Tocaieiros alemães da Segunda Guerra Mundial

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Re: Tocaieiros alemães da Segunda Guerra Mundial

#31 Mensagem por Enlil » Qua Set 30, 2009 5:28 am

Muito interessante este tópico Clermont. Marcado para leitura e possível atualização :wink:. [ ], até mais...




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Re: Tocaieiros alemães da Segunda Guerra Mundial

#32 Mensagem por Clermont » Qui Out 21, 2010 9:10 pm

















Enlil
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Re:

#33 Mensagem por Enlil » Dom Mar 13, 2011 4:48 pm

Clermont escreveu:TOCAIEIROS DA RÚSSIA - DAS ORIGENS ATÉ O FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.

Por Lester W. Grau, Charles Q. Cutshaw.

Durante a evolução do combate moderno, o alcance máximo efetivo da maioria das armas tem aumentado dramaticamente. Obuseiros disparam precisamente além dos 28 quilômetros, os tanques matam além dos quatro quilômetros, mísseis de helicópteros armados, além dos oito quilômetros. O alcance máximo de engajamento das armas leves da infantaria, no entanto, encolheu significativamente no término do último século. Alguns dos fuzis padrão de infantaria da Grande Guerra e da Segunda Guerra Mundial tinham miras que alcançavam além dos 1800 metros, e soldados de infantaria treinados para engajar alvos de área, mesmo nesses alcances. Mas com a adopção das balas .223, de pequeno calibre e alta velocidade, como padrão para a infantaria por muitas nações, o alcance máximo de treinamento – e, portanto, efetivo – das armas leves da infantaria, decaiu para 300 metros ou menos.

Além disso, enquanto os fuzis de infantaria das guerras mundiais eram de repetição por ação de ferrolho ou semi-automáticos, os fuzis de assalto de hoje em dia são todos capazes de fogo automático. O grosso dos projéteis de armas leves é disparado, no combate moderno, para suprimir e não matar. Várias fontes estimam que 20 mil a 50 mil cartuchos são produzidos para cada baixa infligida na guerra moderna. Entretanto, ainda há atiradores de fuzil que engajam a mil metros e além, e que produzem uma baixa para cada um ou dois tiros disparados. Esses soldados, especialmente treinados e equipados, são os tocaieiros (“snipers”) e seu impacto no combate moderno está aumentando. As forças armadas russas demonstraram, recentemente, o valor e o impacto dos tocaieiros no moderno campo de batalha.

Uma rápida olhada na história

Tocaieiro é um termo de excelência no Exército russo. Como nos exércitos ocidentais, os tocaieiros são atiradores especializados que caçam suas presas e possuem armas e treinamento especiais para conduzir abates de longo alcance. A tradição dos tocaieiros recua muito na história russa. O padroeiros dos tocaieiros russos era um residente de Moscou chamado Adam. Em 24 de agosto de 1382, forças mongóis cercaram as muralhas do Kremlin, mas foram cuidadosas em ficar longe do alcance das flechas russas (200 passos). Adam, um tecelão, tomou sua besta e escalou uma torre no Portão de Frolov. Ele efetuou mira cuidadosa, disparou e observou seu dardo penetrar, fatalmente, a armadura de cota de malha de um comandante inimigo – um dos filhos do Khan mongol. Os mongóis tinham ficado afastados do alcance de 200 passos, mas as pesadas bestas russas desses dias, podiam disparar além dos 650 passos (445 metros).

Os exércitos russos e soviéticos utilizaram tocaieiros, extensivamente, em combate. Durante a Grande Guerra de 1914, caçadores siberianos recrutados – valorizados por sua habilidade no terreno, paciência e precisão – eram selecionados para trabalho de tocaieiros. Em 1924, o Exército Vermelho fundou uma série de escolas de tocaieiros por toda a União Soviética para ensinar o tiro esportivo e de combate, tanto para civis como militares. Os melhores atiradores eram enviados para escolas, regionais, distritais e, por fim, nacionais, onde os melhores graduados recebiam diplomas de “Instrutor de Tocaieiros”. O Exército Vermelho entrou na Segunda Guerra Mundial com numerosos tocaieiros qualificados.

No começo da guera, haviam dois tipos de tocaieiros russos – aqueles que faziam parte das Reservas do Alto-Comando Supremo (RVGK) e aqueles que eram parte das unidades-padrão da infantaria. Os tocaieiros das RVGK eram organizados em brigadas independentes – tais como uma brigada constituída por mulheres. Pelotões, companhias e mesmo batalhões inteiros de tocaieiros eram designados para as frentes e exércitos para apoiar setores críticos. Tocaieiros também eram um elemento importante do quadro de organização do potencial combativo da infantaria durante a Segunda Guerra Mundial, em particular nos campos de batalha estáticos, tais como Stalingrado. As divisões começaram a guerra com um grupo de tocaieiros no quadro de organização, mas expandiram seus números com escolas de tocaieiros divisionárias, durante a guerra. Pelo fim desta, haviam dezoito tocaieiros por batalhão, ou dois por pelotão de fuzileiros.

Os tocaieiros do Exército Vermelho caçavam aos pares, um observando e outro disparando. Ambos eram armados com o fuzil de tocaia Mosin-Nagan 1891/1930, que disparava um cartucho com aro de 7,62 x 54 mm. Embora o montante da luneta de quatro aumentos permitisse ao tocaieiros o uso das miras abertas padrão para tiros a curto alcance, ambos os tocaieiros também portavam submetralhadoras PPSH de 7,62 mm como segurança. O observador utilizava seu fuzil telescópico para apoiar o fogo e disparar imediatamente contra o alvo se o atirador errasse o alvo.

O emprego de tocaieiros soviéticos na Segunda Guerra Mundial reflete uma anterior camapanha de propaganda dos tempos de paz. Durante o primeiro plano qüinqüenal, trabalhadores soviéticos que excediam suas cotas de produção eram designados como “trabalhadores de choque” [udarniki] e recebiam incentivos e recompensas especiais. Em 1935, Aléxis Stakhanov excedeu sua cota de escavação de carvão na bacia do Donetz por cerca de 1400 %. Os propagandistas da campanha dos “trabalhadores de choque” se prenderam ao seu feito e, em breve, os trabalhadores de choque se tornaram conhecidos como “Stakhanovitas”. O campanha de Stakhanov, no entanto, foi mal concebida.

As fábricas soviéticas eram mantidas em competição umas com as outras, e o sucesso dos “stakhanovitas” da fábrica era importante para os gerentes e suas carreiras. Portanto, os recursos inteiros das fábricas apoiavam os esforços dos “stakhanovitas”. Como estes excediam suas cotas, essas acabavam sendo aumentadas para o restante dos trabalhadores. Nesse meio tempo, os recursos que apoiavam os “stakhanovitas” ficavam indisponíveis para o trabalhador médio que, agora, tinha de conseguir mais com menos. Essa aproximação única soviética foi transferida para o esforço de guerra em 1942. Os propagandistas e funcionários políticos do Exército Vermelho, deram início ao “movimento tocaieiro”. Os tocaieiros eram encorajados a participar numa macabra competição para matar mais fascistas que os tocaieiros das divisões vizinhas. Quarenta mortes resultavam na medalha “Por Bravura” e o título de “Nobre Tocaieiro”. A competição comunista, assim, extendeu-se para o campo de batalha, onde comandantes de divisão consumiam escassos recursos em seus tocaieiros, de modo a exceder as cotas. Os soldados comuns foram exortados a seguir o exemplo dos tocaieiros e matar mais fascistas usando menos recursos. O movimento tocaieiro atingiu o auge com a amplamente difundida história do duelo até a morte entre o sargento-superior Zaitsev e o major Koenig nas ruínas de Stalingrado. Eventualmente, Zaitsev foi creditado com 149 mortes. O índice mais alto foi atingido por um tocaieiro chamado Zikan, que efetuou 224 mortes. O sargento Passar do 21º Exército teve 103 mortes enquanto o “Nobre Tocaieiro” e comissário político Ilin tinha 185 mortes.

Como observado, houve um significativo crescimento no número de tocaieiros desdobrados nas unidades do exército entre 1943 e 1945. O aumento para dezoito por batalhão de infantaria não refletia tanto o crescimento do papel dos tocaieiros, quanto o rearmamento do Exército Vermelho. Até 1943, a infantaria soviética era, primordialmente, equipada com fuzil de ação de ferrolho Mosin-Nagant 1891/1930, com miras de ferro. Ele era preciso até 400 metros. O fuzil de tocaia Mosin-Nagant era preciso até 800 metros.

Durante a guerra, a União Soviética substituiu os fuzis de infantaria Mosin-Nagant com submetralhadoras. Essas forneciam excelente fogo supressivo mas, raramente, eram precisas além dos 100 metros, quando disparadas em rajadas longas ou 200 metros quando disparadas em rajadas curtas. Os assaltos do Exército Vermelho dependiam do efeito do fogo automático de metralhadoras e submetralhadoras, suprimindo o inimigo durante o avanço. Os comandantes de batalhão, no entanto, agora careciam da habilidade de engajar alvos inimigos mais profundos. Em conseqüência, fuzis de tocaia foram atribuídos para atiradores selecionados dos pelotões, para dar à infantaria a necessária profundidade de fogo. Esses elementos eram chamados “tocaieiros”, mas não eram, na realidade, utilizados como tal. Em tempos passados, eles teriam sido chamados “escaramuçadores”. As unidades independentes das RVGK, mantiveram os verdadeiros tocaieiros.
Costumo "marcar" tópicos antigos para leitura. Embora às vezes demore sempre leio; a concorrência é grande...

Os textos são todos muito interessantes, sem dúvida foram alguns dos melhores q já li no fórum :wink:.

