Olivença, uma proposta!
Enviado: Ter Mar 25, 2008 7:44 am
Na apresentação do livro «Olivença e Juromenha - uma história por contar»
da Professora Ana Paula Fitas, no passado dia 28 de Fevereiro, no
Instituto Diplomático - MNE, o General Loureiro dos Santos enunciou e
desenvolveu algumas interessantes perspectivas sobre a Questão de
Olivença.
Pelo seu interesse, transcreve-se a súmula saída no jornal Público de
14-03-08.
CHEGOU A ALTURA DE RESOLVER A QUESTÃO DE OLIVENÇA
José Loureiro dos Santos
O contexto estratégico conjuntural que originou o Tratado de Badajoz de
1801, pelo qual Olivença passou paras a soberania espanhola, não se
modificara integralmente em 1815, quando a devolução de Olivença a
Portugal foi determinada pelo Tratado de Viena. A relação de forças na
Europa da Época não ordenou de modo peremptório e imediato essa devolução,
remetendo-a para quando Portugal e Espanha considerassem oportuno - o que
significava, de facto, submeter a resolução do problema ao entendimento
Portugal-Espanha, logo aos objectivos nacionais de cada país e às tensões
estratégicas correspondentes. A definição do momento oportuno, se não
fosse efectuada por potências extrapeninsulares, teria de ser proposta por
Portugal a uma Espanha da qual, naturalmente, nunca partiria a iniciativa.
Para Portugal, o momento oportuno teria de coincidir com uma "oportunidade
estratégica" favorável. Na altura do regime da ditadura, foi dito não ser
oportuno levantar o problema.
Aqui reside o cerne do problema. Findos os acontecimentos que envolveram
os dois Estados nas guerras napoleónicas e seus desenvolvimentos, a
relação de forças europeias e mundiais nunca deixou de se traduzir, para a
península, numa lógica de conflito e confrontação. Por trás do
comportamento pacífico e amistoso entre os dois Estados, havia sempre a
percepção, por cada um deles, que a existência do outro constituía uma
ameaça. Ou porque poderia servir de cais de desembarque e base de ataque
para forças poderosas que visassem a Espanha e/ou foco de contaminação
política que fizesse perigar o seu regime (absolutista, liberal ou
monárquico). Ou porque representava uma ameaça existencial para Portugal
e/ou também poderia contaminar negativamente o seu regime.
Esta lógica de confrontação teve situações mais agudas e outras menos,
mas nunca deixou de existir. A percepção dos responsáveis políticos
portugueses ao longo dos séculos XIX e XX, até à guerra fria, foi sempre a
de que tudo deveria ser feito para evitar uma crise aberta com a Espanha,
pois tinham consciência de que a lógica de conflito existente entre os
dois países se poderia transformar num confronto aberto muito desfavorável
a Portugal. Confronto aberto que até poderia ser convenientemente
provocado pelos governantes espanhóis, para fazerem esquecer os graves
problemas internos que os seus súbditos sentiam, bem como os efeitos
deletérios dos traumas causados pelos enormes abalos nacionais que
afectaram Espanha.
Dentro desta lógica de confronto, tornava-se quase impossível alterar as
relações de forças de modo a surgir uma oportunidade estratégica que nos
permitisse procurar resolver a questão de Olivença junto dos espanhóis.
A lógica de confronto, embora atenuada pela natureza dos regimes então
vigentes, não terminou durante a guerra fria. Só viriam a surgir
modificações, e profundas, com a democratização dos dois vizinhos
peninsulares, a queda do Muro de Berlim e, principalmente, com a
globalização, o mercado comum europeu e, acima de tudo, com o
estabelecimento do espaço Shengen. Estas novas linhas de força tiveram
como resultado uma alteração profunda no contexto estratégico do
relacionamento peninsular. Não porque surgiram desequilíbrios que nos
fossem favoráveis em termos de confronto, mas precisamente pelo
congelamento da lógica de confronto e a sua substituição por uma lógica de
cooperação/competição.
