eles removeram um grande mapa de relevo do Sudeste Asiático que estava pendurado na parede durante grande parte da Guerra do Vietnã. Talvez, se o mapa ainda estivesse lá quando o secretário Rumsfeld voltasse ao Pentágono mais de trinta anos depois, poderia ter inspirado uma dose saudável de ceticismo sobre a ortodoxia mais recente, prevendo como as vantagens tecnológicas americanas tornariam a guerra rápida, eficiente e decisiva. Esse ceticismo, por sua vez, poderia ter gerado uma compreensão mais profunda da natureza dos conflitos nos quais os Estados Unidos e seus parceiros permanecem engajados hoje.

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H. R. McMaster era coronel do Exército dos Estados Unidos quando publicou esse artigo, no inverno de 2009, com o título original de The Human Element: When Gadgetry Becomes Strategy; publicado no site World Affairs Journal.

Ele é o autor do livro Dereliction of Duty: Lyndon Johnson, Robert McNamara, the Joint Chiefs of Staff, and the Lies that Led to Vietnam (Negligência do Dever: Lyndon Johnson, Robert McNamara, o Estado-Maior Conjunto e as mentiras que levaram ao Vietnã, sem tradução para o português).

O General McMaster é veterano da Guerra do Golfo (1991) e é, desde 20 de fevereiro de 2017, o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos (Assistente do Presidente para Assuntos de Segurança Nacional, APNSA), na Casa Branca.

Essa tradução foi publicada pelo site Warfare Blog em 25 de agosto de 2019: https://www.warfareblog.com.br/2019/08/ ... as-se.html




Editado pela última vez por FilipeREP em Sáb Mar 14, 2020 7:36 pm, em um total de 2 vezes.
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O exército que não conseguia atirar direito

#5 Mensagem por FilipeREP » Qui Nov 14, 2019 6:56 pm

Resenha do do livro “An Army at Dawn: The War in North Africa 1942-43” por R. A Forczyk, 4 de 5 estrelas, 26 de dezembro de 2002.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 8 de agosto de 2019.

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Em An Army at Dawn, o autor premiado com o Pulitzer, Rick Atkinson, cobre a campanha norte-africana desde os desembarques da Operação Tocha em novembro de 1942 até o colapso final do Eixo na Tunísia em maio de 1943.Atkinson combina pesquisa meticulosa com um bom estilo de escrita para produzir facilmente o relato mais legível sobre esta campanha muitas vezes negligenciada. A principal conclusão do autor é que essa campanha marcou "... uma mudança sutil no equilíbrio de poder dentro da aliança anglo-americana; os Estados Unidos era dominante agora, em virtude do poder e do peso..." No entanto, esta conclusão não é suportada pela narrativa do autor. Os aliados sofreram mais de 75.000 baixas na campanha da Tunísia, dos quais 50% eram da Commonwealth, 26% eram franceses e 24% eram americanos. Além disso, o desempenho inicial de combate do Exército dos EUA não foi impressionante, e Truscott, um dos melhores comandantes americanos da guerra, classificou a campanha norte-africana de "um desempenho medíocre".

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Atkinson mostra como a campanha do Norte da África emergiu como uma exigência ad hoc, baseada principalmente em considerações políticas e atirada em sete semanas. O plano da TORCH previa uma ocupação conjunta anglo-americana da Argélia Francesa de Vichy e do Marrocos, esperançosamente sem resistência. De imediato, a TORCH demonstrou a falta de preparo deste Exército Americano e de seus líderes para a guerra. Os franceses de Vichy resistiram por três dias e mataram 526 americanos. Tentativas de tomar os portos de Oran e de Argel terminaram como desastres; os franceses abriram fogo e praticamente aniquilaram os dois batalhões americanos nessas operações. Felizmente, a vontade de lutar dos franceses de Vichy desmoronou após três dias e o resto da TORCH se tornou uma ocupação sem oposição. Atkinson escreve: "A verdade é que um Exército inexperiente e desajeitado havia chegado ao norte da África com pouca noção de como agir como uma potência mundial. O equilíbrio da campanha - na verdade, o equilíbrio da guerra - exigiria aprender não apenas como lutar, mas como governar."

Antes que o exército americano tivesse muita chance de avaliar seu desempenho na Argélia e no Marrocos, Eisenhower ordenou que as forças aliadas ocupassem a Tunísia. No entanto, a resposta alemã à TORCH foi surpreendente; eles apressaram paraquedistas e tanques rapidamente para a Tunísia. Os aliados demoraram para ser mover para a Tunísia e as forças que eles movimentaram foram prejudicadas pelo fato de que "poucas ações foram tomadas após os desembarques iniciais, e apenas trabalho superficial de estado-maio estava disponível no terreno, logística e apoio aéreo na Tunísia." O resultado foi um rastejo tépido na Tunísia, em vez de uma investida ousada e - não pela última vez na guerra - a improvisação brilhante permitiu que os alemães frustrassem o plano dos Aliados. Atkinson coloca grande parte da culpa pelo fracasso em Eisenhower; "Na verdade, ele passou pelo menos três quartos do seu tempo se preocupando com questões políticas, e essa pré-ocupação serviu mal à causa aliada. Se ele tivesse deixado de lado todas as distrações para se concentrar em tomar Túnis com o propósito fixo de um capitão de combate, os próximos meses poderiam ter sido diferentes."

Em vez de terminar a campanha cedo, os Aliados tiveram que se contentar com uma batalha de atrito de seis meses. De fato, os alemães foram capazes de ganhar temporariamente a iniciativa e infligiram uma série de surras nas forças anglo-americanas em lugares como Tebourba, Medjez, Longstop Hill, Faid Pass e Sidi Bou Zid. Os resultados foram chocantes. Os tanques norte-americanos atacaram continuamente em plena luz do dia em campo aberto e foram massacrados por eficientes artilheiros antitanques alemães. Em Sidi Bou Zid, a 2-1 Armor Battalion (2ª Companhia do 1º Batalhão Blindado) atacou com música tocando nos alto-falantes e perdeu todos os 52 tanques. O Exército dos EUA na Tunísia lutou com uma série de desvantagens: sob comando britânico, com unidades comprometidas por partes, empregando doutrina defeituosa com armas inadequadas. O Exército dos EUA lutou 13 grandes engajamentos no norte da África e teve apenas uma vitória clara: a Batalha de El Guettar.

O relato de Atkinson não agradará aos leitores que preferem a hagiografia do tipo "Band of Brothers"; havia vilões e heróis na chamada "Grande Geração". Atkinson observa que "atirar em árabes tornou-se um esporte em algumas unidades..." e houve "casos contínuos de estupro nas áreas avançadas contra mulheres árabes". Tropas americanas bêbadas aterrorizaram algumas aldeias e as taxas de DST na Tunísia foram extremamente altas. A liderança americana na Tunísia também estava gravemente em falta, particularmente Fredendall, o primeiro comandante do II Corpo. Embora avaliado por George C. Marshall como "um treinador capaz", Fredendall revelou-se um incompetente e covarde moral. Após o desastre de Kasserine, Patton substituiu Fredendall, que Atkinson vê como uma benção mista. Os fãs de Patton podem ficar desanimados com a avaliação de Atkinson de que "por todo o melodrama de Patton, sua influência no espírito e na disciplina do II Corpo era marginal". Além disso, o plano tático de Patton no segundo engajamento de El Guettar, no final de abril de 1943, foi "muito falho" e resultou em mais de 3.000 baixas em menos de uma semana.

Houve alguns pontos positivos no estado deplorável do Exército dos EUA na campanha norte-africana. Atkinson observa que a Artilharia de Campo teve um bom desempenho, assim como os Rangers. Atkinson observa que a incursão dos blindados americanos no aeródromo de Djedeïda, em novembro de 1942, destruiu 37 aviões alemães - provavelmente o único grande sucesso de combate para o diminuto tanque Stuart na Segunda Guerra Mundial. Os americanos também desfrutaram de uma vantagem na inteligência de comunicações.

Atkinson falha em argumentar que a participação dos EUA na campanha tunisiana afetou o equilíbrio relativo de poder na aliança anglo-americana. De fato, sua narrativa demonstra que os americanos eram os parceiros menores na Tunísia, com a maior parte das tropas vindas dos exércitos da Commonwealth e da França. Outros fatores, como o Lend Lease (Empréstimo e Arrendamento) e a participação americana na Batalha do Atlântico, tiveram muito mais impacto sobre a natureza da aliança do que um desdobramento terrestre simbólico. Será que Atkinson realmente acredita que, se nenhuma tropa americana tivesse lutado na Tunísia, isso teria alterado muito a posição dos EUA no mundo? No entanto, o relato de Atkinson é certamente a narrativa mais completa e interessante disponível sobre a campanha norte-africana de 1942-1943.

Original: https://www.amazon.com/gp/customer-revi ... 0805062882




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Patton na lama de Argonne

#6 Mensagem por FilipeREP » Qui Nov 14, 2019 7:08 pm

Por Camille Harlé Vargas, 18 de março de 2019.
Tradução Filipe A. Monteiro, 08 de agosto de 2019.

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Tenente-Coronel George S. Patton em frente a um Renault FT-17 no centro de treinamento de blindados em Bourg, 15 de julho de 1918.

O General Patton é conhecido por suas ações de combate durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente depois de desembarcar na Normandia à frente do 3º Exército dos EUA. Antes disso, ele já havia demonstrado durante a Grande Guerra suas habilidades de luta e sua lendária ousadia.

Patton chega à França

Quando os EUA entraram na guerra em 6 de abril de 1917, o presidente Wilson nomeou o General Pershing como comandante-em-chefe da AEF; O capitão Patton, que era então seu assistente pessoal no seio do seu estado-maior, o acompanhou e desembarcou na França em 28 de maio de 1917. Depois de um tempo passado no QG da AEF em Chaumont, o fervente Patton suporta cada vez menos sua função com papelada no estado-maior e desenvolve um certo fascínio pelos carros de assalto, cujo potencial na guerra moderna agrada o caráter impetuoso do futuro general. As altas autoridades militares americanas estimam que os EUA devem ter um "tank corps" e Pershing confia sua constituição ao coronel Rockenbach. Patton, em seguida, conseguiu ser atribuído neste novo corpo, onde foi encarregado da criação de um centro de treinamento em Bourg (perto de Langres). Patton, muito entusiasmado e zeloso, foi rapidamente promovido a tenente-coronel com apenas 32 anos. Depois de ter seguido um treinamento acelerado dado pelos franceses para saber tudo sobre o novo carro leve Renault FT-17, ele foi nomeado para o comando da 1ª brigada de carros americana. Ele segue os cursos de Champlieu no Oise, visita as fábricas que produzem os carros Renault.

À frente de uma unidade blindada

Seu batismo de fogo ocorreu em setembro de 1918, quando a brigada, composta dos 344º e 345º batalhões de carros, se dedicava à redução do saliente de Saint-Mihiel. Mas é durante a ofensiva de Meuse-Argonne, conduzida pelo 1º Exército americano em direção a Sedan, que o futuro general se distingue particularmente.