Por sua vez estava salvando algumas fotos da Frente Oriental e encontrei duas q parecem indicar observações táticas do texto, embora a exposição talvez indique não trarem-se de tocaieiros profissionais ou sejam fotos de propaganda; ou não, não saberia dizer:


Stalingrad (USSR, c. 1942)

http://i.imgur.com/XhdiN.jpg

Soviet soldiers approach enemy. Stalingrad area
This is rare photo since it features Tokarev semi-automatic rifle SVT-40 sniper variant. Sniper SVT-40 was inferior to sniper Mosin M1891/30 in accuracy, thus it was replaced in production with obsolete and slower firing but more accurate "mosinka"



Não tenho certeza mas o rifle do primeiro soldado da foto parece ser um Mosin Nagant com mira telescópica:

Caucasian Front (USSR, 1942-43)

http://i.imgur.com/BTdaq.jpg

2nd Guards Rifle (future Taman) Division in defence in North Caucasus. For courage and soldier valour all the personnel of division was awarded with medal "For the Defence of the Caucasus"




[].




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Re: Tocaieiros alemães da Segunda Guerra Mundial

#34 Mensagem por Clermont » Sáb Dez 10, 2011 5:45 pm

VISÕES ALEMÃS SOBRE O TIRO DE PRECISÃO.

O seguinte relatório militar americano sobre o tiro de precisão alemão durante a Segunda Guerra Mundial foi originalmente publicado em Tactical and Technical Trends, No. 29, 15 de julho de 1943. Como ocorre com todas as informações de inteligência de tempo de guerra, dados podem estar incompletos ou imprecisos.

Uma fonte alemã relata as seguintes notas lidando com tocaieiros e a utilização de fuzis com miras telescópicas.

(1) Fuzis com miras telescópicas devem ser fornecidos para os melhores atiradores, independente de patente. Isso deve ser considerado como uma honra e mudanças devem ser evitadas tanto quanto possível;

(2) Fogo contínuo deve ser mantido quando na defensiva, de modo a inquietar o inimigo;

(3) Durante o ataque, o tocaieiro deve concentrar-se sobre alvos particularmente perigosos e movimentos de flanco. Ele deve estar posicionado a alguma distância de seu grupo de combate e portanto ser utilizado para observação. A combinação com morteiros e granadas de fuzil é particularmente eficaz, já que o inimigo pode ser tocaiado quando for forçado a sair de sua cobertura.

Em relação à miras telescópicas deve ser compreendido que sendo maior a magnificação, menor será o campo de visão. Uma mira telescópica com amplo campo de visão e alta magnificação não está disponível para serviço geral devido ao seu tamanho e fragilidade. Experimentos posteriores a este respeito estão, apesar disso, sendo levados à cabo. Uma mira telescópica do tipo esportivo não é adequada para propósitos militares e não pode ser manufaturada dentro de curto prazo em quantidades suficientes para ser atribuída em grandes números. A intenção é atribuir tantas miras telescópicas servíveis quanto possível, e não desenvolver apenas uns poucos instrumentos ópticos de alto-grau.

A atual mira telescópica tem uma baixa magnificação mas tem sido confirmada por unidades experimentais como prática e resistente. Quando manejada apropriadamente, é eficaz em campanha.

As miras devem ser testadas antes de serem distribuídas e, se necessário, corrigidas. Este é quase sempre o caso quando as miras são transportads por longos períodos.

Para bons resultados, algumas vezes uma forquilha para apoio é aconselhada. O alcance pode ser determinado pela utilização de traçantes; o real tiro de tocaia deve ser feito de outra posição, já que as traçantes entregam a posição original.

A intenção é dotar de uma mira telescópica cada comando de companhia e pelotão, e para cada grupo de combate. Uma insígnia especial de tocaieiros está sob consideração.

(Comentário: Isto é uma evidência do cada vez maior interesse alemão por tiro de precisão em grande escala. É sabido que os alemães tem ficado muito impressionados com os métodos de tocaia russos.)


(continua...)




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Re: Tocaieiros alemães da Segunda Guerra Mundial

#35 Mensagem por Clermont » Dom Dez 18, 2011 2:07 pm

VISÕES FINLANDESAS SOBRE O TIRO DE PRECISÃO.

(O seguinte documento alemão traduzido descreve as visões finlandesas sobre o tiro de precisão durante a Segunda Guerra Mundial. O artigo foi originalmente publicado em Tactical and Technical Trends, No. 40, 16 de dezembro de 1943.)


Os seguintes trechos de um documento alemão traduzido fornecem as visões do Estado-Maior Geral finlandês sobre os tocaieiros russos, os princípios gerais do tiro de tocaia e a defesa contra ela. A tradução alemã do documento original finlandês foi amplamente distribuída pelo Comando de Treinamento alemão e pode, portanto, ser considerada como tendo sido aprovada pelo Alto-Comando alemão. Uma prévia referência as visões alemãs sobre tiro de tocaia pode ser encontrada em Tactical and Technical Trends No. 29, p. 21.


A - TREINAMENTO E ATIVIDADE RUSSOS.

Esta seção é um sumário finlandês de informações derivadas de fontes russas pertinente ao treinamento e atividade de tocaieiros russos.

(1) Geral.

Quanto à força moral e física, o tocaieiro deve ser um combatente de primeira classe. Apenas um homem totalmente destemido e imbuído com a vontade de cumprir seu dever até o fim, pode estar á altura de tal tarefa. Durante o ataque, seu lugar é de 10 a 15 metros por trás da linha de fogo; sua tarefa seria ficar de tocaia contra oficiais e serventes de metralhadoras pesadas e leves. Na defesa, seu lugar seria, ou no chão, ou numa árvore, preferivelmente nos pontos limítrofes do setor frontal ou de flancos abertos. Sua tarefa é a aniquilação de comandantes inimigos e também de soldados prestes a executar missões especiais confiadas a eles.

Em atividade de patrulha, o lugar do tocaieiro é no centro. Quando engajado, ele se retira, ligeiramente para a retaguarda, de modo a ser capaz de selecionar melhor seu alvo.

Tocaieiros sempre atuam aos pares. Um para observar com binóculos e estimar distâncias, o outro para atirar. O contato entre eles é, ou visual, ou por sinais pré-designados. Eles são apoiados por fuzileiros. Suas posições alternativas - há várias delas - são aproximadamente 20 metros afastadas das posições de tiro. De primordial importância na seleção das posições são o campo de tiro e a camuflagem.

De modo a ser capaz de determinar a localização e a natureza do alvo inimigo por meio de umas poucas (muito freqüentemente, mal discerníveis) indicações, o tocaieiro deve possuir um sentido de vigilância e faculdade de observação altamente desenvolvidos.

Conta-se que no tempo de inverno, um tocaieiro descobriu um adversário pelo seu hálito visível por trás de uma rocha ou arbusto, e outro por detrás de uma árvore, quando alguns passarinhos recolhiam farelos de pão jogados pelo soldado no terreno.

Especialmente na defensiva, o tocaieiro deve possuir paciência e tenacidade. Ele, com freqüência, tem de observar por horas a fio, pela aparição de um observador inimigo numa seteira de uma casamata, ou o movimento descuidado que trai a posição numa trincheira.

O combate contra o inimigo é contínuo e decidido por aquele que faz o primeiro movimento descuidado ou dispara o primeiro tiro prematuro.

A natureza independente de sua atividade, a necessidade de saber como tirar a melhor vantagem da cobertura e ocultação, e como adaptar-se as constantes (muito freqüentemente, rápidas) mudanças de condições, tornam um pré-requisito o meticuloso treinamento do tocaieiro em táticas.

Ele deve ser capaz, em todas as situações, de tomar uma rápida decisão sobre qual dos alvos inimigos tem de ser eliminado primeiro. Com freqüência, ele está inteiramente por sua conta, lutando sem contato com seu posto de comando.

O tocaieiro precisa ser meticulosamente versado na arte da camuflagem. Além disso, a utilização de tabelas de disparo, o cálculo de erros, a elaboração de rascunhos de mapas, pressupõem uma quantidade suficiente de escolaridade.

(2) Recompletamentos.

Considerando o fato de que a luta contínua, com freqüência debaixo de severas condições, cobra um elevado tributo, tanto de energia e capacidade mental e física, atenção especial deve ser prestada as adequadas alimentação, vestuário e descanso dos tocaieiros.

O treinamento de novos tocaieiros deve ficar nas mãos dos tocaieiros experimentados, e deve ser conduzido nos dias em que os últimos estejam livres de dever de linha de frente.

(3) Atividade de reconhecimento.

Para o reconhecimento, os tocaieiros devem ser empregados, unicamente em suas próprias tarefas. Eles são apenas anexados a destacamentos de reconhecimento de tamanho médio e aos pares.

Quando o destacamento de reconhecimento avança, os dois tocaieiros seguem o corpo principal e observam alvos distantes. Algumas vezes, mostra-se vantajoso utilizar os tocaieiros como elo de ligação entre patrulhas, empenhando-os na direção de onde espera-se que o inimigo apareça. Desta maneira, eles prestam apoio aos ponteiros das patrulhas e limpam o caminho para eles.

Durante o combate, os tocaieiros assumem posições de onde possam, ativamente, influenciar o desenvolvimento do engajamento. Enquanto um seleciona alvos móveis, o outro tenta colocar ninhos de armas inimigos fora de ação.

Após terem feito um reconhecimento pessoal do terreno local, os tocaieiros mudam de posição continuamente, desta forma iludindo o inimigo sobre seu paradeiro.

Quando rompendo contato com o inimigo, os dois tocaieiros podem ser usados juntamente com atiradores de armas automáticas, como elementos de segurança. Entretanto, deve ser tomado cuidado, neste caso, para posicionar os tocaieiros um pouco afastados, já que o fogo de armas automáticas atrairá o fogo do inimigo.

(4) O Ataque.

Para o ataque, os tocaieiros devem ser primordialmente empregados para selecionar os alvos inimigos que mais obstruam o avanço. Melhores resultados são obtidos se eles operarem no flanco.

Tocaieiros não apenas devem receber instruções claras quanto as suas próprias posições e tarefas durante o avanço, mas também devem estar familiarizados com o plano e o objetivo da unidade.

No ataque, tocaieiros concentram-se especialmente na eliminação de oficiais inimigos; homens dirigindo o fogo inimigo; atiradores de armas automáticas e elementos antitanque. Se eles não obtiverem sucesso em silenciarem tais objetivos, deverão indicar a posição destes por meio de traçantes, para metralhadoras, morteiros ou canhões antitanque amigos, e movimentarem-se sem atraso para posições alternativas.