A abertura de fronteiras e a liberdade de movimentos de pessoas, bens e
ideias entre os dois países fizeram com que as regiões homogéneas naturais
da península, todas periféricas, se tivessem aproximado, como que
desafiando o centro peninsular - a despeito das fronteiras administrativas
e políticas. Na Espanha, foram reconstituindo uma configuração multipolar
em termos económicos, com as regiões periféricas a tentar "conquistar"
poder político a Madrid, interagindo umas com as outras e também com
Portugal, que além de região económica é um país soberano. Esta situação
multipolar, num contexto de uma lógica de cooperação/competição, favorece
Portugal, pois, de todas as regiões peninsulares com ligações a um centro
de poder afastado (Bruxelas), é a única cuja independência lhe permite
relacionar-se com o Governo espanhol no mesmo patamar político. Todas as
restantes terão de sujeitar-se às orientações de Madrid.
Finalmente, esta lógica de cooperação/competição que caracteriza as
nossas relações com a Espanha permitiu o aparecimento da oportunidade
estratégica para que os dois países - amigos, aliados, que não encaram o
outro como ameaça - resolvam a questão de Olivença. E para que Portugal
possa tomar a iniciativa de abrir o diálogo.
É pôr fim a um contencioso que pode funcionar como um foco de potencial
atrito e de conflito em situações de maior tensão entre as posições dos
dois países. Lembremo-nos de que a História não acabou. Há muita História
no futuro. Um futuro incerto e, provavelmente, muito perigoso. É avisado
acautelarmo-nos. Olivença é um problema que se pode agravar, mas podemos
fazer dele um pólo de atenuação de tensões entre os Estados peninsulares.
Não deve ser ignorada a realidade actual de Olivença, criada nos últimos
dois séculos pela administração espanhola. Uma realidade que já não é
sustentada apenas em elementos identitários lusitanos, mas em que
persistem muitos deles. Olivença constitui uma micro-região, com
características distintivas em relação aos espanhóis, mas também aos
portugueses. Foi como se, na zona raiana, tivesse aparecido um elo de
ligação entre os dois povos, semelhante a ambos mas deles diferenciado.
Para a solução desta questão são de afastar posições radicais, sem recuo
e sem condições, antes recorrer-se a uma abordagem gradual e "soft", com a
tónica na cultura: considerar a hipótese de permitir que os oliventinos
escolham a dupla nacionalidade, autorizar o ensino da língua portuguesa
por professores destacados por Portugal, além do castelhano já
obrigatório, não proibindo o uso do português no espaço público,
estabelecer uma delegação que promova a cultura portuguesa. Admitir mesmo
a hipótese de se chegar a uma soberania partilhada sobre Olivença, como
região especial e exemplo de amizade e cooperação entre os dois países,
que, numa fase inicial, poderia assumir vínculos políticos mais fortes com
Espanha do que com Portugal.
José Loureiro dos Santos
«General»
Nota: Este texto constitui a súmula da apresentação do livro de Ana Paula
Fitas "Juromenha e Olivença, Uma História por Contar" das Edições Colibri,
a publicar na íntegra no próximo número da "Revista dos Negócios
Estrangeiros".
Jornal PÚBLICO, Sexta-feira, 14 Março 2008.
Venho pedir a todos um debate saudável, onde a má educação e as ofensas fiquem de fora.
[[]]'s
da Professora Ana Paula Fitas, no passado dia 28 de Fevereiro, no
Instituto Diplomático - MNE, o General Loureiro dos Santos enunciou e
desenvolveu algumas interessantes perspectivas sobre a Questão de
Olivença.
Pelo seu interesse, transcreve-se a súmula saída no jornal Público de
14-03-08.
CHEGOU A ALTURA DE RESOLVER A QUESTÃO DE OLIVENÇA
José Loureiro dos Santos
O contexto estratégico conjuntural que originou o Tratado de Badajoz de
1801, pelo qual Olivença passou paras a soberania espanhola, não se
modificara integralmente em 1815, quando a devolução de Olivença a
Portugal foi determinada pelo Tratado de Viena. A relação de forças na
Europa da Época não ordenou de modo peremptório e imediato essa devolução,
remetendo-a para quando Portugal e Espanha considerassem oportuno - o que
significava, de facto, submeter a resolução do problema ao entendimento
Portugal-Espanha, logo aos objectivos nacionais de cada país e às tensões
estratégicas correspondentes. A definição do momento oportuno, se não
fosse efectuada por potências extrapeninsulares, teria de ser proposta por
Portugal a uma Espanha da qual, naturalmente, nunca partiria a iniciativa.