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Carro Saint-Chamond

Na manhã de 26 de setembro de 1918 (dia do lançamento da ofensiva), Patton, violando as ordens, deixa seu PC para ver como são engajados seus carros no terreno; estes últimos apóiam então o ataque da 35º DI americana em Cheppy. Ele encontra o 138º RI (35º DI) em apuros ao sul de Cheppy, seu ataque totalmente encalhado pela tenaz resistência dos batalhões da guarda alemã. Os pequenos carros Renault da Companhia B do 345º Batalhão, para apoiar o ataque, são então completamente colados ao solo devastado pelos tiros da artilharia. Dois carros pesados franceses Saint-Chamond se juntam ao ataque, mas também se atolam em uma trincheira alemã. Patton, usando seu caráter execrável, reúne as tripulações e alguns elementos da infantaria para desencalhar os veículos e relançar o ataque para o sudoeste de Cheppy; ele pessoalmente assume o comando de um ataque visando reduzir um ninho de metralhadoras bloqueando o avanço da infantaria na estrada Cheppy-Varennes. Expondo-se imprudentemente para despertar o ardor da tropa e estimular sua combatividade, ele proclama sobre seu inimigo “Que vão pro inferno! Eles não podem me pegar!”, ele é quase imediatamente baleado na coxa. Ele é resgatado pelo soldado de primeira classe Joe Angelo, distinguido pela DSC por este ato, e então Patton continua a ordenar seus homens de um buraco de obus antes de ser evacuado uma hora depois.

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Joe Angelo

O ataque criou uma cuia nas linhas alemãs entre Cheppy e Varennes, enquanto outras duas companhias de carros leves do 345º Batalhão contornaram o sólido ponto de apoio de Cheppy pelo leste, forçando os alemães a recuarem. Patton, gravemente ferido, foi levado para o centro de socorro de Neuvilly-en-Argonne, depois de apresentar seu relatório ao QG. Após sua convalescença, ele retorna à frente em 28 de outubro, mas sem participar dos combates.

Esta ação lhe rendeu a atribuição da Distinguished Service Cross (Cruz de Serviços Distintos, a segunda maior condecoração americana), insuficiente aos seus olhos, ele teria, de acordo com sua lendária modéstia, dito que tal ação valia uma Medal of Honor (Medalha de Honra). Ao mesmo tempo, ele é promovido ao posto de coronel.

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Depois da guerra

De volta aos Estados Unidos, ele foi transferido para o Fort Meade, Maryland, para trabalhar no desenvolvimento de uma arma blindada. Pouco tempo depois, Patton encontra Eisenhower, que lhe será uma ajuda preciosa em seu projeto de concepção de uma unidade mecanizada.

Camille Harlé Vargas
——————————-
Fontes:
PATTON and his third army. http://www.pattonthirdarmy.com/pattonww ... 6TFtWgcQCo
The AEF in the great War, Meuse Argonne 1918: breaking de line, Maarten Otte. https://pt.scribd.com/book/376783799/Am ... gWOaY4udSs

Características do carro Saint-Chamond:
- 1 canhão de 75mm abastecido de 106 obuses, 4 metralhadoras
- Hotchkiss Mle 1914 de 8mm (7488 cartuchos).
- Comprimento: 8,83 m. Largura: 2,67 m, Altura: 2,365m. Peso: 24t
- Blindagem : de 17 à 11mm
- Tripulação: 9 homens; chefe de carro, chefe de peça, 2 artilheiros, 4 metralhadores, mecânico
- Motor : Panhard 4 cilindros sem sans válvulas de 90cv à 1450t/m
- Autonomia: 6 à 8 horas
- Velocidade: 4km/h em todo-terreno
- 400 exemplares construídos aproximadamente.

Características técnicas do carro Renault FT-17:
- Fabricante: Renault (1850), Berliet (800), SOMUA (600), Delauney-Belleville (280)
- Período de produção: 1917 – 1920
- Tipo: Carro leve
- Tripulação: 2 hommes
- Comprimento (m): 4,95 m
- Largura (m): 1,74 m
- Altura (m): 2,14 m
- Peso em ordem de combate: 6 700 kg
- Blindagem máxima: 22mm
- Equipemento de rádio: nenhum.
- Armamento
- Armamento principal: 1 metralhadora Hotchkiss de 8mm ou 1 canhão de 37mm SA18
- Rotação (graus): 360°
- Elevação (graus): + 35° – 20°
- Mobilidade
- Motor: Renault
- Tipe & Deslocamento: 4cyl 4,48l
- Potência (máx.): 35cv
- Relação peso/potência: 5cv/t
- Caixa de velocidades: 4 velocidades
- Combustível: Gasolina
- Autonomia: 35km
- Consumo: 30 litros/100km
- Capacidade de combustível: 100 litros
- Velocidade sobre estrada: 7,5 km/h
- Lagartas: 32 sapatas
- Largura da lagarta: 0,34m
- Distância do solo (m): 0,43m
- Inclinação: 10°
- Obstáculo vertical: 0,60m
- Passagem à vau: 0,70m
- Travessia: 1,35m

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Camille Herlé Vargas

Autora e especialista aa história de conflitos e da memória do século XX. Encarregada da missão no ONAC-VG do Marne como parte do Centenário da Grande Guerra (programa educacional, mediação e implementação de projetos). Envolvida na vida da comunidade para divulgar ao público a história e os locais da Primeira Guerra Mundial (Main de Massiges). Em colaboração com historiadores para a redação de artigos e livros sobre as duas guerras mundiais.

Original: https://theatrum-belli.com/patton-dans- ... -largonne/




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O impacto decisivo da inteligência militar francesa na ofensiva alemã de Marneschutz-Reims

#7 Mensagem por FilipeREP » Qui Nov 14, 2019 7:22 pm

Por David Retherford e Richard Willis, do site Strategy Bridge, 29 de julho de 2019.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 06 de agosto de 2019.

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15 de julho de 1918 viu o início da quinta e última ofensiva alemã da Primeira Guerra Mundial. Naquele dia, os alemães lançaram a fase de abertura da Segunda Batalha do Marne, com o codinome de Operação Marneschutz-Reims, mudando todo o ímpeto da guerra das Potências Centrais para a Entente. Um dos principais fatores que contribuíram para essa mudança foi a inteligência tática de combate. [1] Este artigo analisa o processo de análise e disseminação dessa inteligência. [2] A educação militar profissional (PME) ou os leitores especializados encontrarão essa batalha e a subsequente mudança de de ímpeto interessantes e leitores comuns serão igualmente envolvidos por uma narrativa orientada pela inteligência.[3]

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Ludendorff em seus estudos no Quartel-General do Exército. (Arquivos Federais Alemães/Wikimedia)

Em meados de 1918, os alemães estavam procurando um golpe decisivo pelo qual a Entente seria forçada a buscar a paz. [4] O Primeiro Intendente-Geral Erich Ludendorff detalhou o ataque em 14 de junho: o Sétimo Exército atacaria a área do rio Marne (o elemento de defesa Marne) em torno de Mery, enquanto o Primeiro Exército atacaria a leste de Reims, com 10 de julho destinado a um ataque ao longo de uma frente de setenta e quatro milhas (113km). [5] O ataque foi planejado como uma distração, com o alvo principal em outro ataque mais ao norte, no Flandres, planejado para o início de agosto - Operação Hagen. O objetivo era atravessar o Marne e enganar os aliados a acreditarem que o alvo era Paris, para que os franceses e britânicos precipitassem suas reservas para proteger a capital francesa, causando pânico entre a população francesa.

Um mês de preparação proporcionou a oportunidade de completar planos meticulosos, mas também teve dois efeitos colaterais infelizes. Primeiro, o planejamento estendido permitiu que Ludendorff estendesse o escopo original em uma operação maior, exigindo significativamente mais mão-de-obra. Segundo, os eventos no terreno significavam que logo após os planos serem elaborados, eles tiveram de ser descartados e redesenhados. Embora parte integrante da guerra, era perceptível que muitas divisões foram ordenadas a se mover para novos locais, apenas para que essas ordens fossem mudadas e às vezes mudadas novamente - muitas vezes depois de terem começado o movimento - causando perturbação, atraso e frustração nas tropas envolvidas.

A inteligência militar desempenhou um papel fundamental no apoio ao planejamento da ofensiva e foi responsabilidade do Departamento Abteilung IIIb, reportando-se ao Oberste Heeresleitung, Comando Supremo do Exército alemão. A culpa pelo fracasso da ofensiva pode ser rastreada até falhas sistêmicas e operacionais evidentes dentro do Abteilung IIIb, enquanto a disciplina ruim do exército e o acaso também desempenharam um papel. Embora o Deuxième Bureau, a Inteligência Militar francesa, usasse as mesmas fontes e tipos de informações disponíveis a todos os beligerantes - interrogatórios de prisioneiros, reconhecimento aéreo, observação visual, documentos capturados e espionagem -, ele demonstrou uma capacidade superior de interpretar a inteligência resultante em comparação ao Abteilung IIIb.[6]

As quatro ofensivas anteriores seguiram um padrão similar de ataque. Os alemães usaram surpresa tática com três componentes principais: lugar, tempo e peso. [7] Com base nessa experiência, o Alto Comando francês acreditava que sabia o que esperar quando o ataque começou. Mas a chave seria obter informações sobre a localização exata e, tão importante quanto, a data do ataque. Entender a força e o tamanho da força de ataque também ajudaria a determinar os requisitos de qualquer resposta defensiva.

Ao contrário dos alemães, que estavam obcecados em saber qual divisão da Entente em frente às posições alemãs, os franceses não estavam particularmente interessados nesse nível de detalhe. Os franceses se basearam em ofensivas anteriores de que a maioria das tropas de choque alemãs chegou à linha de frente no último minuto - precisamente antes do ataque -, tornando a identificação prévia das unidades na linha um exercício inútil. Era, portanto, importante que os franceses levassem a coleta de informações para áreas remotas usando reconhecimento aéreo distante para identificar movimentos mais gerais de tropas e suprimentos.

Apesar de ser expressamente proibido por Ludendorff, em 30 de junho um oficial pioneiro alemão nadou até a margem sul do Marne e foi devidamente capturado. [8] Esta foi a descoberta de inteligência que o Deuxième Bureau procurava. O interrogatório do oficial pioneiro revelou a localização exata da próxima ofensiva alemã e uma data aproximada no início de julho. Isso foi então confirmado por espiões franceses baseados em Madri - na Espanha neutra - como provavelmente no dia 4 de julho. No entanto, nenhum ataque ocorreu naquela data e o Deuxième Bureau ordenou ao Quarto Exército que redobrasse seus esforços e enviasse mais grupos incursores para capturar documentos e prisioneiros.

Os franceses ordenaram que todas as divisões ao longo da frente de 50 quilômetros ocupada pelo Quarto Exército francês participassem de incursões para capturar soldados alemães, especialmente oficiais, com o objetivo de obter informações sobre o que sabiam sobre a planejada ofensiva alemã. Um estudo do Sexto Exército francês divulgado no dia 4 de julho indicou que um ataque estava agendado para o dia 9 entre Reims e Château-Thierry.[9] Isso incluía o conhecimento das florestas nas quais as tropas já estavam se reunindo e um aumento notável no tráfego de aeronaves e veículos na área. Treze prisioneiros capturados em 5 e 6 de julho na área a leste de Suippe apresentaram mais evidências de que um ataque era iminente.[10] Apesar de repassar livremente os detalhes do ataque às autoridades francesas, todos os prisioneiros forneceram uma história notavelmente consistente, o que despertou a suspeita do Deuxième Bureau. Mas a história também continha elementos de fato, os quais o Deuxième Bureau conseguiu reunir, indicando a localização geográfica do ataque como sendo Reims. Um dia depois, três prisioneiros franceses fugidos escaparam de volta para as linhas francesas - todos confirmaram um ataque alemão iminente. Pouco a pouco, o Deuxième Bureau eliminou as opções e reduziu a localização provável do ataque, melhorando as chances de interceptar o avanço.