Em caso de contra-ataque inimigo, os dois tocaieiros organizam suas atividades como se segue: um destrói as armas inimigas, o outro o potencial humano inimigo, especialmente oficiais, atiradores de armas automáticas e atiradores de precisão.

A atividade de tropas de choque amigas deve ser apoiada por dois a quatro tocaieiros. Impactos bem-colocados nas seteiras de tiro inimigas permitem às tropas de choque forçar o caminho para dentro dos embasamentos inimigos.

(5) A Defesa.

As posições de tiro dos tocaieiros variam com a situação e distância do inimigo. Durante um engajamento, os tocaieiros são posicionados na linha de postos avançados ou até mesmo movidos para ainda além. Se a luta é travada a uma curta distância apenas, eles podem ser movidos para atrás da Linha Principal de Resistência, contanto que aí existam colinas ou elevações com comandamento.


B - OBSERVAÇÕES FINLANDESAS.

Esta seção detalha a experiência de combate finlandesa contra tocaieiros russos.

(1) Organização Inimiga.

Os principais fatores contribuindo para a eficácia da atividade dos tocaieiros inimigos são, primeiro: uma boa arma (fuzil com mira telescópica) e segundo, o uso concentrado de tocaieiros em tão grande número quanto possível. É verdade que o contingente de tocaieiros de uma companhia de fuzileiros consiste somente de 3 a 5 homens (antigamente, apenas 2) mas a isto foram acrescentados os atiradores de precisão enviados à frente, em apoio, pelas formações de retaguarda. Enquanto estas reservas tomavam parte no confronto e ofereciam um boa luta para fazerem um nome para si próprias, uma grande parte de sua glória ia para os tocaieiros das unidades na linha.

No concernente ao número e posição dos tocaieiros não havia qualquer regras fixas. Recentemente, tocaieiros tem, normalmente, trabalhado em pequenos grupos (4 homens); entretanto, cada homem tem seu próprio posto que ele abandona dentro de certo tempo para mudar-se para outro.

(2) Posições Fixas.

Os fatores determinantes controlando a atividade de tocaieiros variam naturalmente, de setor a setor, mas, em geral, pode ser salientado que o inimigo, muito acertadamente, tira vantagem das condições locais e, constantemente, mantém em mente que o segredo do esconderijo do tocaieiro é da mais fundamental importância.

Normalmente o tocaieiro assume sua posição num abrigo bem-camuflado ou outra posição coberta, conectada com a trincheira. Entretanto, há também casos onde tocaieiros tem sido observados em posições abertas.

As posições cobertas e abrigos são dotados com uma ou várias seteiras para armas leves. O rosto do tocaieiro não pode ser visto, e no inverno apenas a aparição de um pequeno bafo de neve na frente da seteira de tiro trai o fato de que um disparo foi efetuado.

Quando operando de um abrigo, o tocaieiro faz mira para os lados das direções de tiro ordinárias, provavelmente para iludir o inimigo ou para fornecer cobertura para si mesmo. Em um caso, tocaieiros parecem ter sido postados no fundo do abrigo ou posição coberta, disparando através das aberturas na parede da frente. Isso parece ter sido corroborado pelo fato de que, algumas vezes, nenhum som do disparo era perceptível.

Quando postados numa trincheira, o tocaieiro observa através de uma seteira de tiro, muito pequena, difícil de encontrar, no parapeito. De vez em quando eles tem sido vistos postados na frente ou detrás de uma trincheira, até mesmo em cima do teto de abrigos, provavelmente para assegurar um campo de fogo suficiente em terreno baixo. Em noites de luar, tocaieiros tem sido observados na terra-de-ninguém. Iluminantes foram então disparados para clarear os alvos.

Casas e destroços fornecem aos tocaieiros excelentes locais de ocultação, portilholas em sótãos e porões sendo utilizadas como aberturas de tiro. Também, pela remoção de alguns tijolos, fendas para observação e disparo tem sido criadas. Tocaieiros também tem escondido-se em pilhas de madeira. Durante o verão, vários tocaieiros foram derrubados à bala de árvores. No inverno, entretanto, árvores tem sido evitadas por eles.

Os tocaieiros russos parecem executar suas tarefas com extraordinária paciência e tenacidade, e parecem ter excelente material à sua disposição. Isto pode ser concluído do fato de que eles foram capazes de discernir, até mesmo o menor movimento à grandes distâncias e que eles concentraram seus esforços apenas sobre alvos bem-selecionados, seguros e visíveis. Geralmente falando, eles estavam interessados apenas em alvos seguros. Também a cooperação entre vários tocaieiros parece ter sido tranqüila e a alocação de diferentes fases de trabalho, bem organizada.

Ao que parece, às vezes dois tocaieiros vão atrás do mesmo alvo, pois ocorreu que dois homens, caminhando lado-a-lado, foram atingidos quase ao mesmo tempo. Em outra ocasião, um de nossos tocaieiros [finlandês] estava assestando a mira contra seu oponente, quando o tiro de outro tocaieiro inimigo fez seu fuzil em pedaços. O parceiro do tocaieiro não apenas executa a observação, mas também a dissimulação do inimigo. Ele tenta por todos os meios concebíveis, atrair vigias e guardas de sua cobertura protetora.

Tocaieiros inimigos tem utilizado munição do tipo "dum-dum", que torna ainda mais difícil a localização do ponto de onde foi disparado o tiro, e mais fácil para o inimigo observar um impacto.

(3) Tempo da Atividade.

As atividades dos tocaieiros inimigos tem sido mais viva em dias brilhantes, ensolarados; e no inverno depois de nevascas quando montes de neve cobriam as trincheiras defensivas e de comunicações. Também pequenas quedas de neve e o crepúsculo eram selecionados pelos tocaieiros inimigos para incrementarem suas atividades, pois então os nossos homens moviam-se, algo descuidadamente, porém as miras telescópicas do inimigo ainda ofereciam uma visão clara o bastante para assegurar um acerto. Também aproveitavam nosso horário de refeição quando - de novo - nossos homens afrouxavam sua vigilância. Na parte do dia, os tocaieiros preferiam, em geral, as manhãs e o meio-dia.

(4) Alcance e Desempenhos.

Dependendo da distância entre as linhas, os alcances iam de 90 a 800 metros, mas ocasionalmente, tocaieiros inimigos tentavam disparos além de 1.300 metros. A distância normal e mais efetiva é de 180 a 360 metros, mas mesmo entre 550 e 650 metros a precisão de fogo tem sido bem satisfatória.

A prontidão e velocidade de tiro tem sido boas, mesmo sobre alvos em movimento, uma prova, por um lado, de meticuloso treinamento, e de outro, da indispensabilidade da mira telescópica.

A velocidade e precisão de tiro deram margem à suspeita de que tocaieiros postados em edificações faziam uso de auxílios especiais. A precisão do fogo pode ser ilustrada pelos seguintes exemplos:

A 180 e 360 metros, vários telescópios estereoscópicos e periscópios foram reduzidos a pedaços. Um tocaieiro alvejou uma pedra que havia sido colocada numa seteira de observação, três vezes em rápida sucessão.

Quando um de nossos comandantes de pelotão de metralhadoras levantou sua mão, apenas acima do muro de neve, para reparar o fio de alarme, ela foi alvejada por um tocaieiro russo atirando a 90 metros. Um tocaieiro foi atingido várias vezes através de uma seteira de observação, aberta no muro de neve com um bastão. Vários objetos erguidos por nossos homens acima do parapeito, como teste, eram atingidos, em geral. Também aconteceu que observadores finlandeses por trás de periscópios, foram alvejados através do muro de neve.

(5) Dissimulação.

Tocaieiros inimigos faziam uso, entre outros, dos seguintes métodos de dissimulação:

De modo a induzir nossos homens a se tornarem relaxados em sua vigília, eles deixavam uma posição em nossa linha abandonada, até oito dias.

O parceiro do tocaieiro joga neve de um poço, por algum tempo, então levanta um capacete acima do parapeito, ou um tocaieiro coloca um capacete visivelmente numa seteira de tiro, e então abre fogo de uma posição alternativa. Um tocaieiro assume uma posição por trás de uma rocha, então outro movimenta um boneco completamente equipado, para frente e para trás, numa trincheira. Ao abrir pesado fogo num certo setor, o inimigo tenta confundir nossos homens e os leva a expôr-se. Longas rajadas de fogo de armas automáticas tem sido utilizadas para o mesmo propósito.


C - CONTRAMEDIDAS FINLANDESAS.

A maioria das perdas para o fogo de tocaieiros inimigos foi provocada por falta de cuidado, utilização inepta de cobertura e ocultação, utilização de capas e coberturas de neve sujas, ou pela falta de utilização de quaisquer trajes adequados, afinal de contas, que concedessem proteção contra a detecção num dado terreno.

As perdas são um fato comprovado, e os soldados precisam ser forçados a fazer de tudo em seu poder para impedir as atividades dos tocaieiros.

As seguintes contramedidas podem ser utilizadas entre outras:

(01) Movimentos cuidadosos e tirar vantagem total do terreno na zona de perigo;

(02) A melhor camuflagem;

(03) Suficiente profundidade das trincheiras e sinais apropriados de perigo nelas;

(04) Barras colocadas atravessando as trincheiras para forçar os homens a caminhar com o corpo dobrado;

(05) Uso de capas de neve;

(06) Uso de trajes completos de neve limpos na linha de frente;

(07) Cuidadosa seleção das posições de fogo e seu meticuloso reforço (placas de aço, sacos de areia) e camuflagem;

(08) Freqüentes mudanças de pontos de observação;

(09) Evitar abrir fogo desnecessariamente de postos de observação e a aplicação de vários métodos de dissimulação;

(10) Intensificação de nossa própria atividade de tocaieiros pela utilização, por exemplo, de tocaieiros adicionais das tropas de reserva;

(11) Liberar tocaieiros de outros deveres e continuar seu treinamento, em especial com vistas a aperfeiçoar sua precisão de fogo;

(12) Utilização organizada de outras armas contra tocaieiros que não possam ser eliminados pelos nossos próprios tocaieiros.




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Re: Tocaieiros alemães da Segunda Guerra Mundial

#36 Mensagem por Clermont » Sáb Out 12, 2013 11:35 am

KLAVDIIA KALUGINA.

Entrevista: Artem Drabkin; tradução para o inglês: Oleg Sheremet - http://english.iremember.ru.

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Meu nome é Klavdiia Efremovna Kalugina. Nasci em 1926. A guerra começou quando eu tinha 15 anos. Eu fui trabalhar na fábrica de munições "Respirator" em Orekhovo-Zuevo. Quando a guerra começou, precisávamos de cupons de racionamento de rações, que dava 700 gramas de pão. Portanto, fui trabalhar lá, ingressei na Konsomol (União da Juventude Comunista). Nos dias de folga do Konsomol, exigia-se que os membros assistissem aulas para nosso ensino secundário. Eles estavam preparando-nos. Mais tarde, quando acabamos a educação secundária, eles informaram que uma escola para tocaieiros tinha sido inaugurada. Muitos voluntariaram-se para cursá-la, e eu também fui, com apenas 17 anos. Isso foi em junho de 1943, eu era a mais jovem na escola. Todo mundo tinha 18, e eu 17. Eles pensaram, deviam mandar-me embora ou não? Decidiram que se eu não ficasse para trás, deixariam-me na escola.

Começamos a construir uma raia de tiro. Eu não era de família abastada. Eu tinha rachado lenha e carregado água, estava acostumada com essas coisas, portanto trabalhei bem. Deixaram que eu ficasse, até mesmo me deram licença para visitar minha casa. Quando começaram a nos ensinar a atirar, eu não conseguia. Eu atirava e tudo que eu atingir era "leite" (jargão russo denotando um erro completo). Então Zinaida Adreevna Urantseva, nossa comandante de grupo, começou a praticar comigo, individualmente. Ela ensinou-me a atirar direito. Eu graduei-me na escola, e aqueles que graduaram-se com bons índices ganharam presentes americanos. Minha parceira de tocaia era Marusia Chikhvintseva, de Izhevsk, Udmurtia. Éramos amigos. E assim, nos enviaram, muitas moças, para a frente, e 1º de março de 1944.

Esta escola tinha sido inaugurada em 1942?

Sim, o Tsk Konsomol (Comitê Central) organizou essa escola. Uspenskaia submeteu nossos documentos para o Tsk Konsomol. O chefe da escola era Kolchak, um Herói da União Soviética. Nikiforova era o comissário político. Todos os estudantes eram fichados, e tinham notas abaixo de seus nomes dizendo com quem viviam, dados pessoais.

Parece que o programa de estudos levava um pouco menos do que um ano, nove meses?

Sim. Nós viajávamos em vagões de gado, com fogões. Eles não podiam nos levar o caminho todo até o frente, então nos descarregaram. Estava ocorrendo uma tal tempestade de neve, eles nos deram um caminhão para nos levar até a frente, para um regimento de reserva. Um caminhão! Então, chegamos lá. Eu não lembro quanto tempo levou, um dia, dois, três. Foi a muito tempo atrás. Eles nos deram coberturas camufladas. Nós enrolamos bandagens ao redor de nossos fuzis. No início da manhã, nos deram alimentação e sanduíches para levar conosco: pão e salsichas americanas. Esse era o jantar inteiro! E fomos para as trincheiras. Tudo estava amontoado de neve, todas as trincheiras de comunicações. Tínhamos de rastejar. Provavelmente, havia umas doze de nós, e Nadia Loginova (ela seria ferida mais tarde), rastejou na direção dos alemães até a terra de ninguém, que estava minada. Era só o primeiro dia - estávamos com tanto medo! Gritamos alto: "Nadia! Nadia! Aqui, aqui!" Ela voltou e continuamos nosso caminho. Alcançamos certa trincheira e ela estava toda coberta de neve. Esta estava caindo provavelmene durante vários dias. Os alemães estavam fora, no aberto, limpando suas trincheiras. Provavelmente você poderia matar até uma dúzia de alemães naquele dia. Mas, veja, matar um ser humano pela primeira vez! Nós tínhamos diferentes pessoas, uma era dos partisans - Zina Gavrilova, outra, a secretária de nossa organização Konsomol - Tania Fedorova. Marusia Chikhvintseva e eu apenas observamos. Simplesmente, não podíamos apertar o gatilho, era difícil. Mas os outros abriram suas contagens. E quando retornamos ao nosso abrigo de noite, começamos a contar umas às outras nossas experiências, Marusia e eu não pudemos dizer nada, e apenas ficamos nos recriminando durante a noite toda: "Covardes! Covardes!" Por quê viemos para a frente?" Estávamos irritadas. Por quê elas abriram suas contagens e nós não? E, assim, o dia seguinte chegou. Os alemães tinham um parapeito e uma seteira para os soldados e uma banqueta para uma metralhadora. Então, um alemão estava limpando este embasamento de metralhadora. Eu disparei. Ele tombou, e eu fui puxada para trás, pelos pés. Era meu primeiro alemão. Depois, ambos, nós e eles, limpamos a neve durante a noite. A neve derreteu rapidamente, então ficou quente.

Em certo lugar tinha um lago. Os alemães iam lá se lavar, até mesmo de roupas de baixo. Então, Zina Gavrilova disparou e alvejou um. E os alemães pararam de tomar banho. Nós já estávamos na defensiva, era verão, maio ou junho e nem todo mundo montava guarda nas suas seteiras, porque não havia movimento nenhum entre os alemães, ou entre nós. Nós vigiávamos durante o dia, e os soldados vigiavam durante as noites, então dormiam durante o dia. E assim, Marusia e eu colocamos nossos fuzis numa seteira e vigiamos as defesas alemãs do parapeiro. Mas os alemães também puseram um tocaieiro para nos vigiar. Então, eu estava de guarda, observando durante meu turno (porque os olhos ficavam cansados), e Marusia disse: "Deixe-me assumir a vigia, agora." Ela levantou, era um dia ensolarado, e ela, aparentemente, movimentou as lentes. Assim que se levantou, ela foi alvejada e tombou. Oh, como eu chorei! O alemão estava a 200 metros de distância de nós. Eu gritava tão alto que podia ser escutada em todas as trincheiras, os soldados correram: "Quieta, quieta, ou eles vão abrir fogo de morteiro!" Mas como eu podia ficar quieta? Ela era minha melhor amiga. Nós sentávamos juntas até o anoitecer e eu continuei chorando o tempo todo. Então, nós a sepultamos. Eu lembro que havia muitas flores campestres. Estávamos em Orsha, na 3ª Frente Bielorussa. Mais tarde ela foi exumada para Mogilev, onde tinha nascido. Mais tarde, Nadia Lugina também foi ferida entre nós. Minha segunda parceira também se chamava Marusia, seu sobrenome era Guliakina.

Nós ficamos na defensiva durante o verão inteiro: as frentes a nossa volta estavam todas na ofensiva, e nós tínhamos uma tal sólida defesa. Mas, certo dia (não lembro a data, mas não era agosto: talvez junho ou julho), eles nos enviaram para posições avançadas no começo do dia. Houve um bombardeio de artilharia, inlcuindo "Katiushas". Quando um destes disparava, o uniforme farfalhava nas suas costas. Então, os soldados atacaram. Batedores abriram passagens nos campos minados. Os soldados estavam atacando e nós carregavámos os feridos para fora. Uma vez, eu lembro, nós recolhemos um certo oficial, ele tinha uma pequena maleta. Nós não tínhamos dormido ou comido desde as quatro da madrugada. Eu disse a ele: "Jogue fora a maleta", o que poderia haver nela? Ela era pesada para arrastar com ele! "Não jogo, não me levem, se não querem carregar a maleta." Bem, nós o carregamos, o que podíamos fazer? Só depois da guerra eu descobri que havia um pequeno violino naquela maleta. Ele não queria abandoná-lo, contou-me quando nos encontramos. Já era noite, mas os alemães não podiam ser desalojados de suas trincheiras. Eles disseram para nós, as moças, para irmos lá também, junto com motoristas e habitantes locais. Por quê? Nós alcançamos a trincheira, mas não pudemos fazer coisa nenhuma. Já estava escurecendo. Restaram poucas pessoas, apenas as moças e os motoristas. Eles nos disserem para pegar todos os feridos que pudéssemos carregar e voltar para nossas trincheiras. Não pudemos levar todos porque não havia muitos de nós. Os alemães acabaram com aqueles que ficaram. Eles gritaram tanto! - eles foram baionetados até a morte. Eles nos deixaram em nossas trincheiras durante a noite toda. Todos os camposo minados estavam limpos na nossa frente. Eu fiquei de guarda lá, não podia ver nada. Outros também estavam de guarda, mas eu não podia vê-los. Eu fiquei tão cansada por volta das 04:00 da madrugada, não podia agüentar mais. O comandante de pelotão, tenente Maskumian caminhava de uma garota até a próxima, checando. Onde tinha sido o campo miando, foi colocado arame farpado com várias latas, se qualquer coisa se mexessem, elas fariam barulho. Mas agora nada podia ser escutado. E se os alemães atacassem de noite?

Pela manhã, recebemos reforços - bielorussos. Outro bombardeio, e todo mundo atacou. Alcançamos a trincheira alemã, mas estava vazia. Nós os tínhamos desgastado tanto que saíram de noite. Nós mal os caçamos de perto até o Dnieper. Quase conseguimos alcança-los. Estávamos de um lado e os tanque do outro. E de um lado, onde havia centeio e um monte, metralhadores e tocaieiros estavam disparando, não nos deixando levantar nossas cabeças. Nosso comandante de regimento era Leonid Vediukov.

Qual era o regimento?

Regimento 1156, Divisão 344 de Fuzileiros, 33º Exército. Então, Verdiukov disse: "Acabem com eles." Havia, talvez, umas doze de nós, nós fizemos mira e, é claro, os eliminamos. Nossos soldados foram capazes de atravessar para o outro lado. Nós atravessamos no último bote, ele emborcou e caímos na água. Os soldados disseram: "Garotas, nos dêem seus fuzis, vamos puxá-las para fora!"