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Prisioneiros alemães sendo guardados por tropas australianas, 23 de abril de 1918. (Museu Imperial de Guerra/Wikimedia)

Em 10 de julho, o Deuxième Bureau estava confiante o suficiente para publicar um relatório de inteligência afirmando que um ataque alemão de 28 divisões atravessaria o Marne por volta do dia 14 entre Jaulgonne-Vrigny, na direção de Epernay. Simultaneamente, haveria um ataque de 16 divisões na frente Suippe-Main de Massiges na direção de Châlons e um terceiro ataque na frente Pompelle-Suippe por 14 divisões.[11] Isto foi confirmado por novas capturas de prisioneiros, revelando que a ofensiva recebeu o codinome Friedensturm (a Ofensiva da Paz) e o ataque seria em uma frente de 150 quilômetros a oeste e leste de Reims, enquanto a cidade em si não seria atacada frontalmente.[12] Uma série de explosões violentas em depósitos de munição entre 7 e 11 de julho foi mais uma prova de que munição adicional havia sido trazida para perto da primeira linha e já estava em posição. Um grande número de Minenwerfers com copiosos suprimentos de munição nas proximidades foram localizados em K2 e K3, a segunda e terceira trincheiras de combate, juntamente com um número extremamente grande de metralhadoras logo ao norte do rio.[13] Um relatório de interrogatório datado de 12 de julho explicou que os soldados foram capturados com uma reserva de comida de três ou quatro dias. O que a princípio poderia parecer banal era, na verdade, uma forte indicação da data iminente do ataque. Além disso, 14 de julho foi o Dia da Bastilha, um feriado nacional francês, e isso foi considerado significativo por causa da chance de que a população francesa pudesse temporariamente baixar a guarda enquanto comemorava.

Uma incursão executada por quatro oficiais e 170 homens do 366º RI francês sob o comando do tenente Balestie às 19:55 de 14 de julho capturou 27 prisioneiros das 73ª e 19ª Divisões de Reserva e dos 7º e 11º Batalhões de Minenwerfers.[14] Entre os documentos capturados, havia um mapa do sistema completo dos Minenwerfers, incluindo direções de disparos e objetivos. Mas foi um comportamento acidental de um prisioneiro alemão capturado que finalmente entregou o jogo. Um oficial e 19 homens da 19ª Divisão de Reserva alemã foram capturados no setor do Quarto Exército francês às 21:30 do dia 14 e insistiram em ter suas máscaras de gás urgentemente devolvidas a eles.[15] Suspeitoso, o guarda perguntou por que os alemães exigiam suas máscaras de gás. Percebendo que ele havia revelado involuntariamente que um ataque alemão era iminente e que envolveria gás, o prisioneiro admitiu que um ataque começaria com uma preparação de artilharia envolvendo grandes quantidades de gás à meia-noite por quatro horas, seguido de um assalto de infantaria protegido por um barragem rolante.[16] Esta peça final do quebra-cabeça foi urgentemente comunicada à cadeia de comando, dando aos franceses tempo suficiente para organizar seu próprio ataque de artilharia. Às 23:45 isto foi passado pelo XXXVIII Corpo francês para a 3ª Divisão norte-americana na linha de frente a leste de Château-Thierry.[17] Às 23:50, apenas dez minutos antes do início da planejada ofensiva alemã, a artilharia pré-arranjada abriu fogo sobre pontos de reunião conhecidos, amontoados de soldados prontos para subir as trincheiras e fogo de contra-bateria sobre posições da artilharia alemã, causando baixas generalizadas e explosões em vários depósitos de munição.

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Soldados alemães avançando passam por uma posição francesa conquistada, entre Loivre e Brimont, departamento do Marne, 1918. (Wikimedia)

O martelo alemão caiu à meia-noite de 15 de julho de 1918, com unidades conseguindo cruzar o Marne mais tarde naquela manhã. O ímpeto tinha estado com os alemães depois de cada ofensiva, mas desta vez os Aliados não só resistiram à barragem, mas, graças a um sistema de defesa em profundidade mais eficaz, foram capazes de quebrar o ataque e reduzir a sua eficácia. O ataque durou mais três dias, mas mesmo no dia 16 Ludendorff admitiu a derrota e emitiu ordens para suspender a ofensiva ao sul do rio e continuá-la apenas nas proximidades de Reims. De acordo com o historiador Jonathan Boff, “quando Marneschutz-Reims começou em 15 de julho, ela não ocorreu de forma alguma [de todo] com o planejado”.[18] Além disso, o historiador David Zabecki afirmou que um dos fracassos críticos da ofensiva alemã de 15 de julho foi a falta de surpresa.[19] A batalha é geralmente reconhecida como sendo o ponto de virada da guerra, sinalizando o fim da capacidade militar alemã de realizar operações ofensivas. Três dias depois, os aliados lançaram sua contra-ofensiva e, daquele dia até o armistício, o ímpeto passou das Potências Centrais para a Entente. O chanceler alemão, von Hertling disse mais tarde, “Nós esperávamos eventos graves em Paris para o final de julho. Isso foi no dia 15. No dia 18, até os mais otimistas entre nós entenderam que tudo estava perdido. A história do mundo foi esgotada em três dias.”[20]

Conclusão
Embora seja verdade que a inteligência de combate não disparou nenhuma granada de artilharia nem desmantelou nenhum ataque de infantaria, ela colocou informações oportunas e acionáveis nas mãos dos tomadores de decisão franceses. Mas não foi só porque o plano alemão falhou em ser levado a cabo adequadamente ou que os elementos do plano eram claramente fundamentalmente falhos. O fracasso teve tanto a ver com o fato do plano ter sido descoberto pelo Deuxième Bureau, permitindo a preempção da Entente, como teve com quaisquer limitações na execução alemã desse plano.

David Retherford é graduado pela University of Florida e possui mestrado pela Birmingham University. David está atualmente trabalhando em um segundo mestrado com foco em pesquisa sobre coleta de inteligência americana durante a Primeira Guerra Mundial.

Richard Willis é PhD em Estratégia e Mudança de Organização pela University of Newcastle e é graduado pela University of Aberdeen. Richard está atualmente trabalhando em uma monografia da AEF e BEF lutando com o Décimo Exército francês durante a Segunda Batalha do Marne.

Original: https://thestrategybridge.org/the-bridg ... -1WRqT2UXc

Warfare Blog: https://www.warfareblog.com.br/2020/01/ ... encia.html

Notas:
[1] Heymont, Irving. Combat Intelligence in Modern Warfare. (Harrisburg: Military Service Division The Stackpole Company, 1960). p6.
[2] Heymont, Irving. p6.
[3] Neiberg, Michael. The Second Battle of the Marne. (Bloomington: Indiana University Press, 2008). p 131.
[4] Neiberg, Michael. p77.
[5] United States. General Service Schools, and Conrad Hammons Lanza. The German Offensive of July 15, 1918 (Marne Source Book). Fort Leavenworth, Kan.: The General Service Schools Press, 1923. p.11-12; Zabecki, (2004), p.460.
[6] Gauché, Capitaine (1924), ‘La recherche du renseignement avant la bataille du 15 juillet 1918,’ La Revue d’infanterie, December, p.831.
[7] Falls, Cyril. The Great War. (New York: G.P. Putnam's Sons, 1959). p349.
[8] Ludendorff, Eric (1919) A história do próprio Ludendorff, de agosto de 1914 a novembro de 1918; a Grande Guerra desde o cerco de Liège até a assinatura do armistício visto do grande quartel-general do Exército Alemão, p.308.
[9] Marne Sourcebook. p.383.
[10] Gauché, p.813.
[11] Note 2e bureau / GQG n ° 9056 », citée au SHD / GR et au 16 nº 917:« Relevé chronologique et analyse succincte des principaux ordres, instructions, directives et études concernant la recherche et le traitement des renseignements personnels au cours de la campagne », GQG / 2e bureau, 17 juillet 1919
[12] Marne Sourcebook, p.298. Gauché, p.814.
[13] Gauché, p.827
[14] Revue Militaire Francaise (1923) Un coup de main historique exécuté par la 132e DI le 14 Juillet 1918.
[15] Lahaie, Olivier (2014) LES INTERROGATOIRES DE PRISONNIERS ALLEMANDS PAR LES SERVICES DE RENSEIGNEMENTS FRANÇAIS (1914-1918)
[16] This was 01:00 German time.
[17] Marne Sourcebook, p.645
[18] Boff, Jonathan. Haig’s Enemy. (Oxford: Oxford University Press, 2018). p231
[19] Zabeki, David. The German 1918 Offensives. (New York: Routledge, 2006). p.254,p.271,p.273
[20] Von Hertling citado em Pershing John J My experiences in the World War. Volume II 1931, p.472.




Editado pela última vez por FilipeREP em Sáb Mar 14, 2020 7:37 pm, em um total de 2 vezes.
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O Legionário romano, este atleta desconhecido

#8 Mensagem por FilipeREP » Qui Nov 21, 2019 5:24 pm

Do site Theatrum-Belli, 25 de abril de 2019.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 22 de julho de 2019.

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Centurião Lucius Vorenus, série Roma.

Pela força de seus exércitos, Roma havia conquistado um vasto império cujos limites se estendiam por toda a bacia mediterrânea. Neste período da história, onde o destino das batalhas era decidido por meio do combate corpo-a-corpo, o soldado romano pôde mostrar sua superioridade sobre seus oponentes graças a uma preparação intensiva com o objetivo de desenvolver suas qualidades físicas, táticas e psicológicas. A preparação de atletas modernos parece pouco diferente em princípio daquele dos lutadores da antiguidade (1), e os dados atuais da fisiologia podem explicar as regras empíricas que foram estabelecidas naquela época para guiar a vida cotidiana do legionário romano.

O retrato típico do legionário romano


Após a reforma de Marius (107 a.C.), o sistema de serviço obrigatório foi substituído pelo alistamento voluntário. O exército havia se tornado uma profissão paga por um soldo, amputado é verdade pelo custo da comida, roupas e equipamentos fornecidos pelo Estado, mas aumentada pelo butim tirado do inimigo. O engajamento foi aberto a cidadãos de 18 a 21 anos, excepcionalmente 30 anos em tempos de crise (2), na condição de que não se tenha observado uma vida muito descontrolada sobre o plano moral e físico, de apresentar uma boa conformação geral, uma boa saúde, uma boa visão e se aproximar do tamanho ideal de 1,78 metros (3). De fato, uma altura elevada não era uma necessidade absoluta (4). Cumpridos estes critérios, o jovem engajado, tendo pronunciado o “sacramentum” que o ligava aos seus líderes e a Roma, pôde entrar no exército para uma carreira de vinte anos.