Não, eu não contei tudo. Aquela colina. Nós a atacamos. Então, fomos aferrados por aquela metralhadora e o tocaieiro. O chefe do estado-maior do regimento, Aleksei Kitaev, estava perto de mim. Ele tinha um quépi com uma bandana brilhante. Eles o acertaram logo no começo. Ele caiu. Nós fomos instruídas de que, antes de atirar, deveríamos retirar os feridos. Eu rastejei para um soldado atingido, ele tinha um ferimento no estômago. Eu começei a arrastá-lo, mas os intestinos dele, imediatamente, sairam para fora. Eu não sabia o que fazer com eles, então disse: "Eu vou trazer um socorrista." E rastejei para outro ferido, porque não podia fazer nada com aquele primeiro. E estava tão quente! Ele já estava ficando preto. Mais tarde, quando nos encontramos, Zina Gavrilova contou-me: "Eu rastejei para um soldado ferido, seus intestinos estavam para fora. Ele agarrou minha mão e ficou rígido. Achei que não ia conseguir puxar minha mão de volta. E ele, provavelmente, diria: uma já foi embora, e a outra também não vai me levar. Ele morreu, então rastejei até outro, e ele também morreu." Nós atravessamos para a outra margem. Nosso comandante de regimento, Verdiukov, estava espancando um alemão grande, um jovem. Perguntamos: "Por quê está batendo nele?" Ele disse: "Ele era meu vizinho, ele é um vlasovita (*renegados russos que passaram a servir aos alemães, sob comando de um general capturado pelos alemães, Vlassov). Ele o matou. Fedorova foi ferida, Irina Gracheva foi ferida - muitas moças, eu já esqueci os nomes delas. Restaram poucas de nós. Marusia Guliakina foi ferida novamente. Eu estava abalada pelas granadas, mas não fui até os médicos, porque havia sangue por todo lado, meu uniforme estava perfurado em muitos lugares, estava surda. Eu pensei: "Por quê eu iria, que podem eles fazer por mim: Há pessoas sem pernas, sem braços, cobertas de sangue, por quê eu iria?" E eu não fui.

Então, fomos em frente. Alcançamos território polonês, e lá, vimos que não estávamos cercando, mas sim estávamos cercados. Nós, calmamente, saímos deste cerco. Nós amarramos nossas ferramentas de sapa, latas de ração, tudo junto, para que não fizessem barulho. Nós saímos do cerco, então fomos transferidos para a Frente de Leningrado. Não posso lhe dizer quantos quilômetros, mas nós marchamos durante um longo tempo. Aviões alemães estavam bombardeando. Houve tantos duelos aéreos acima de nós, certa feita!

Não havia lugar nenhum para se dormir, nós dormíamos no chão. E a cama, bem, Marusia e eu colocávamos nossas jaquetas acolchoadas debaixo de nós. Todo mundo estava congelando. Um tocador de acordeão, um dia, disse: "Por quê todas vocês não dançam para ficarem aquecidas?"

Quando encontramos uma casa, estava totalmente vazia. Todo mundo imediatamente se deitou, mas não havia espaço nenhum para mim. Havia uma gamela, uma pequena, utilizada para cortar repolhos. Minhas escolhas eram, ficar no lado de fora, no segundo andar, ou na gamela. Eu deitei na gamela: eu era pequena (1,57 m de altura) e magricela. Era desconfortável. Eu esticava minha perna, alguém a empurrava de volta, esticava meu braço, alguém empurrava de volta. O sono não vinha, mas eu queria dormir de qualquer maneira. De manhã, alguém foi embora, então eu mergulhei no lugar vago. Dormi por algum tempo, então tivemos de nos levantar.

Alcançamos o Mar Báltico. Tinha um navio em chamas. Ele queimou por um longo tempo. Um navio alemão. A defesa alemã seguia ao longo do Mar Báltico. Não havia uma terra-de-ninguém. Então, atacamos, os soldados da companhia penal foram primeiro. Os corpos deles ficaram espalhados por todo o campo. Quando o vento soprava do campo, você nem podia respirar. Aí, aconteceu a ofensiva em Königsberg, e nós a capturamos. Então, entramos na defensiva. Não participamos do combate aí, apenas na defensiva. Em geral, espera-se que um tocaieiro atue apenas na defensiva. No fim da guerra, eles não nos levaram mais.

Então, acabou a guerra, PGs alemães marchavam durante vários dias, em formação. Enquanto estávamos nas trincheiras, não faziamos nada. Eles apenas nos davam comida. Então, eles nos transferiram para uma floresta, lá havia disciplina. Não tínhamos nada para fazer, então, nos mandaram construir caminhos na floresta, com pequenos marcos, para que ficássemos ocupadas o dia inteiro.

O que lhe ensinaram na escola?

Eles nos ensinaram táticas, como atirar, como se camuflar. Também balística, como a bala voa. Onde ela voa, onde ela atinge... Eu já esqueci tudo.

Duplas de tocaieiros eram formadas na escola?

Na escola. Ao chegarmos como civis, Marusia Chkhvintseva e eu ficamos próximas, e assim nos tornamos parceiras.

E vocês treinaram como parceiras?

Sim.

Ao que parece, o grupo inteiro era enviado para um setor da frente?

Não. Muitas de nós foram graduadas, não posso dizer quantas, mas eles nos enviaram para todas as frentes.

Mas seu grupo era constante? Vocês tinha seis duplas, certo?

Cerca de doze de nós, seis pares. Simultâneamente. Um grupo de combate tinha dez soldados, mas havia mais de nós.

Qual foi o total de alemães que você matou?

Não lembro, os alemães mortos em batalha não eram contados, apenas na defesa.

Como você contava as mortes?

O comandante em cuja trincheira você estava escrevia uma nota. E nós voltávamos com ela.

Então, não era claro, quando vocês apenas os feriam?

Sim, podia acontecer, mas nós contávamos como mortos.

Então, se ele tombava, isso era uma morte?

Sim. Como você iria checar?

Qual era a distância padrão na qual você atirava? Ou uma ótima?

Bem, o que dizer? O fuzil podia acertar até dois quilômetros em linha reta. Mas você podia observar até 800 metros. Na escola, nós atirávamos a 200 e 300 metros. Havia prática de tiro ao alvo noturno. Diferentes formas de tiro.

Mesmo de noite?

Mesmo de noite.

Você atirou de noite na frente?

Não.

E com luar?

Não. Tão logo alvorecia nós entrávamos em posição, tão logo escurecia, voltávamos. Não permanecíamos nas trincheiras, mas no posto de comando do regimento.

Quantos tiros você efetuava de uma posição?

Um. Você não podia disparar dois.

Ou você seria morta?

É claro!

Portanto, na prática isso poderia significar um tiro por dia?

Sim, se você matasse, de outra forma, você poderia até não dar nenhum.

E os parceiros estavam sempre próximos um do outro?

Sim, ao alcance do braço. Juntos o tempo todo. Alguns saíam para fora das defesas, mas nós não. Por quê? Porque os campos minados tinham de ser limpos, e isso er muito difícil e perigoso para os sapadores. Então, de novo, nós permanecíamos como soldados à luz do dia, enquanto os soldados estavam descansando. Havia cinqüenta soldados numa trincheira. Dez deles, não mais, montavam guarda à noite.

Estes eram postos avançados?

Sim.

Então, você atirava das trincheiras dos postos avançados?

Sim.

E aqueles que você matava durante um ataque não eram contabilizados?

Não. Nem mesmo se esperava que participássemos nos ataques. Mas nós participávamos.

Você lidou de alguma forma com aquele tocaieiro que matou sua parceira?

Como poderia lidar com ele? A ofensiva começou imediatamente depois. Nós a sepultamos, então a ofensiva começou. Talvez nós o tenhamos pego, mas tinhamos outras preocupações. Eu estava tão transtornada, foi muito duro para mim.

O que mais era importante, além de excelente pontaria, para ser bem sucedido?

Camuflagem! Você tinha de se esconder muito bem. Eles realmente nos apertaram na escola por causa disso. Algumas vezes você podia se sentar, mas seu corpo inteiro podia ser visto. Você tinha de se camuflar para não ser visto. Misture-se com o ambiente. Quando chegamos durante a nevasca, eles nos deram coberturas especiais.

E no verão? Sua camuflagem mudava?

Camuflagem verde. Não havia nenhuma malhada. Eles nos deram calças e túnicas verdes. Nós sempre usávamos calças, não saias. Calças brancas no inverno, calças verdes no verão.

Você usava binóculos?

Não, apenas a mira óptica.

Mas a mira não oferecia um bom campo de visão.

Você podia ver até 800 metros muito bem. Você podia sentar lá, sem se mexer, senão, você seria percebida. Um tocaieiro ficará deitado, calmamente, e verá até a distância de dois quilômetros, com 800 metros de largura. Ele observará tudo. Quando eu ficava cansada, eu dizia, "Marusia, acabei," - ela começaria a observar. A tarefa do tocaieiro era eliminar comandantes, embasamentos de metralhadoras, mensageiros que estariam correndo por lá. Eles também tinham de ser eliminados. Soldados não necessariamente, principamente oficiais, comandantes. Você dispararia um tiro, baixaria o fuzil e ficaria lá, deitada. Você esperaria até que sua parceira disparasse o tiro dela. Quando escurecia, nós saíamos de nossa posição. Durante o dia, caminhávamos em volta, buscando um bom ponto para deitar no aguardo. Algumas vezes, selecionávamos um ponto em frente a nossas trincheiras. Após escolher um ponto, assumíamos posição quando estava escuro. Então, ficávamos lá, sem mexer um músculo, até a noite seguinte, porque você não podia rastejar para longe à luz do dia. Se ocorresse um ataque, era diferente, então você se levantava e corria. De outro modo, você ficaria deitada naquele ponto até o fim.

Você tinha granadas de mão?

Sim. Nós carregávamos duas granadas no cinturão. Uma para os fascistas, uma para nós mesmas, para que você não fosse capturada pelos fascistas. Era necessário. Certa vez, os alemães atacaram nossa trincheira e pegaram algumas moças como prisioneiras, e as mataram lá. Eles mataram Klava Monakhova. Somente um soldado sobreviveu.

Você disparava com vento cruzado?

Sim, éramos treinadas para isto. E disparávamos em alvos em movimento, também. Coisas diferentes. Alguns atiravam, outras descartavam estes alvos.

Você tinha de ficar na neve?

Sim. Na escola, havia uma boa trincheira e uma pequena. Deus o livrasse de ser enviada para esta, você ficaria lá o dia inteiro na neve. Depois de voltar, você literalmente, arrancava as meias dos pés. O pé de todo mundo doía. Na frente, nós também deitávamos nos pântanos. Próximo a Leningrado, havia apenas pântanos.

Você tinha um fuzil regular Mosin?.

Sim, um fuzil de "três linhas" (medida russa: uma linha= um décimo de polegada; 3 linhas = .30 pol ou 7,62 mm) com baioneta. Um fuzil regular. Sempre com uma baioneta e uma mira óptica.

Por quê a baioneta?

Apenas para imprevistos, se você fosse para o ataque. Uma ferramenta de sapa, equipamento de rancho, duas granadas, munição, conjunto de primeiros-socorros.

Qual foi o alvo mais distante que você atingiu?

Próximo ao Dnieper, um metralhador e um tocaieiro.

Qual a distância?

Através de um campo, eles estavam sentados num barracão. Provavelmente, um quilômetro, se não mais. Um alvo poderia ser atingido até dois quilômetros.

Vocês eram anexadas a um regimento? Um grupo de tocaieiros era anexado a um regimento?

A um regimento. Nos davam uma trincheira. Este era o lugar onde ficávamos até a ofensiva começar. Numa área designada.

Qual era o sentido nisso? Se vocês não podiam ocupar a mesma posição?

Havia um bocado de espaço lá. Nós tínhamos 500 metros, e havia duas de nós.

Vocês podiam ser transferidas de um regimento para outro? Ou isso não acontecia? Sempre com o mesmo regimento?

Acontecia. No começo, todas nós ficamos num único regimento, o 52º, mais de trinta tocaieiros. Depois, doze permaneceram no 52º, doze no 54º e doze no 56º. Eles nos dividiram por grupos.

Existiam tocaieiros nos pelotões de fuzileiros, como parte do Quadro de Organização e Equipamento?

Sabe, somente um na Frente de Leningrado, em Königsberg, eu lembro dele - Aleksei (não lembro o sobrenome), um homem. Nós fomos levadas até lá, ele estava sozinho. Não, havia outro georgiano, e um outro, de Smolensk? Havia quatro homens em Leningrado.

Eles eram tocaieiros permanentes do regimento?

Sim. Autodidatas.

Quais eram suas relações com a população local?

Depois de cruzarmos o Niemen nós, moças, estavamos caminhando. Havia um marido e sua esposa caminhando na nossa direção, eles pareciam velhos então, mas agora, eu diria que eram jovens, cerca de 50 anos, carregavam leite. Eles fizeram gestos para nós bebermos. As garotas recusaram, e se estivesse envenenado? Eu fiquei incomodada por estarmos recusando, eles estavam oferecendo de coração. Então eu disse: "Eu vou beber." E bebi o leite, e nada aconteceu comigo. Em Königsberg, fomos convidadas por alguém, eles puseram uma linda mesa para nós. Mais tarde, fomos convidadas de novo, e comemos uvas com leite.

Vocês tomavam troféus?

Vou contar sobre troféus. Próximo a Smolensk, você podia sair de noite, havia o cheiro de cinzas e só as chaminés estavam de pé. E de dia, era quente em julho. Se houvesse trapos ao redor, nós tirávamos nossas botas, jogávamos foram nossas suadas e manchadas meias, pegávamos algo adequado, colocávamos e íamos em frente. Era difícil carregar o que tínhamos, nós mal conseguíamos andar por nós mesmas, que troféus? Nossos batedores algumas vezes nos davam chocolate. Não só davam, uma vez montaram uma mesa inteira, havia todo tipo de chocolate. Eles capturaram algum depósito e nos convidaram. Nós entupimos com aquele chocolate.

Uma vez, recebi uma encomenda durante a guerra. Ela tinha sido mandada para mim, por algum motorista. Eu esqueci como. O comandante tirou o álcool, mas me deu o resto. Eles removiam a vodka de todos os pacotes, e davam o restante para as garotas. Havia comida nela.

Havia pressentimentos, superstições na frente?

Minha amiga Marusia Chikhvintseva teve um pressentimento. Ela não queria ficar de vigia. "Eu não quero ir, não posso ir hoje." Mas ela não foi até o comandante para pedir que não a mandasse ir. E acabou morta. Eu vivo por ela, agora.




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Re: Tocaieiros alemães da Segunda Guerra Mundial

#37 Mensagem por Wingate » Seg Out 14, 2013 11:42 am

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Re: Tocaieiros alemães da Segunda Guerra Mundial

#38 Mensagem por Clermont » Qui Mar 20, 2014 10:57 am

Vassili Zaitsev: “Matava quatro ou cinco alemães todos os dias”.

Publicadas na Espanha as famosas e polêmicas memórias do franco-atirador de Stalingrado que inspirou o filme ‘Círculo de fogo’.

Jacinto Antón - Barcelona - 25 de janeiro de 2014 - El País.

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Vassili Záitsev, em Stalingrado.


“Use cada bala com consciência, Vassili”, recomendava-lhe seu pai quando ele era criança, enquanto caçavam lobos na taiga. Foi o que ele fez em Stalingrado, com outro tipo de lobos, estes humanos, mas também cinzentos. “Matava quatro ou cinco alemães todos os dias”, escreveu. As impressionantes memórias do franco-atirador Vassili Zaitsev (1915-1991), condecorado como Herói da União Soviética, um dos mais famosos em seu difícil e atroz ofício, fazem-nos mergulhar na luta particular que esse tipo de soldados travou durante a II Guerra Mundial, uma história de escuridão e violência. Recém-publicadas na Espanha pela editora Crítica, as memórias nos transportam ao coração mais frio e letal da batalha — onde o soldado mira agachado nos olhos de quem ele mata — e permitem que nos debrucemos sobre a personalidade e as táticas de combatentes tão admirados quanto temidos, que sempre provocaram uma fascinação doentia: a mística dos franco-atiradores.

As memórias de Vassili Grigorievich Zaitsev concentram-se na atividade do franco-atirador em Stalingrado, onde sua contagem particular chegou a 242 militares alemães, incluindo 11 franco-atiradores (abater atiradores do lado inimigo era uma das prioridades desses combatentes). As vicissitudes do certeiro Zaitsev serviram de base para o filme Círculo de fogo, de Jean-Jacques Annaud. Parte do relato do franco-atirador — incluindo o longo e épico duelo com o exímio atirador alemão enviado para caçá-lo, que é o núcleo do filme — é muito polêmica e é considerada pura invenção por historiadores como Antony Beevor. Isso não impede que as memórias nos deem uma interessantíssima descrição da luta selvagem e brutal em Stalingrado e sejam lidas com o coração na mão.

Em um trecho, Zaitsev impede que sua equipe de três duplas de franco-atiradores dispare contra alguns oficiais que, acreditando estar em segurança, estavam se lavando perto de uma trincheira. “Esses caras são só tenentes”, afirmou. “Se desperdiçamos balas com peixes pequenos, os grandes nunca vão pôr a cabeça para fora.” No dia seguinte, voltam à área de banho. Não atiram contra um soldado que aparece. E então chegam os que eles esperavam: um coronel acompanhado por um franco-atirador com um precioso fuzil de caça, um major com a Cruz de Cavaleiro com Folhas de Carvalho e outro coronel fumando numa longa e aristocrática boquilha. “Nossos tiros assobiaram. Apontamos na cabeça, como exige o manual, e os quatro nazistas caíram dando o último suspiro.” Em outra ocasião, ele atira em outro oficial que traz a Cruz de Ferro no peito. “Apertei o gatilho e a bala atravessou a medalha do alemão, que caiu para trás com os braços abertos.”

Zaitsev inicia suas memórias explicando sua infância. Seu avô, que pertencia a uma longa extirpe de caçadores dos Urais, foi quem lhe presenteou com a primeira escopeta. Quando saía para caçar, cobria-se de óleo de texugo para ficar camuflado pelo cheiro do animal. Matando lobos, aprendeu a rastrear e espreitar, o que lhe serviria “para lutar contra aqueles outros predadores bípedes que invadiram nossa pátria”. O futuro franco-atirador não era nenhum iletrado. Ele entrou numa escola técnica de construção, estudou contabilidade e foi inspetor de seguros. Em 1937, foi convocado e entrou como marinheiro na frota do Pacífico — sempre exibiu com orgulho sob o uniforme a camiseta de listras zuis e brancas, a telniashka. Em busca de ação, pediu para entrar numa companhia de fuzileiros e foi parar em Stalingrado. Chegou como suboficial em 21 de setembro de 1942: foi como pousar no inferno; em seu diário, anotou que o ar fedia a carne queimada.

Em seu primeiro combate, Zaitsev, baixo, robusto e de cara larga — não se parecia em nada a Jude Law —, chega ao corpo-a-corpo e, perdidas as baionetas e as pistolas, mata seu primeiro alemão por estrangulamento. É a guerra em toda sua crueza: “Finalmente ele parou de opor resistência e aí senti um cheiro nauseabundo, no momento de morrer ele havia defecado”.

Na defesa das posições na famosa fábrica Outubro Vermelho, Zaitsev vive momentos angustiantes,. É a Ratenkrieg, a “guerra de ratos” nos porões e esgotos da cidade em ruínas. No fim de outubro, um coronel observa como ele mata, com três disparos de seu fuzil padrão de infantaria, vários operadores de uma metralhadora. “Arranjem um fuzil de franco-atirador para ele”, ordena. Trazem um Moisin Nagant 91/30, que o coronel entrega a Zaitsev dizendo: “Já foram três, continue a contagem”.

Assim começa sua carreira. Ele ganha gosto pelo ofício: “Eu gostava de ser franco-atirador e ter a licença para escolher minha presa, a cada disparo era como se pudesse ouvir a bala atravessando o crânio do inimigo”. Atira a longa distância, 550 metros ou mais. A mira telescópica revela detalhes do alvo. “Você sabe se ele fez a barba, pode ver a expressão de seu rosto, cantarolando. Enquanto seu homem coça a testa ou inclina a cabeça para ajeitar o capacete, você busca o melhor ponto para receber o impacto da bala; ele não tem a menor ideia de que só lhe restam alguns segundos de vida.” Não há nenhuma dúvida, nem remorso. “Apertei o gatilho, ele se debateu por alguns segundos e depois ficou imóvel.”