Com um armamento defensivo que consistia em armadura, capacete e escudo e de um armamento ofensivo compreendendo espada, adaga e lança, o legionário também carregava sua bagagem (sarcinae) representado por suas provisões de boca – do trigo em particular – utensílios de cozinha, tais como a panela-marmita, o espeto, do material de abate e equipamentos de terraplenagem:machado, serra, pá, todo o conjunto pesando junto com o armamento, segundo os autores, entre 35 e 45kg (5). Daí o nome de mula de Mário que havia sido dado a esses soldados durante a campanha contra os cimbros e os teutões na Provença (102 a.C.). Para conseguir andar com tal fardo, ficou claro que os candidatos tinham um treinamento rigoroso que desenvolvia não apenas a destreza, mas também a resistência e o vigor. César aumentou a velocidade de suas tropas reduzindo a carga transportada para vinte quilos, o que lhe permitiu escolher com mais frequência os campos de confrontação (6-7).

As atividades do legionário

O legionário primeiro aprendia a marchar longas distâncias. A cada dez dias ele efetuava um teste de marcha de trinta quilômetros com equipamentos de campanha. Ele também praticava exercícios atléticos como correr, saltar, arremessar dardos ou simplesmente pedras, além de outras atividades como a luta, a natação e até equitação (8). Para a preparação de combate, o recém engajado se dedicava duas vezes por dia ao manejo das armas com um escudo de vime e uma espada de madeira. Ele também arremessava dardos pesados. Finalmente integrado em um grupo de combate, ele se exercitava para lutar com armas estampadas. Mais tarde, ele aprendia o uso de máquinas de guerra e as manobras táticas da legião.

Com ou sem bagagem, o legionário percorria distâncias consideráveis para monitorar o território e as fronteiras do Império. Dois passos de marcha foram adotados: o passo curto e o passo longo, mais rápido, destinados aos percursos feitos nas estradas. O legionário normalmente viajaria cerca de 25km por dia, mas ele poderia percorrer, durante as marchas forçadas, distâncias notavelmente superiores. Podemos notar as 25 milhas, sendo 37km, constantemente cruzadas pelas legiões de Crasso, os 45km que faria o exército de César na terra dos suessiões ou ainda a grande marche de 74 km, realizada sem bagagem em 24 horas, com um descanso de 3 horas (9-10). No final do percurso, restava ainda aos legionários estabelecer o entrincheiramento do acampamento provisório ou acampamento de marcha, para passar a noite, com a escavação de valas e construção de paliçadas, trabalho para o qual devem ser adicionadas as várias tarefas (água, madeira, cozinha etc.) específica para qualquer exército em campanha.

A guerra, função principal do legionário para "garantir a proteção dos cidadãos romanos, terras aráveis e, o que não é o menos importante para a mentalidade dos antigos, o templo"(11). Se ele está sitiando ou lutando em campo aberto, a força física do legionário era constantemente solicitada.

Desde o início do cerco, o exército isolaria o inimigo com uma parede dobrada por uma vala (circunvalação) para evitar qualquer contra-ataque eficaz. Então o exército preparava o ataque construindo uma torre de madeira (turris), mais alta que a muralha da cidade sitiada (12), equipada com engenhos balísticos. Esta torre era então levada para perto do cercado graças à construção de um terraço (agger). Outras manobras eram planejadas no momento do assalto, manobras das catapultas, balistas, do aríete (aries), da tartaruga, etc. Quando a cidade sitiada era forçada, começavam então combates corpo-a-corpo.

Estando fora da guerra, os legionários construíam estradas, pontes e até cidades (Timgad). Essas atividades não eram apenas de interesse econômico, elas tinham a vantagem de melhorar as condições físicas e, em particular, de aumentar a força muscular "em virtude do princípio de que o manejo da pedra fortalece o corpo" (13). O canal Fos foi escavado pelas tropas de Marius, provavelmente para facilitar o acesso do porto de Arles ao mar, mas especialmente para manter os legionários em boa forma, aguardando, por vários meses, a chegada dos cimbros e teutões.

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Ilustração de Angus McBride, Roman Legionary 58 BC–AD 69.

A avaliação dos gastos energéticos do legionário

Os dados atuais de ergonomia podem ser usados para avaliar a energia gasta por um soldado.

No caso de um legionário: marchar por 5 horas com uma carga de vinte quilogramas: 3000kcal; instalação de acampamento com uma hora de terraplenagem ou derrubada de árvores: 400kcal; tarefas diversas: 250kcal. Além desses diferentes gastos de energia, devemos adicionar o gasto incompressível representado pelo metabolismo basal, sendo 1600 Kcal. Adicionando esses valores diferentes chegamos a um total de 5250kcal.

Outra estimativa: a marcha forçada de 74km, realizada pelos legionários de César, em 24 horas, sem bagagem, com um descanso de 3 horas, corresponde a uma despesa individual de mais de 6000kcal.

Quanto aos trabalhos de interesse coletivo, na ausência de dados quantitativos, podemos estimar que eles devem corresponder ao trabalho realizado pelos escavadores ou pedreiros no início do nosso século antes de qualquer mecanização, trabalho cujo gasto energético foi avaliado entre 4000 e 5000kcal por dia (27).

Hoje em dia, apenas atletas, recrutas militares e alguns trabalhadores manuais podem reivindicar um gasto energético superior à 4000kcal por dia.

A alimentação do legionário

O trigo constituía o alimento básico do mundo romano e, devido à sua importância, uma lei frumentária que regulamentava a distribuição gratuita, ou barata, que era feita ao povo. As colheitas, colocadas sob a proteção de Robigus (14), teria sido insuficiente se os territórios conquistados, e em particular a Gália e o Egito, não tivessem contribuído para abastecer os celeiros de Roma. A intendência proporcionou aos soldados trigo em grão, às vezes moído ou assado, carne fresca, salgada ou seca, azeite de oliva, sal e vinho de baixa qualidade que misturado com água formava uma bebida chamada posca, bebida ácida, sialagogo, que poderia melhorar o mau gosto eventual da água potável. Na primeira metade do século 1 aC J.-C, o legionário romano consumia entre 1000 e 1500 g por dia de alimento feito à base de trigo (15) na forma de papas grossas (puls) (16), de torta, pão ou biscoito. A importância do consumo frumentário foi da mesma ordem um século depois, uma vez que cada soldado absorvia ainda no ano um terço de tonelada de trigo, isto é, entre 900 e 1000g de trigo por dia ou ainda, do ponto de vista energético, entre 3000 e 3300kcal por dia. Davies fixou para o mesmo período o consumo diário de pão em 1350g (2 libras) sendo ainda o equivalente de 3240kcal (17).

Dautry e Maisani (18) especificam que a ração matinal (prandium) para o soldado, sob a República, compreendia 850g de trigo, 100g de bacon, 30g de queijo e 1/2 litros de vinho, o que corresponde a quase 3500kcal ao qual serão adicionados àqueles da ração da noite (cenà).

Davies acrescenta aos 1350g de pão, 900g de carne, o que parece excessivo, 70ml de óleo e 1 litro de vinho, sendo uma contribuição global de mais de 5000Kcal para o dia.

Em termos de qualidade, essa ração correspondeu a 78% de carboidratos, 14% de proteínas e 10% de lipídios. Ela estava desequilibrada com os dados dietéticos atuais, que estimam que observa 55% de carboidratos, 15% de proteína e 30% de gordura (19). Deve-se acrescentar que essa ração alimentar, caracterizada por uma alta proporção de carboidratos (78%) de origem frumentária, apresentava as seguintes vantagens: a presença de açúcares lentos; muito energéticos; digeríveis; assegurando o lastro intestinal; restaurando as reservas de glicogênio do organismo (20-21).

Além disso, o legionário poderia acrescentar a esta ração básica suplementos na forma de produtos conservados, tais como frutas secas ou carnes curadas, e na forma de produtos frescos: vegetais, frutas ou mesmo carne, onde a análise dos ossos encontrados nos depósitos dos acampamentos estabelecidos na Inglaterra ou na Alemanha (22) revela a variedade. Contando não apenas animais de criação (porco, vaca, carneiro, cabra), mas também animais selvagens (javalis, veados, gamos, alces, ursos e até mesmo lobo, raposa, castor, lontra). Estes suplementos podem, por um lado, tender a reequilibrar os lipídios, que desempenham um papel fundamental no exercício muscular de longa duração e no transporte de vitaminas lipossolúveis e, por outro lado, fornecem as vitaminas do complexo B envolvidas na eficiência do trabalho muscular.

Deve-ser notar finalmente que os legionários beberam a água que havia sido usada para temperar as armas, a fim de atrair a força e o vigor atribuídos ao Deus Marte (23). Embora seja mais uma crença do que dietética, deve ser lembrado que os corredores de fundo de hoje podem apresentar anemia por deficiência de ferro (24) corrigido pela ingestão de ferro hemínico de origem animal, melhor absorvido (15 à 20%) que o ferro de origem vegetal (1 à 9%).
O saldo energético

É claro que existe um equilíbrio energético entre as ingestões dietéticas e os esforços físicos do legionário. Mas os caprichos da guerra nem sempre garantiam esse equilíbrio. Assim, Júlio César declara que o exército, no cerco de Avaricum (25), sofria de uma grande escassez por falta de trigo e não escapou da fome apenas pela graça de algum gado. O papel da intendência era, portanto, primordial para os legionários em campanha e a distribuição individual de vários dias de víveres apresentava vantagens a esse respeito, mas acrescentava uma carga suplementar aos soldados já pesadamente equipados.

Stolle (26) estima que os soldados podiam transportar 16 dias de víveres, sendo uma carga de 14,369kg, com 6,254kg de biscoito, 3,411kg de pão, 1,704kg de trigo, 1,910kg de carne, 0,436kg de queijo, 0,327kg de sal e 0,327kg de vinho. De fato, esta carga, que pode parecer excessiva do ponto de vista do peso, representa apenas 2650kcal aproximadamente por dia, portanto insuficiente para cobrir os gastos diários. Duas observações seriam feitas sobre este assunto:

1. Experimentos em meio militar mostraram que uma sub-alimentação transitória com 1900 kcal por dia durante 15 dias não afeta o desempenho das tropas (27). O legionário romano poderia muito bem conservar seu valor combativo depois de haver recebido uma alimentação hipocalórica por alguns dias, e sem entrar nas discussões que a hipótese de Stolle levantou, não há objeção importante a refutar, se considerarmos apenas trocas de energia.

2. Se, por outro lado, calculamos o peso do alimento transportado para permitir um fornecimento energético suficiente, a carga deve, durante 15 dias, atingir um peso entre 22 e 27kg, antes de diminuir de 1,5 para 1,8kg por dia, dependendo do tamanho da ração cotidiana.

Os dados da medicina militar

O esporte nos exércitos permite na maioria dos casos melhorar o consumo máximo de oxigênio, que é de 46ml/min/kg em média para jovens de 20 anos, e de atingir 50ml/min/kg, o que corresponde à aptidão de combate (28-29-30).

Deve-se enfatizar que os esforços necessários para alcançar essa melhoria, que em última análise é modesta, devem ser considerados excessivos para alguns, uma vez que se registra um grande número de fraturas por fadiga, o que é usualmente observado em atletas com patologia de sobretreino.