No relato de Zaitsev, os soviéticos são invariavelmente nobres e heroicos e os alemães, cruéis: executam os feridos com lança-chamas ou jogando-os aos cachorros. O franco-atirador vê os nazistas como “serpentes” que se retorcem enquanto ele as aperta em seu punho.

As memórias estão recheadas de conselhos para franco-atiradores — nosso homem se transformou num instrutor. Um manancial ou uma fonte são bons lugares para matar inimigos. É preciso mudar de posição após o disparo para não ser localizado. O atirador não precisa de mais do que dois segundos para apontar e disparar, mas os preparativos requerem horas e até dias de observação e camuflagem. É preciso tornar-se invisível. A paciência é tudo. Os franco-atiradores — que, ao contrário do estereótipo, não lutam sozinhos, mas em duplas ou até em grupo — usam iscas para caçar os rivais.

O grandioso duelo que aparece em Círculo de fogo ocupa um capítulo inteiro do livro. O autor explica que um soldado alemão prisioneiro revelou que o alto comando, preocupado com o crescente número de baixas, havia enviado “um tal major Konings” (Koenig em outras versões), “diretor da escola de franco-atiradores da Wehrmacht nos arredores de Berlim”, com o objetivo exclusivo de abater “o grande coelho russo” (Zaitsev significa coelho).

O “superfranco-atirador” alemão (interpretado no filme por Ed Harris) e o russo disputam um jogo mortífero. Zaitsev o caça no final com algumas artimanhas. Depois o retira arrastado de seu esconderijo, agarra seu fuzil e sua documentação e os entrega ao comandante de sua divisão. A suposta mira desse suposto (e fracassado) ás alemão é exibida no museu das forças armadas em Moscou.

“Nunca houve um franco-atirador alemão chamado major Konings”, insiste Beevor, que abordou amplamente o assunto em seu livro Stalingrado. “Investiguei todos os informes de franco-atiradores em Stalingrado que existem nos arquivos do Ministério da Defesa em Podolsk e posso dizer como toda segurança que o épico ‘duelo de franco-atiradores’ entre os ases alemão e russo nunca ocorreu. Se tivesse ocorrido, teria sido relatado naquele momento, já que era exatamente a história que queriam em Moscou para propaganda. Definitivamente, isso foi inventado depois da batalha.”

Beevor me diz que Annaud o convidou a ver seu filme “com a vã esperança” de que ele não fizesse muitas críticas. “Eu o havia advertido claramente sobre qual era minha posição. Ele tinha comprado os direitos do livro de William Craig, que havia acreditado na história propagandística do longo duelo com o franco-atirador e nas pretensões fantasiosas de Tania Chernova (Rachel Weisz no filme) de que ela também teria sido franco-atiradora e amante de Zaitsev. Pobre velho, reescreveram sua vida transformando-a em lenda. Zaitsev foi completamente manipulado pelos oficiais da GlavPurkka, o braço político do Exército Vermelho, e caiu em depressão depois da guerra, entregando-se à bebida.”

Na verdade, assinala o historiador, as façanhas de Zaitsev foram muito exageradas e ele não foi nem mesmo o melhor franco-atirador soviético em Stalingrado. Este teria sido o sargento Anatoli Chekhov, a quem o grande Vassili Grossman entrevistou e até acompanhou em uma missão em Mamaiev Kurgan, uma das zonas quentes da batalha, para observar como atuava. Diferentemente de Zaitsev (que Grossman também conheceu), Chekhov, que usava uma espécie de silenciador, não mirava no rosto, mas no uniforme do inimigo. Em seu primeiro dia matou 9 alemães; no segundo, 17; em oito dias, 40. No total, eliminou 256 inimigos em Stalingrado. Em 1943, em Kursk, perdeu as duas pernas. Mas nem ele nem Zaitsev foram os melhores franco-atiradores russos: Ivan Sidorenko tem o recorde de 500 mortes, seguido por outros cinco com mais de 400 mortes cada um. Uma mulher franco-atiradora, Lyudmila Pavlichenko, contabilizou 309. Após a guerra, virou historiadora.

Gorssman não deixou notícia de nenhum duelo épico, mas sim de um breve e singular combate entre Zaitsev e um franco-atirador alemão, que durou... 15 minutos. Foi esse episódio, opina Beevor, que provavelmente se exagerou até virar a saga épica de um prolongado duelo entre Zaitsev e o nunca localizado comandante Konings.

Em suas memórias, Zaitsev explica as feridas que sofreu no final da batalha de Stalingrado. Perdeu temporariamente a visão por causa da metralha do projétil de um lança-foguetes alemão Newerberfer e passou por uma via-crúcis até recuperá-la. Não o deixaram voltar à frente de batalha para evitar que tombasse uma valioso ícone patriótico. Ele se dedicou então a formar franco-atiradores. Seus textos sobre o assunto ainda são estudados nas escolas militares russas. Ao terminar a guerra, com a patente de capitão, foi desmobilizado e trabalhou numa fábrica têxtil em Kiev, sem deixar jamais de recordar seus dias de combate. Morreu apenas dez dias antes da dissolução da União Soviética e seus restos repousam na colina Mamaiev, de onde o fantasma do velho atirador talvez continue espreitando presas entre as desvanecidas ruínas da antiga Stalingrado, hoje Volgogrado.

A morte agachada.

Pelas fileiras dos franco-atiradores já passaram personagens como estes:

O finlandês Simo Hayha (a “Morte Branca”), o maior franco-atirador de todos os tempos, que matou 505 soldados soviéticos durante a Guerra de Inverno entre Finlândia e União Soviética, sem usar mira telescópica.

O chinês Zhang Taofang, com 214 mortes entre soldados americanos e da ONU em 32 dias (com apenas 442 balas), durante a Guerra da Coréia.

O americano Chris Kyle, atirador dos Navy SEALs assassinado no ano passado no Texas por com companheiro de armas. Com 160 mortes atribuídas a ele (a primeira, uma mulher que se aproximou com explosivos de um grupo de marines), era conhecido entre a insurgência iraquiana como Shaitan ar-Ramadi, “o demônio de Ramadi”. Sua autobiografia, American Sniper, foi um best seller. Não se pode esquecer de Lee Harvey Oswald, outro ex-marine de assombrosa pontaria.

O melhor franco-atirador das forças alemãs na II Guerra Mundial — o equivalente real do major Konings — foi o austríaco Matthãus Hetzenauer, com 345 vítimas, incluindo uma atingida a 1.100 metros de distância. Ganhador da Cruz do Cavaleiro, era membro, como muitos dos franco-atiradores de destaque do III Reich, dos Gebirgsjäger (caçadores de montanha), cujo emblema era a flor edelweiss que pode ser vista no gorro de Ed Harris em Círculo de fogo.

Outro notável franco-atirador da Wehrmacht, Josef Sepp Allerberger, que somou 257 mortes e usava um guarda-chuvas para se camuflar, é autor das memórias mais estremecedoras do ofício: Sniper on the Eastern Front, Pen & Sword, 2007; em um trecho, explica como literalmente saltam os globos oculares de um soldado atingido por uma bala atrás da cabeça.




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Re: Tocaieiros alemães da Segunda Guerra Mundial

#39 Mensagem por Wingate » Qui Mar 20, 2014 11:13 am

Clermont escreveu:Vassili Zaitsev: “Matava quatro ou cinco alemães todos os dias”.

Publicadas na Espanha as famosas e polêmicas memórias do franco-atirador de Stalingrado que inspirou o filme ‘Círculo de fogo’.

Jacinto Antón - Barcelona - 25 de janeiro de 2014 - El País.

Imagem
Vassili Záitsev, em Stalingrado.


“Use cada bala com consciência, Vassili”, recomendava-lhe seu pai quando ele era criança, enquanto caçavam lobos na taiga. Foi o que ele fez em Stalingrado, com outro tipo de lobos, estes humanos, mas também cinzentos. “Matava quatro ou cinco alemães todos os dias”, escreveu. As impressionantes memórias do franco-atirador Vassili Zaitsev (1915-1991), condecorado como Herói da União Soviética, um dos mais famosos em seu difícil e atroz ofício, fazem-nos mergulhar na luta particular que esse tipo de soldados travou durante a II Guerra Mundial, uma história de escuridão e violência. Recém-publicadas na Espanha pela editora Crítica, as memórias nos transportam ao coração mais frio e letal da batalha — onde o soldado mira agachado nos olhos de quem ele mata — e permitem que nos debrucemos sobre a personalidade e as táticas de combatentes tão admirados quanto temidos, que sempre provocaram uma fascinação doentia: a mística dos franco-atiradores.

As memórias de Vassili Grigorievich Zaitsev concentram-se na atividade do franco-atirador em Stalingrado, onde sua contagem particular chegou a 242 militares alemães, incluindo 11 franco-atiradores (abater atiradores do lado inimigo era uma das prioridades desses combatentes). As vicissitudes do certeiro Zaitsev serviram de base para o filme Círculo de fogo, de Jean-Jacques Annaud. Parte do relato do franco-atirador — incluindo o longo e épico duelo com o exímio atirador alemão enviado para caçá-lo, que é o núcleo do filme — é muito polêmica e é considerada pura invenção por historiadores como Antony Beevor. Isso não impede que as memórias nos deem uma interessantíssima descrição da luta selvagem e brutal em Stalingrado e sejam lidas com o coração na mão.

Em um trecho, Zaitsev impede que sua equipe de três duplas de franco-atiradores dispare contra alguns oficiais que, acreditando estar em segurança, estavam se lavando perto de uma trincheira. “Esses caras são só tenentes”, afirmou. “Se desperdiçamos balas com peixes pequenos, os grandes nunca vão pôr a cabeça para fora.” No dia seguinte, voltam à área de banho. Não atiram contra um soldado que aparece. E então chegam os que eles esperavam: um coronel acompanhado por um franco-atirador com um precioso fuzil de caça, um major com a Cruz de Cavaleiro com Folhas de Carvalho e outro coronel fumando numa longa e aristocrática boquilha. “Nossos tiros assobiaram. Apontamos na cabeça, como exige o manual, e os quatro nazistas caíram dando o último suspiro.” Em outra ocasião, ele atira em outro oficial que traz a Cruz de Ferro no peito. “Apertei o gatilho e a bala atravessou a medalha do alemão, que caiu para trás com os braços abertos.”