Por outro lado, para outros, os resultados obtidos podem ser excelentes. Após um treinamento para-comando de 3 meses, a V02 max (p<0,01) de 26 recrutas escolhidos aleatoriamente, que eram de 3,750 ± 0,580 1/min, durante a incorporação, aumentou para 4,200 ± 0,580 1/min, sendo um ganho de 12%, o qual reduziu o peso dos indivíduos corresponde aos valores da ordem de 63ml/min/kg, trazendo estes recrutas nas categorias de atletas de bom nível (31).

Em uma outra prova de 5 semanas, um treinamento do tipo comando foi realizado por 195 soldados voluntários altamente motivados. Durante uma semana excepcional incluindo todos os dias 1 hora de ginástica, 10km de corrida, 3km de natação, uma pista de obstáculos e uma corrida de remo (não especificada), a ração alimentar devia ser aumentada para 5.830kcal por dia (32).

Os dados da medicina esportiva

Os gastos de energia entre 4000 e 5000kcal por dia são comuns entre os atletas de alto nível. Nas corridas de ciclismo de 140 a 160km, o gasto energético diário é avaliado entre 4200 e 4700kcal (33).

Um jogador de futebol profissional, jogando a 70% da sua capacidade máxima de trabalho (34), gasta, para uma V02 máxima de 70ml/min/kg, cerca de 4000kcal por dia.
Resultados comparáveis são observados nos principais esportes de equipe, como basquete, handball e rugby. Enfim, um maratonista, durante as 2h30 de corrida, fornece um trabalho equivalente a 2700kcal, o que corresponde a uma despesa diária de 5000kcal.

Pode-se estimar, com uma margem de erro aceitável, que um atleta de alto nível, treinando duas vezes por duas horas ao dia, consegue um gasto energético superior à 4000kcal.

Altas perdas calóricas são comuns em natação, mergulho, montanhismo ou em disciplinas muito exigentes, como remo ou triatlo, sem esquecer de corridas extremas, especialmente o Bordeaux-Paris no ciclismo, o Paris-Estrasburgo de caminhada ou Vassaloppet esqui de fundo.

Conclusão

Enquanto um gasto energético de mais de 4.000 Kcal por dia era comum entre os legionários romanos, hoje em dia apenas atletas de alto nível, recrutas em treinamento e alguns trabalhadores manuais podem afirmar atingir esse nível. Com quase 2000 anos de diferença, além desse gasto calórico elevado, existem diferentes pontos de comparação entre o atleta moderno e o legionário.

- Ambos seguem uma intensa preparação para alcançar o objetivo final, isto é, a vitória, para alguns nos eventos esportivos, para os outros contra os inimigos de Roma;
- Ambos se envolvem em atividades destinadas a melhorar a força muscular, para os atletas com os exercícios de musculação, para os legionários com os trabalhos de força como o manuseio de materiais pesados.
- Enfim, ambos seguem dietas hipercalóricas com predominância de açúcares lentos para compensar o alto nível de gasto físico.

No entanto, neste último ponto, se a ingestão de energia é comparável, a dieta do legionário apresentou desequilíbrios em termos de qualidade,o expositor, mais ou menos a longo prazo, aos riscos de deficiência.

Emile FORNARIS e Marc AUBERT, HISTOIRE DES SCIENCES MÉDICALES – TOME XXXII – Nº 2 – 1998.

Original: https://theatrum-belli.com/le-legionnai ... e-meconnu/

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Notas
(1) A palavra atleta vem do grego athlon (atleta, aquele que combate).
(2) LE BOHEC Y. – L’armée romaine, Picard, Paris, 1989.
(3) CONNOLY P. – Vingt ans dans la légion, Historia, 1987, 489, 49-52.
(4) CAESAR. – De bello gallico, II, 30 (Os gauleses ironizavam o pequeno tamanho dos soldados romanos).
(5) HARMAND J. – L’armée et le soldat à Rome de 107 à 50 avant notre ère, Picard, Paris, 1967, 162.
(6) PLUTARQUE. – Caius Marius, XXII.
(7) CLERC M. – La bataille d’Aix. Etudes critiques sur la campagne de Caius Marius en Provence, Fontemoine, Paris, 1906, 28.
(8) O estribo será usado apenas a partir do século VII.
(9) CAESAR. – op. cit., V, 46-47.
(10) CAESAR. – op. cit., VII, 39-41.
(11) LE BOHEC Y. – op. cit., 14-15.
(12) CAESAR. – op. cit. Il, 3
(13) LE BOHEC Y. – op. cit.116
(14) ROBIGUS foi a divindade protetora das colheitas contra bolor e seca, ele foi homenageado nos festivais de Robiglia (25 de abril).
(15) HARMAND S. – op. cit. 183-184 t nota 265.
(16) De acordo com Plínio, os romanos eram chamados de comedores de mingau.
(17) DAVIES R.W. – The roman military diet. Britannia, II, 1971, 122-123.
(18) DAUTRY J., MAISANI O. – Guide romain antique (apresentado por G. HACQUARD), Hachette, Paris, p. 66.
(19) CREFF A. et BÉRARD L. – Manuel pratique de l’alimentation du sportif, Masson, Paris, 1980.
(20) "Quando se quiser construir um exército, você tem que começar pela sua barriga..., o pão faz o soldado", Frédéric 11 de Prusse (1712-1785).
(21) Bem antes do trabalho de Appert (1749-1841), o problema da conservação dos alimentos se apresentava o tempo todo. Para os romanos, diferentes processos eram utilizados:
- frutas e legumes foram preservados por secagem ao sol (figos, uvas, ameixas, peras), por maceração em vinhos cozidos, ou em vinagre ou na salmoura (repolho, azeitona).
- a carne, especialmente carne de porco, era salgada ou defumada, e aves cozidas mantidas em banha.
- peixe, atum, cavalinha, sardinha e anchova eram comidos em salga (ver RODOCANACHI E., “Les romains en voyage” , Historia, 1979, 332, 26-37) ou ainda na forma de garo comparável hoje em dia a nuoc-mâm.
(22) DAVIES R.W. – op. cit., 126-127.
(23) DIETECOM 90. – «“Une santé de fer”, CIV, 11, rue Lafayette, 75009 Paris.
(24) CREFF A., WAYSFELD B., D’ACREMONT MF., CLAPIN A., LE LEUC’H C. – Approche nutritionnelle de l’anémie du sportif, Médecine du Sport, 1988, 5, 269-274.
(25) CAESAR. – op. cit., VII, 17.
(26) HARMAND J. – op. cit., 191.
(27) SCHERRER J. – Précis de Physiologie du Travail, Masson, Paris, 1981.
(28) Chamamos "consumo máximo de oxigênio ou ainda V02 max", a quantidade de oxigênio consumida por unidade de tempo durante o esforço máximo. É expresso em litros por minuto ou reduzido ao peso do sujeito em mililitros de oxigênio consumido por minuto e por quilograma de peso corporal.
(29) JONES L. N., MARKRIDES L., HITCHCOCK C , CHYPCHART T., M e CARTNEY N. – “Normal standard for an incrémental progressive cycle ergometer test”. Am. Rev. Respir. Dis., 1985, 131, 700-708.
(30) DUGUET J., MOLINIE J. – “Organisation des activités physiques et du sport dans les armées”, Médecine du Sport, 1989, 4, 183-188.
(31) PIRNAY F., DEROANNE R., MARÉCHAL R., SANABRIA S., TANCRE F., PETIT J.M. – Influence de trois mois d’instruction para-commando sur la tolérance à l’exercice musculaire, Médecine du Sport, 1976.1 : 4-10.
(32) SMOAK B.L., JAMES P.N., FERGUSSON E.W., FACN P.D. – Changes in lipoprotein profiter during intensive military training. J Am. Coll. Nutr., 1990, 6 : 567-572.
(33) JUDE H., PORTE G. – Médecin du Cyclisme, Masson, Paris, 1983.
(34) FORNARIS E., WANKERSSCHAVER J., VANUXE M D., ZAKARIAN H., COMMANDR E F., VANUXEM P. – Football. Aspects énergétiques, Médecine du Sport, 1988,1 : 32-36.




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Pátria: Discurso de Dexippos para os voluntários atenienses após a tomada de Atenas em 267 a.C

#9 Mensagem por FilipeREP » Qui Nov 21, 2019 5:29 pm

Por Theatrum-Belli, 19 de maio de 2019.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 16 de julho de 2019.

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É pela determinação mais que pelo número de homens que o resultado das guerras é decidido. Nós dispomos de uma força que não é desprezível, porque aqui estamos reunidos no número em dois mil e estamos bem cobertos neste lugar que deve ser nossa base para realizar golpes no inimigo, seja atacando grupos isolados, seja montando emboscadas em seu caminho. Assim, obteremos sucessos que aumentarão nossas forças e inspirarão o inimigo com um medo que não será medíocre. Se o exército inimigo avançar contra nós, resistiremos a ele, já que estaremos efetivamente protegidos pela solidez dessa posição e por essa floresta. Nas fileiras dos assaltantes que, faltando uma visão geral sobre nós, vindo de muitos lados, reinará a confusão: eles não poderão se engajar normalmente com os homens da testa, suas fileiras se desintegrarão e, como eles serão incapazes de direcionar seus arremessos assim como seus dardos, seu tiro será ineficaz, enquanto nós, nós os derrubaremos com mais golpes. Abrigados pela floresta, vamos lançar sobre eles, a partir de nossa posição dominante, projéteis que atingirão o objetivo; seremos capazes de agir com segurança, e não será fácil para eles nos infligirem perdas. Quanto ao combate corpo-a-corpo, se é necessário chegar a esse ponto, são os maiores perigos que inspiram o ardor guerreiro mais fervoroso, e enfrentaremos o inimigo excepcionalmente com mais vigor, tornando a eles mais difícil salvar sua vida, tanto é assim que o que não mais esperávamos acontece, enquanto lutamos para conseguir o impossível e isso, impulsionado pela esperança de castigar o inimigo, nós defendemos bens que valem a pena. Nunca antes alguém teve razões melhores para ficar indignado, enquanto nossas famílias e nossa cidade estão no poder do inimigo. Estes também se voltarão contra nossos adversários que, por coerção, fazem campanha a eles, assim que nos vejam atacar, porque encontrarão a esperança de recuperar sua liberdade.

Eu fui novamente informado que a frota do imperador, que não está longe, nos resgatará; com o seu apoio, a nossa ofensiva será irresistível. Além disso, acredito que vamos treinar os gregos para compartilhar nosso ardor. Da minha parte, sem me manter seguro de golpes e colocado em uma situação que não é melhor que a sua, enfrento as mesmas provações pelo amor da coragem e correrei todos os riscos para salvar os bens mais preciosos e não desapontar a estima que a cidade tem por mim. Todos os homens devem finalmente deixar a vida, morrer combatendo pela pátria é a mais bela das recompensas. Se, pelo que alguém lhe disse, alguns de vocês temem o infortúnio em que nossa cidade está mergulhada, que ele acha que a maioria das cidades foi tomada por um inimigo inesperado… Podemos prever que a Fortuna estará conosco. Nossa causa não pode estar mais certa, já que lutamos contra agressores iníquos e, como regra geral, é de acordo com este critério que a Divindade arbitra os assuntos humanos: ela trabalha para aliviar aqueles que estão em infortúnio e para lhes dar uma sorte melhor. É belo penetrar na imagem de nossa pátria como nossos antepassados fizeram, de oferecer pela nossa coragem e nosso amor pela liberdade um exemplo para os gregos e para desfrutar com nossos contemporâneos e da posteridade de uma glória imperecível, mostrando por atos que, mesmo no desastre, a resolução dos atenienses não pode ser prejudicada. Levaremos como lema nossos filhos e nossos bens mais caros, depois marcharemos para a batalha invocando os deuses que nos protegem.
Original: https://theatrum-belli.com/patrie-disco ... es-en-267/




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A camuflagem do exército de US$5 bilhões que falhou em esconder seus soldados

#10 Mensagem por FilipeREP » Qui Nov 21, 2019 5:39 pm

Do War History Online, 20 de abril de 2019.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 15 de julho de 2019.

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Foto do exército dos EUA tirada pelo Sargento William A. Tanner.

O padrão de camuflagem universal usava cinza, bege e verde como cores primárias. Pretendia-se ajudar a disfarçar soldados tanto no terreno desértico quanto no temperado.

Camuflagem tem sido usada pelas forças armadas desde os tempos antigos. Vegetius escreveu que os navios eram pintados de azul veneziano para escondê-los nas águas abertas.

A camuflagem não só fornece o elemento surpresa, como também mantém os soldados seguros enquanto estão desdobrados.
À medida que a tecnologia avança, novos padrões de camuflagem precisam ser criados para garantir a segurança contínua das tropas. Em 2005, o Exército dos EUA introduziu um novo padrão de camuflagem chamado Padrão de Camuflagem Universal (Universal Camouflage Pattern). Este projeto fez uma barulheira na época por causa da aparência pixelada do padrão digital.

Imagem
O Padrão de Camuflagem Universal dos EUA, quadrado de aproximadamente 30x30cm redesenhado a partir da amostra real.

O Padrão de Camuflagem Universal usava cinza, bege e verde como cores primárias. Pretendia-se ajudar a disfarçar soldados tanto no terreno desértico quanto no temperado. O projeto inicial veio após o início das guerras no Iraque e no Afeganistão.

Na época, as tropas desdobradas receberam camuflagem desértica. Enquanto isso escondia o soldado, o equipamento adicional os tornava mais visíveis, já que era mais escuro que a camuflagem. Um padrão de camuflagem de substituição era necessário, e foi decidido que o projeto deveria funcionar em todos os terrenos para ser mais econômico.

Imagem
Dois soldados em 2005 vestindo o Uniforme de Combate do Exército (Army Combat Uniform, ACU) no Padrão de Camuflagem Universal.

O padrão inicial criado pelo Centro de Sistemas de Soldados do Exército dos Estados Unidos (United States Army Soldier Systems Center) foi ajustado por autoridades da PEO Soldier. Essas autoridades haviam visto a nova camuflagem criada pelo Corpo de Fuzileiros Navais (Marine Corps), que usava pixels em vez do tradicional padrão de ondas. Querendo usar essa nova tecnologia, os desenvolvedores do Exército foram instruídos a usar o padrão de pixel, e o Padrão de Camuflagem Universal nasceu.

Esse novo padrão foi implementado em 2005, mas foi substituído uma década depois em 2015. Por que esse padrão não durou? A resposta é que não foi eficaz em dissimular soldados.

O problema principal era um efeito óptico conhecido como isoluminância. É quando o olho humano interpreta várias cores e padrões como uma única massa. Quando esse efeito ocorre em zonas de combate, ele pode facilitar a identificação de soldados à distância. A causa desse efeito no novo padrão foi o dimensionamento da pixelização.

Imagem
Soldado do Exército dos EUA usando o Padrão de Camuflagem Universal.

A camuflagem também não incluiu o preto no padrão. Isso pode fazer com que a camuflagem pareça plana contra superfícies 3D, tornando mais fácil identificar os soldados que a usavam.

Com esses problemas, o padrão nunca deveria ter sido escolhido. No entanto, não houve teste do projeto antes dele ser implementado. Pesquisas constataram que não foram feitos estudos sobre a eficácia da camuflagem em zonas de combate. O teste que foi feito foi para o padrão de Trilha Urbana (Urban Track), que foi experimental e rejeitado, mas formou a base dessa camuflagem.

Imagem
Um fuzileiro naval dos EUA aplicando pintura de camuflagem.

Pesquisas realizadas entre 2007 e 2009 também foram capazes de identificar quatro padrões diferentes de camuflagem que funcionaram melhor do que o Padrão de Camuflagem Universal. Os padrões Digital Desértico do Corpo de Fuzileiros Navais (Marine Corps Desert Digital), Vegetação Desértica (Desert Brush), MultiCam e o padrão militar sírio eram melhores em dissimular soldados.

Segundo a pesquisa, esses padrões foram 16 a 36 por cento melhores do que o Padrão de Camuflagem Universal na maioria dos terrenos.

Com crescentes preocupações levantadas sobre o novo padrão, o Exército teve que tomar medidas drásticas. Tropas no Afeganistão foram fornecidas com camuflagem MultiCam. O Exército teve que licenciar esse padrão de uma empresa privada. O Esforço de Melhoria da Camuflagem (Camouflage Improvement Effort) também foi lançado em 2010 para encontrar uma nova substituição de camuflagem.

Imagem
Soldados do Exército dos EUA em maio de 2006, vestindo o Padrão de Camuflagem Universal na província de Kunar, Afeganistão.

O Esforço de Melhoria da Camuflagem durou quatro anos até que um padrão final de substituição fosse anunciado. O Exército substituiria o Padrão de Camuflagem Universal pelo Padrão Operacional de Camuflagem (Operational Camouflage Pattern). Esse padrão não foi um dos finalistas inicialmente anunciados, mas seria financeiramente melhor.

As finanças foram importantes ao escolher a substituição do Padrão de Camuflagem Universal. Foi relatado que o governo gastou US$5 bilhões no desenvolvimento e desdobramento da nova camuflagem. A taxa de licença do MultiCam também teria sido cara porque a Crye Precision, a empresa privada que criou o padrão, passou anos o desenvolvendo.

Imagem
Salto paraquedista da 4-25*.

Não apenas o Exército gastou bilhões no projeto fracassado, como agora tem uma grande suprimento de material no Padrão de Camuflagem Universal, relativamente não utilizado.

Como o padrão foi retirado de uso, o Exército determinou que pode colorir todo o material elegível para aderir ao novo padrão de camuflagem. No entanto, o material elegível não inclui uniformes mas apenas os itens de material que foram cobertos com tecido de nylon texturizado.

Esta seria a primeira vez que o Exército encontraria outras maneiras de se livrar de material quando houvesse uma mudança de camuflagem. Alguns dos métodos comuns incluíam descarregá-los através de vendas militares estrangeiras e através do Escritório de Reutilização e Marketing de Defesa (Defense Reutilization and Marketing Office). Acredita-se que a ineficácia da camuflagem tornou isso impossível.

Original: https://www.warhistoryonline.com/instan ... vAE4222XTI

*Nota do tradutor: 4-25 é a 4th Brigade Combat Team (Airborne), 25th Infantry Division. 4ª Equipe de Combate de Brigada (Aerotransportada) da 25ª Divisão de Infantaria.

Artigo publicado no site Warfare Blog no dia 19 de julho de 2019: https://www.warfareblog.com.br/2019/07/ ... lhoes.html




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Re: Reflexões Militares

#11 Mensagem por FilipeREP » Qui Nov 21, 2019 5:46 pm

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Agora podemos repetir o que dizíamos no início deste estudo: o homem de modo algum combate pela luta e, sim, pela vitória. Faz tudo que depende de si para suprimir a primeira e assegurar a segunda. O contínuo aperfeiçoamento de todos os engenhos de guerra não tem outra causa: aniquilar o inimigo, permanecendo de pé. A bravura absoluta, que não foge ao combate, mesmo em condições desiguais, colocando-se nas mãos de Deus ou do destino, essa bravura não é natural no homem, é resultado da cultura moral, é extremamente rara. Porque, sempre, em face do perigo, o sentimento animal de conservação toma a dianteira. O homem calcula suas chances. E com que erros? Acabamos de ver.

Assim, o homem tem horror à morte. Nas almas de elite, um grande dever, que somente elas podem compreender e cumprir, às vezes faz avançar. Mas a massa sempre recua à vista dos fantasmas. A disciplina tem como finalidade violentar esse horror por meio de um horror ainda maior, o do castigo, ou da vergonha. No entanto, sempre chega o instante em que o horror natural suplanta a disciplina e o combatente foge.

"Pare, pare. Aguente alguns minutos, um instante mais e será vitorioso. Nem mesmo estás ferido e, se virares as costas, estarás morto." Ele não ouve, não pode mais ouvir, vomita de medo. Quantos exércitos juraram vencer ou morrer? Quantos cumpriram o juramento? Juramento de ovelhas, de resistir aos lobos. A História registra não exércitos, mas almas firmes que souberam combater até a morte. O devotamento das Termópilas é, com justiça, imortal.

- Coronel Ardant du Picq, Estudos Sobre o Combate, 1868, pp 97-98.

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Eleições Não Importam, Instituições Sim

#12 Mensagem por FilipeREP » Ter Nov 26, 2019 1:41 pm

Por Robert D. Kaplan, Strafor, Assuntos Globais, 15 de janeiro de 2014.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 24 de setembro de 2018.

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Fuzileiros navais sul-coreanos. A Coréia do Sul é um exemplo de evolução institucional.

Muitos anos atrás, visitei Four Corners [Quatro Cantos] no sudoeste americano. Este é um pequeno monumento de pedra em uma plataforma de metal polido, onde quatro estados se encontram. Você pode andar ao redor do monumento no espaço de alguns segundos e ficar em quatro estados: Arizona, Novo México, Colorado e Utah. As pessoas fazem fila para fazer isso e tem fotos suas tiradas por parentes animados. Andar pelo monumento é realmente uma emoção, porque cada um desses quatro estados tem uma tradição e uma identidade ricamente desenvolvidas que conferem a essas fronteiras um significado real. E, no entanto, nenhum passaporte ou polícia alfandegária é obrigado a ir de um estado para outro.

Bem, claro que isso é verdade, eles são apenas estados, não países, você poderia dizer. Mas o fato de que minha observação é um lugar-comum tedioso não o torna menos surpreendente. Para ter certeza, isso o torna ainda mais incrível. Como observou certa vez o falecido professor de Harvard, Samuel P. Huntington, o gênio do sistema americano está menos em sua democracia do que em suas instituições. O sistema federal e estadual com 50 identidades e burocracias separadas, cada uma com fronteiras terrestres definitivas - que, no entanto, não conflitam entre si - é única na história política. E isso não é para mencionar os milhares de condados e municípios da América com suas próprias jurisdições soberanas. Muitos dos países que eu cobri como repórter no mundo em desenvolvimento e conturbado pela guerra teriam inveja de um arranjo institucional tão original para governar um continente inteiro.

De fato, a observação de Huntington pode ser expandida ainda mais: O gênio da civilização ocidental em geral é o das instituições. Claro, a democracia é uma base para isso; mas a democracia é, no entanto, um fator separado. Pois as ditaduras iluminadas na Ásia construíram instituições meritocráticas robustas, enquanto as democracias fracas na África não o fizeram.