Zaitsev inicia suas memórias explicando sua infância. Seu avô, que pertencia a uma longa extirpe de caçadores dos Urais, foi quem lhe presenteou com a primeira escopeta. Quando saía para caçar, cobria-se de óleo de texugo para ficar camuflado pelo cheiro do animal. Matando lobos, aprendeu a rastrear e espreitar, o que lhe serviria “para lutar contra aqueles outros predadores bípedes que invadiram nossa pátria”. O futuro franco-atirador não era nenhum iletrado. Ele entrou numa escola técnica de construção, estudou contabilidade e foi inspetor de seguros. Em 1937, foi convocado e entrou como marinheiro na frota do Pacífico — sempre exibiu com orgulho sob o uniforme a camiseta de listras zuis e brancas, a telniashka. Em busca de ação, pediu para entrar numa companhia de fuzileiros e foi parar em Stalingrado. Chegou como suboficial em 21 de setembro de 1942: foi como pousar no inferno; em seu diário, anotou que o ar fedia a carne queimada.

Em seu primeiro combate, Zaitsev, baixo, robusto e de cara larga — não se parecia em nada a Jude Law —, chega ao corpo-a-corpo e, perdidas as baionetas e as pistolas, mata seu primeiro alemão por estrangulamento. É a guerra em toda sua crueza: “Finalmente ele parou de opor resistência e aí senti um cheiro nauseabundo, no momento de morrer ele havia defecado”.

Na defesa das posições na famosa fábrica Outubro Vermelho, Zaitsev vive momentos angustiantes,. É a Ratenkrieg, a “guerra de ratos” nos porões e esgotos da cidade em ruínas. No fim de outubro, um coronel observa como ele mata, com três disparos de seu fuzil padrão de infantaria, vários operadores de uma metralhadora. “Arranjem um fuzil de franco-atirador para ele”, ordena. Trazem um Moisin Nagant 91/30, que o coronel entrega a Zaitsev dizendo: “Já foram três, continue a contagem”.

Assim começa sua carreira. Ele ganha gosto pelo ofício: “Eu gostava de ser franco-atirador e ter a licença para escolher minha presa, a cada disparo era como se pudesse ouvir a bala atravessando o crânio do inimigo”. Atira a longa distância, 550 metros ou mais. A mira telescópica revela detalhes do alvo. “Você sabe se ele fez a barba, pode ver a expressão de seu rosto, cantarolando. Enquanto seu homem coça a testa ou inclina a cabeça para ajeitar o capacete, você busca o melhor ponto para receber o impacto da bala; ele não tem a menor ideia de que só lhe restam alguns segundos de vida.” Não há nenhuma dúvida, nem remorso. “Apertei o gatilho, ele se debateu por alguns segundos e depois ficou imóvel.”

No relato de Zaitsev, os soviéticos são invariavelmente nobres e heroicos e os alemães, cruéis: executam os feridos com lança-chamas ou jogando-os aos cachorros. O franco-atirador vê os nazistas como “serpentes” que se retorcem enquanto ele as aperta em seu punho.

As memórias estão recheadas de conselhos para franco-atiradores — nosso homem se transformou num instrutor. Um manancial ou uma fonte são bons lugares para matar inimigos. É preciso mudar de posição após o disparo para não ser localizado. O atirador não precisa de mais do que dois segundos para apontar e disparar, mas os preparativos requerem horas e até dias de observação e camuflagem. É preciso tornar-se invisível. A paciência é tudo. Os franco-atiradores — que, ao contrário do estereótipo, não lutam sozinhos, mas em duplas ou até em grupo — usam iscas para caçar os rivais.

O grandioso duelo que aparece em Círculo de fogo ocupa um capítulo inteiro do livro. O autor explica que um soldado alemão prisioneiro revelou que o alto comando, preocupado com o crescente número de baixas, havia enviado “um tal major Konings” (Koenig em outras versões), “diretor da escola de franco-atiradores da Wehrmacht nos arredores de Berlim”, com o objetivo exclusivo de abater “o grande coelho russo” (Zaitsev significa coelho).

O “superfranco-atirador” alemão (interpretado no filme por Ed Harris) e o russo disputam um jogo mortífero. Zaitsev o caça no final com algumas artimanhas. Depois o retira arrastado de seu esconderijo, agarra seu fuzil e sua documentação e os entrega ao comandante de sua divisão. A suposta mira desse suposto (e fracassado) ás alemão é exibida no museu das forças armadas em Moscou.

“Nunca houve um franco-atirador alemão chamado major Konings”, insiste Beevor, que abordou amplamente o assunto em seu livro Stalingrado. “Investiguei todos os informes de franco-atiradores em Stalingrado que existem nos arquivos do Ministério da Defesa em Podolsk e posso dizer como toda segurança que o épico ‘duelo de franco-atiradores’ entre os ases alemão e russo nunca ocorreu. Se tivesse ocorrido, teria sido relatado naquele momento, já que era exatamente a história que queriam em Moscou para propaganda. Definitivamente, isso foi inventado depois da batalha.”

Beevor me diz que Annaud o convidou a ver seu filme “com a vã esperança” de que ele não fizesse muitas críticas. “Eu o havia advertido claramente sobre qual era minha posição. Ele tinha comprado os direitos do livro de William Craig, que havia acreditado na história propagandística do longo duelo com o franco-atirador e nas pretensões fantasiosas de Tania Chernova (Rachel Weisz no filme) de que ela também teria sido franco-atiradora e amante de Zaitsev. Pobre velho, reescreveram sua vida transformando-a em lenda. Zaitsev foi completamente manipulado pelos oficiais da GlavPurkka, o braço político do Exército Vermelho, e caiu em depressão depois da guerra, entregando-se à bebida.”

Na verdade, assinala o historiador, as façanhas de Zaitsev foram muito exageradas e ele não foi nem mesmo o melhor franco-atirador soviético em Stalingrado. Este teria sido o sargento Anatoli Chekhov, a quem o grande Vassili Grossman entrevistou e até acompanhou em uma missão em Mamaiev Kurgan, uma das zonas quentes da batalha, para observar como atuava. Diferentemente de Zaitsev (que Grossman também conheceu), Chekhov, que usava uma espécie de silenciador, não mirava no rosto, mas no uniforme do inimigo. Em seu primeiro dia matou 9 alemães; no segundo, 17; em oito dias, 40. No total, eliminou 256 inimigos em Stalingrado. Em 1943, em Kursk, perdeu as duas pernas. Mas nem ele nem Zaitsev foram os melhores franco-atiradores russos: Ivan Sidorenko tem o recorde de 500 mortes, seguido por outros cinco com mais de 400 mortes cada um. Uma mulher franco-atiradora, Lyudmila Pavlichenko, contabilizou 309. Após a guerra, virou historiadora.

Gorssman não deixou notícia de nenhum duelo épico, mas sim de um breve e singular combate entre Zaitsev e um franco-atirador alemão, que durou... 15 minutos. Foi esse episódio, opina Beevor, que provavelmente se exagerou até virar a saga épica de um prolongado duelo entre Zaitsev e o nunca localizado comandante Konings.

Em suas memórias, Zaitsev explica as feridas que sofreu no final da batalha de Stalingrado. Perdeu temporariamente a visão por causa da metralha do projétil de um lança-foguetes alemão Newerberfer e passou por uma via-crúcis até recuperá-la. Não o deixaram voltar à frente de batalha para evitar que tombasse uma valioso ícone patriótico. Ele se dedicou então a formar franco-atiradores. Seus textos sobre o assunto ainda são estudados nas escolas militares russas. Ao terminar a guerra, com a patente de capitão, foi desmobilizado e trabalhou numa fábrica têxtil em Kiev, sem deixar jamais de recordar seus dias de combate. Morreu apenas dez dias antes da dissolução da União Soviética e seus restos repousam na colina Mamaiev, de onde o fantasma do velho atirador talvez continue espreitando presas entre as desvanecidas ruínas da antiga Stalingrado, hoje Volgogrado.

A morte agachada.

Pelas fileiras dos franco-atiradores já passaram personagens como estes:

O finlandês Simo Hayha (a “Morte Branca”), o maior franco-atirador de todos os tempos, que matou 505 soldados soviéticos durante a Guerra de Inverno entre Finlândia e União Soviética, sem usar mira telescópica.

O chinês Zhang Taofang, com 214 mortes entre soldados americanos e da ONU em 32 dias (com apenas 442 balas), durante a Guerra da Coréia.

O americano Chris Kyle, atirador dos Navy SEALs assassinado no ano passado no Texas por com companheiro de armas. Com 160 mortes atribuídas a ele (a primeira, uma mulher que se aproximou com explosivos de um grupo de marines), era conhecido entre a insurgência iraquiana como Shaitan ar-Ramadi, “o demônio de Ramadi”. Sua autobiografia, American Sniper, foi um best seller. Não se pode esquecer de Lee Harvey Oswald, outro ex-marine de assombrosa pontaria.

O melhor franco-atirador das forças alemãs na II Guerra Mundial — o equivalente real do major Konings — foi o austríaco Matthãus Hetzenauer, com 345 vítimas, incluindo uma atingida a 1.100 metros de distância. Ganhador da Cruz do Cavaleiro, era membro, como muitos dos franco-atiradores de destaque do III Reich, dos Gebirgsjäger (caçadores de montanha), cujo emblema era a flor edelweiss que pode ser vista no gorro de Ed Harris em Círculo de fogo.

Outro notável franco-atirador da Wehrmacht, Josef Sepp Allerberger, que somou 257 mortes e usava um guarda-chuvas para se camuflar, é autor das memórias mais estremecedoras do ofício: Sniper on the Eastern Front, Pen & Sword, 2007; em um trecho, explica como literalmente saltam os globos oculares de um soldado atingido por uma bala atrás da cabeça.

O fuzil Mosin Nagant 91/30:

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