As instituições são um elemento tão mundano da civilização ocidental que tendemos a considerá-las garantidas. Mas, como já indiquei, em muitos lugares em que trabalhei e vivi, esse não é o caso. Conseguir uma autorização ou um documento simples não é uma questão de esperar na fila por alguns minutos, mas de pagar subornos e empregar intermediários. Nós tomamos nossa água corrente e corrente elétrica confiável como garantidas, mas essas são comodidades faltando em muitos países e regiões por causa da falta de instituições competentes para gerenciar essa infraestrutura. Ter um amigo ou um parente trabalhando no IRS não vai te salvar do pagamento de impostos, mas tal situação é uma raridade em outros lugares. Instituições de sucesso tratam a todos de forma igual e impessoal. Este não é o caso da Rússia, do Paquistão ou da Nigéria.

É claro, os americanos podem reclamar do serviço ferroviário deficiente e da deterioração da infraestrutura e da burocracia, especialmente nas cidades do interior, mas é importante perceber que, apesar de tudo, estamos reclamando de um padrão muito alto em relação a grande parte do mundo em desenvolvimento.

Instituições, ou a falta delas, explicam muito do que aconteceu no mundo nas últimas décadas. Após o colapso do Muro de Berlim, a Europa Central passou a construir democracias e economias que funcionavam. Com todos os seus problemas e desafios, os países bálticos, a Polônia, a República Checa, a Eslováquia e a Hungria não se saíram mal e, em alguns casos, têm despertado histórias de sucesso. Isso ocorre porque essas sociedades possuem altas taxas de alfabetização entre homens e mulheres e têm uma tradição da cultura burguesa moderna antes da Segunda Guerra Mundial e do comunismo. E é a alfabetização e a cultura de classe média que são os alicerces de instituições de sucesso. Instituições, afinal, exigem burocratas, que devem, por sua vez, ser alfabetizados e familiarizados com o funcionamento impessoal das organizações modernas.

Os Bálcãs têm sido menos afortunados, com mau governo e crescimento inexpressivo na Romênia desde 1989, semi-caos na Albânia e Bulgária, e guerra interétnica destruindo a federação iugoslava na década de 1990. Aqui, também, uma história de baixas taxas de alfabetização, fracas ou, em alguns casos, inexistentes classes médias, e uma fé ortodoxa oriental que, por ser mais contemplativa, não encoraja padrões impessoais, pelo menos ao nível do Protestantismo ou mesmo do Catolicismo, todos têm sido fatores em uma base institucional mais fraca para o crescimento econômico e a estabilidade política. A Rússia, também, se enquadra nessa categoria. Seu sistema de oligarcas é um sinal revelador de instituições fracas, uma vez que a corrupção indica apenas um caminho alternativo para fazer as coisas quando as leis e as burocracias estatais são inadequadamente desenvolvidas.

Depois, há o Oriente Médio maior. A chamada Primavera Árabe fracassou porque o mundo árabe não era como a Europa Central e Oriental. Tinha baixa alfabetização, especialmente entre as mulheres. Tinha pouca ou nenhuma tradição de um burguês moderno, apesar das classes comerciais em algumas cidades, e por isso não há instituições utilizáveis a quem recorrer uma vez que as ditaduras desmoronaram. Assim, o que restou no norte da África e no Levante depois do autoritarismo eram tribos e seitas; ao contrário da sociedade civil pós-comunista que encorajou a estabilidade na Europa Central. A Turquia e o Irã, como estados reais com urbanização mais bem-sucedida e taxas mais altas de alfabetização, estão em uma categoria intermediária entre o sul da Europa e o mundo árabe. Obviamente, mesmo dentro do mundo árabe existem distinções. Instituições estatais egípcias são uma realidade em um nível nas quais aquelas na Síria e no Iraque não são. O Egito é governável, portanto, mesmo que momentaneamente por meios autocráticos, enquanto a Síria e o Iraque parecem não ser.

Finalmente, há a África. Em muitos países africanos, ao tomar uma estrada para fora da capital, muito em breve o próprio estado desaparece. A estrada se torna uma pista de terra vaga, e os domínios de tribos e senhores da guerra tomam conta. Este é um mundo onde, porque a alfabetização e as classes médias são mínimas (embora crescendo), as instituições ainda mal existem. A maneira de avaliar o desenvolvimento na África não é entrevistar os tipos da sociedade civil nas capitais, mas ir aos ministérios e outras burocracias e esperar na fila e ver como as coisas funcionam - e se funcionam.

De fato, as pessoas mentem para si mesmas e depois mentem para jornalistas e embaixadores. Portanto, não ouça o que as pessoas (especialmente as elites) dizem; observe como elas se comportam. Elas pagam impostos? Onde elas guardam o seu dinheiro? Elas esperam na fila para obter as carteiras de motorista e assim por diante? É comportamento, não retórica, que indica a existência de instituições, ou a falta delas.

Eleições são fáceis de realizar e indicam menos do que os jornalistas e os cientistas políticos pensam. Uma eleição é um caso de 24 ou 48 horas, organizado frequentemente com a ajuda de observadores estrangeiros. Mas um ministério bem lubrificado deve funcionar 365 dias por ano. Lee Kuan Yew é um dos grandes homens do século XX porque ele construiu instituições e, portanto, um estado em Cingapura. Pois sem ordem básica não pode haver liberdade significativa. E as instituições são as principais ferramentas de ordem.

Como as instituições se desenvolvem lenta e organicamente, mesmo sob as melhores circunstâncias, seu crescimento ilude jornalistas interessados em eventos dramáticos. Assim, as histórias da mídia geralmente fornecem uma indicação ruim das perspectivas de um determinado país. A lição para os empresários e meteorologistas é: Acompanhe instituições, não personalidades.

Fonte: http://www.stratfor.com/weekly/election ... tutions-do

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Robert D. Kaplan é o autor de Asia's Cauldron: The South China Sea and the End of a Stable Pacific (Caldeirão da Ásia: O Mar da China Meridional e o Fim de um Pacífico Estável), publicado pela Random House em março de 2014. Em 2012, ele publicou The Revenge of Geography: What the Map Tells Us about Coming Conflicts and the Battle Against Fate (A Vingança da Geografia: O que o Mapa nos diz sobre a chegada de Conflitos e a Batalha contra o Destino), e em 2010, Monsoon: The Indian Ocean and the Future of American Power (Monção: O Oceano Índico e o Futuro do Poder Americano). Em 2011 e 2012, ele foi escolhido pela revista Foreign Policy como um dos "Top 100 Global Thinkers" do mundo.




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Re: Reflexões Militares

#13 Mensagem por FilipeREP » Ter Dez 03, 2019 11:06 pm

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Batalha Naval de Monte Santiago na Guerra da Cisplatina entre o Império do Brasil e a Argentina em 1827. Pintura de Edoardo De Martino, 1870. Acervo do Museu Histórico Nacional.

Depois dessa derrota, a marinha platina nunca mais teve condições de enfrentar a marinha brasileira.




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Re: Reflexões Militares

#14 Mensagem por FilipeREP » Sex Dez 06, 2019 4:04 pm

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“Vitória é sinônimo de vontade. O triunfo de um exército depende muito mais da tenacidade dos chefes e dos soldados do que da superioridade de armamento e da vantagem numérica. É a vontade de vencer que dá a vitória. Uma batalha que se julga perdida equivale, desde logo, a uma derrota. Em Porto Artur, a armada japonesa teria batido em retirada, por falta de munição, se, por ventura, os russos tivessem resistido mais alguns minutos. Se, em 1870, Metz houvesse resistido mais um dia, os prussianos ter-se-iam visto obrigados a levantar o cerco a Paris. Foi esta verdade que durante a Grande Guerra, mesmo nos dias mais trágicos e incertos da luta, manteve a coragem dos combatentes e daqueles que sofriam os bombardeamentos e as privações na retaguarda: a vitória pertenceria, forçosamente, ao contendor que pudesse aguentar-se um quarto de hora mais que o outro. Os fatos justificaram plenamente este ponto de vista e mostraram quanto podem milhões de vontades unidas pelo mesmo ideal e esperança."

- Marechal Ferdinand Foch.




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Re: Reflexões Militares

#15 Mensagem por FilipeREP » Sex Dez 06, 2019 10:34 pm

Frogs of War: explicando o novo intervencionismo militar francês

Por Jean-Baptiste Jeangène Vilmer e Olivier Schmitt, War on the Rocks, 14 de outubro de 2015.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 06 de dezembro de 2019.

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Fort de Madama - Níger, discussões entre os paras do 3º RPIMA e os militares dos 24º Batalhão Interarmas, 12 de novembro de 2014. (Thomas Goisque)

As bombas francesas caem sobre a Síria desde o final de setembro, reforçando a nova imagem durona da França na imprensa internacional e de língua inglesa. Os franceses são conhecidos há muitos anos como “macacos comedores de queijo que se rendem” devido em parte à sua recusa em participar da invasão do Iraque em 2003. Essa nova intervenção contribui ainda mais para a transformação da França, de uma caricatura, em "frogs of war" (sapos de guerra*).

Nota do Tradutor: O apelido "sapo", de uso depreciativo, é dado aos franceses pelos americanos porque os franceses são conhecidos por comerem pernas de rã. “Frogs of War” faz um trocadilho com “Dogs of War” (Cães de Guerra).

A ausência da França no Iraque pode fazer seu recente intervencionismo parecer surpreendente. No entanto, o Iraque é a exceção que prova a regra: a França se recusou a ingressar na coalizão de 2003 não por pacifismo ou covardia, mas porque considerava a intervenção ilegal, ilegítima e potencialmente contraproducente (dúvidas que posteriormente foram comprovadas justificadas). A França realizou um grande número de operações externas desde o final da descolonização, principalmente na África, incluindo Benin, Congo, Costa do Marfim, Djibuti, Eritreia, Etiópia, Libéria, República Democrática do Congo, Ruanda e Somália. Um número considerável de operações francesas também ocorreu no Oriente Médio: no Líbano (desde 1978), no Sinai egípcio (desde 1982), no Iraque (1990-1991) e no Camboja (1992-1995), na ex-Iugoslávia. (1992-2014), Afeganistão (2001-2012), Colômbia (2003), Haiti (desde 2004) e Oceano Índico (desde 2008). Nos últimos anos, o intervencionismo francês acelerou: Líbia em 2011, Mali em 2013, Operação Barkhane no Mali, Chade, Níger, Mauritânia e Burkina Faso desde 2014, República Centro-Africana (RCA) em 2014, Iraque em 2014 e a partir desta semana, na Síria, onde a França quase interveio após os ataques químicos de agosto de 2013.

Como essa aparente evolução pode ser explicada? O "intervencionismo francês" não é novidade, mas esse ativismo internacional e sua súbita visibilidade, principalmente como vista nos Estados Unidos, é o resultado de uma combinação de fatores.

Um admirável mundo novo pós-Guerra Fria

Primeiro, a França entrou na brecha criada no final da Guerra Fria, que, como a queda de Napoleão ou o fim da Segunda Guerra Mundial, era vista como o início de uma nova era. Foi também um novo começo para as Nações Unidas. Como afirmou o secretário-geral Javier Pérez de Cuéllar em 1991, “a extinção da bipolaridade associada à guerra fria sem dúvida removeu o fator que praticamente imobilizou as relações internacionais ao longo de quatro décadas.” Enquanto o Conselho de Segurança da ONU apenas autorizou 14 operações de manutenção da paz nos seus primeiros 40 anos de existência, cinco operações foram autorizadas apenas em 1988 e 1989. Entre 1945 e 1990, os oponentes tradicionais ao conceito de intervenção foram o Bloco Oriental, estados fracos no hemisfério sul e jovens estados preocupados com sua soberania. No entanto, o final do século anunciou o colapso do bloco oriental, a ascensão da democracia no sul global, o amadurecimento dos jovens estados, a evolução do direito internacional preocupando-se cada vez mais com indivíduos e estados, e com a grande visibilidade da mídia de crises humanitárias que obrigaram os políticos a agir. Em outras palavras, os obstáculos internacionais ao intervencionismo desapareceram.

Segundo, com a Guerra Fria no passado, o intervencionismo assumiu uma nova importância para a França, pois ela procurava manter seu status em um ambiente internacional cada vez mais competitivo. Rachel Utley explica,

Isso foi mais simbólico em relação ao assento permanente da França no Conselho de Segurança das Nações Unidas, por conta de sugestões de que gigantes econômicos como o Japão agora têm uma maior reivindicam para essa posição do que uma potência média, embora com armas nucleares, como a França.

A vantagem competitiva da França residia em seu poder militar, o qual ela assim necessitava demonstrar. A intervenção foi, portanto, usada como uma maneira de preservar o prestígio francês em um mundo em transformação. Provar o valor de seu poder militar foi ainda mais importante em um mundo onde as tensões nucleares se dissolveram amplamente com o colapso da União Soviética. A força nuclear da França contribuiu muito para seu status durante a Guerra Fria, mas de repente pareceu menos relevante. Ela pode ter incitado os líderes franceses a empregar meios militares convencionais para demonstrar seu poder e obter resultados.

Raízes do intervencionismo francês

A primeira força motriz por trás do intervencionismo francês é a imagem da França de si mesma como uma grande nação, "casa dos direitos humanos", portadora e defensora dos valores universais. Essa doutrina se desenvolveu desde a intervention d 'humanité (intervenção humanitária) do final do século 19 e início do século 20 até a droit d’ingérence (direito de intervenção) das décadas de 1980 e 1990. Independentemente da sinceridade de suas convicções excepcionalistas, essas convicções humanitárias tornaram-se parte da identidade francesa e, portanto, parte dos interesses nacionais franceses (assim como nos Estados Unidos). A culpa sentida de ter permitido que o genocídio de Ruanda ocorresse, reforçou convicções humanitárias francesas e levou a uma obsessão por impedir “outra Ruanda”. Isso explica a recente intervenção na RCA, por exemplo, um país em que a França tem muito poucos interesses materiais, mas um interesse primordial em não ser o país que permite que outro genocídio ocorra em uma ex-colônia em relação à qual sente uma responsabilidade especial.

Em uma nota mais realista, o desejo de preservar sua esfera de influência na África e no Oriente Médio também desempenha um papel no intervencionismo francês. Devido à sua herança colonial, a França continuou a manter uma rede de contatos e parceiros especiais nessas regiões que apoiavam os interesses políticos e financeiros de muitos grupos significativos na França.

O desejo de preservar sua independência, especialmente contra a influência americana, é outro fator importante. Embora a França e os Estados Unidos permaneçam ideologicamente muito próximos devido a auto-imagens compartilhadas universalistas, excepcionalistas e intervencionistas, essas semelhanças às vezes levam à competição e não à cooperação.

Finalmente, Paris age porque pode. A França faz parte de um clube exclusivo de potências militares, capaz de desdobrar-se primeiro em um teatro de operações e projetar poder globalmente. Esta capacidade, como ilustrado pela campanha expedicionária no Mali, fornece um incentivo para intervir por si só.

As razões da aceleração desde 2011

Enquanto a mídia de língua inglesa costuma interpretar a recente multiplicação de intervenções francesas como prova de que o presidente François Hollande é um neoconservador estridente, o intervencionismo francês não é o produto de uma mudança ideológica. Em vez disso, a esquerda e a direita políticas francesas compartilham uma perspectiva sobre assuntos externos e, ao contrário de outra invenção comum, nem Hollande nem o ministro das Relações Exteriores Laurent Fabius estão cercados por conselheiros “neocons”. Além disso, a política externa francesa não satisfaz dois dos cinco critérios neoconservadores: internacionalismo, supremacia, unilateralismo, militarismo e democracia. A França não pratica o unilateralismo e não é militarista. Seu orçamento de defesa representa 1,8% do PIB, abaixo de seus compromissos nominais com os 2% recomendados pela OTAN e os gastos britânicos de 2,1% - o que significa que a França faz muito com muito pouco.

As verdadeiras razões por trás da aceleração das intervenções francesas desde 2011 estão em outro lugar.

Maior instabilidade global, como demonstrado pela proliferação de crises, significa que há objetivamente mais razões para intervir agora do que há 10 anos. Essa maior instabilidade é resultado de vários fatores. Primeiro, uma crescente difusão de poder causada pela erosão da unipolaridade americana, o surgimento de estados poderosos, o número crescente de atores não-estatais e grupos armados transnacionais, e a democratização de tecnologias e informações destrutivas, que permitem que indivíduos e pequenos grupos usem força militar com mais facilidade. Assim, os estados ocidentais com meios mais limitados devem enfrentar um número maior de adversários.

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Segundo, a instabilidade recente decorre em parte da ausência de mediadores regionais usuais, como Egito e Turquia, que estão preocupados com os desafios políticos e de segurança internos ou são apenas ambivalentes. Terceiro, o “efeito de desvio” significa que quanto mais crises houver, menos atenção cada uma receberá. Novas crises crescem porque são ofuscadas por outras.

A França também ocasionalmente intervém após a inação de outros. A América de Obama é um "poder reticente", mais discreto, embora não menos comprometido. Os Estados Unidos sempre oscilaram entre fases de introversão e extroversão, e sua fase atual nada mais é do que um estágio comum do ciclo. Em vez de se retirar do mundo, o governo Obama simplesmente começou a usar a força com maior discrição. Sua estratégia sutil, baseada na trindade de drones, forças especiais e cibernética, demonstra uma mudança dos grandes desdobramentos terrestres da era Bush, mas não significa desengajamento.

Além disso, o Reino Unido também sofre um eclipse temporário depois que suas forças armadas foram enfraquecidas pelas campanhas no Iraque e no Afeganistão, sem mencionar severos cortes na defesa. A capacidade britânica já havia sido questionada pela necessidade de reforço dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão. A crise estratégica do Reino Unido redundou um pouco para o benefício da França, pois o desempenho da França no Mali atraiu o interesse e o endosso da América. Além disso, a parceria franco-americana de contraterrorismo no Sahel reforçou os laços militares entre os dois países.

Também não existe uma tal “defesa europeia”. Para lutar juntos, é necessário ter medos ou objetivos comuns, ambos os quais a União Européia não tem. A França se comprometeu com a ação militar porque, ao contrário da maioria dos estados europeus, tem interesses na África. Distingue-se de outros estados europeus ou de Bruxelas, avessos ao risco, pela aceitação de um risco maior.

Evitar a perda de influência francesa também é um fator importante para explicar as intervenções contemporâneas. A França ainda possui numerosos ativos que a tornam uma potência global, incluindo seu assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, seu poder militar (nuclear e convencional), sua rede diplomática (a segunda maior do mundo), suas empresas transnacionais, seu programa espacial, a francophonie (francofonia), seus recursos marítimos (a segunda maior zona econômica exclusiva do mundo) e seu poder brando. No entanto, em um mundo cada vez mais "ocidental" - e especialmente com a diminuição da influência européia - a importância relativa da França está caindo. Seu ativismo militar ajuda a compensar isso.

Existem também as habituais razões políticas domésticas. Nicolas Sarkozy usou a intervenção na Líbia para consolidar sua estatura presidencial e restaurar a reputação da diplomacia francesa após seus fracassos na Tunísia e no Egito. Hollande também se beneficiou das operações externas (Mali, Barkhane, RCA, Chammal e Síria), que foram mais amplamente apoiadas do que sua política doméstica. Hollande também foi criticado por ser suave e indeciso e, portanto, usa o poder militar francês para corrigir essa imagem. Além disso, o Ministro das Relações Exteriores Fabius e o Ministro da Defesa Jean-Yves Le Drian são provavelmente os ministros mais fortes e influentes do governo de Hollande, o que predispõe o atual executivo ao ativismo internacional.

As ameaças domésticas atuais dão outro motivo para intervir no exterior, pois as crises externas e a segurança interna estão profundamente inter-relacionadas na França. Mais intervenções ocorrem em resposta a uma ameaça maior à segurança nacional. A intervenção no Mali já era justificada não apenas pela vontade de ajudar os malianos na luta contra os jihadistas, mas também pela vontade de evitar um porto seguro terrorista que pudesse ameaçar outros, incluindo a França. A França foi atingida pelo terrorismo quatro vezes este ano (em Paris em janeiro, em Villejuif em abril, em Isère em junho e no trem Thalys em agosto). Agora, ela desdobra mais soldados em patrulhas antiterroristas domésticas (10.000 soldados na Operação Sentinelle) do que externamente (7.000 em cinco operações externas atuais, mas mais de 12.000 outros em 10 missões permanentes no exterior). É esse nível de ameaça que desencadeou a decisão de estender os ataques contra o Estado Islâmico ao território sírio. Politicamente, essa última intervenção é justificada pela necessidade de impedir ataques na França que possam ser planejados, organizados e direcionados a partir da Síria. Sua base jurídica oficial, no entanto, não é individual, mas de autodefesa coletiva, ou seja, auxiliando o Iraque de acordo com seus pedidos.

A intervenção militar francesa não é uma novidade; pelo contrário, é baseado em uma longa tradição e profunda experiência. No entanto, a situação internacional e o atual contexto político francês juntos conferem ao intervencionismo francês uma nova visibilidade, particularmente nos Estados Unidos. Uma geração inteira de tomadores de decisão americanos foi socializada para esnobar os "macacos comedores de queijo que se rendem" após a recusa da França de intervir no Iraque. Agora eles estão descobrindo que a política externa francesa é compatível com a de Washington. A questão é até que ponto essa amizade franco-americana renovada será durável e se influenciará as parcerias privilegiadas da América na zona euro-atlântica.

O Dr. Jean-Baptiste Jeangène Vilmer é consultor de políticas em questões de segurança no Ministério das Relações Exteriores da França e professor adjunto na Escola de Relações Internacionais de Paris (PSIA, Sciences Po). Ele exerce a cátedra de estudos de guerra no College d'études mondiales (FMSH). As opiniões aqui expressas são suas e não refletem as do Ministério de Relações Exteriores da França.

O Dr. Olivier Schmitt é professor associado de ciência política no Centro de Estudos de Guerra da Universidade do Sul da Dinamarca. Ele é PhD pelo departamento de Estudos de Guerra do King's College London e se concentra em intervenções militares multinacionais, na transformação das políticas de defesa na Europa, e no movimento de extrema-direita francês.


Original: https://warontherocks.com/2015/10/frogs ... Tm-7e9SaJg




Editado pela última vez por FilipeREP em Seg Dez 30, 2019 6:46 pm, em um total de 2 vezes.
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