Para Portugal, o momento oportuno teria de coincidir com uma "oportunidade
estratégica" favorável. Na altura do regime da ditadura, foi dito não ser
oportuno levantar o problema.
Aqui reside o cerne do problema. Findos os acontecimentos que envolveram
os dois Estados nas guerras napoleónicas e seus desenvolvimentos, a
relação de forças europeias e mundiais nunca deixou de se traduzir, para a
península, numa lógica de conflito e confrontação. Por trás do
comportamento pacífico e amistoso entre os dois Estados, havia sempre a
percepção, por cada um deles, que a existência do outro constituía uma
ameaça. Ou porque poderia servir de cais de desembarque e base de ataque
para forças poderosas que visassem a Espanha e/ou foco de contaminação
política que fizesse perigar o seu regime (absolutista, liberal ou
monárquico). Ou porque representava uma ameaça existencial para Portugal
e/ou também poderia contaminar negativamente o seu regime.
Esta lógica de confrontação teve situações mais agudas e outras menos,
mas nunca deixou de existir. A percepção dos responsáveis políticos
portugueses ao longo dos séculos XIX e XX, até à guerra fria, foi sempre a
de que tudo deveria ser feito para evitar uma crise aberta com a Espanha,
pois tinham consciência de que a lógica de conflito existente entre os
dois países se poderia transformar num confronto aberto muito desfavorável
a Portugal. Confronto aberto que até poderia ser convenientemente
provocado pelos governantes espanhóis, para fazerem esquecer os graves
problemas internos que os seus súbditos sentiam, bem como os efeitos
deletérios dos traumas causados pelos enormes abalos nacionais que
afectaram Espanha.
Dentro desta lógica de confronto, tornava-se quase impossível alterar as
relações de forças de modo a surgir uma oportunidade estratégica que nos
permitisse procurar resolver a questão de Olivença junto dos espanhóis.
A lógica de confronto, embora atenuada pela natureza dos regimes então
vigentes, não terminou durante a guerra fria. Só viriam a surgir
modificações, e profundas, com a democratização dos dois vizinhos
peninsulares, a queda do Muro de Berlim e, principalmente, com a
globalização, o mercado comum europeu e, acima de tudo, com o
estabelecimento do espaço Shengen. Estas novas linhas de força tiveram
como resultado uma alteração profunda no contexto estratégico do
relacionamento peninsular. Não porque surgiram desequilíbrios que nos
fossem favoráveis em termos de confronto, mas precisamente pelo
congelamento da lógica de confronto e a sua substituição por uma lógica de
cooperação/competição.
A abertura de fronteiras e a liberdade de movimentos de pessoas, bens e
ideias entre os dois países fizeram com que as regiões homogéneas naturais
da península, todas periféricas, se tivessem aproximado, como que
desafiando o centro peninsular - a despeito das fronteiras administrativas
e políticas. Na Espanha, foram reconstituindo uma configuração multipolar
em termos económicos, com as regiões periféricas a tentar "conquistar"
poder político a Madrid, interagindo umas com as outras e também com
Portugal, que além de região económica é um país soberano. Esta situação
multipolar, num contexto de uma lógica de cooperação/competição, favorece
Portugal, pois, de todas as regiões peninsulares com ligações a um centro
de poder afastado (Bruxelas), é a única cuja independência lhe permite
relacionar-se com o Governo espanhol no mesmo patamar político. Todas as
restantes terão de sujeitar-se às orientações de Madrid.
Finalmente, esta lógica de cooperação/competição que caracteriza as
nossas relações com a Espanha permitiu o aparecimento da oportunidade
estratégica para que os dois países - amigos, aliados, que não encaram o
outro como ameaça - resolvam a questão de Olivença. E para que Portugal
possa tomar a iniciativa de abrir o diálogo.
É pôr fim a um contencioso que pode funcionar como um foco de potencial
atrito e de conflito em situações de maior tensão entre as posições dos
dois países. Lembremo-nos de que a História não acabou. Há muita História
no futuro. Um futuro incerto e, provavelmente, muito perigoso. É avisado
acautelarmo-nos. Olivença é um problema que se pode agravar, mas podemos
fazer dele um pólo de atenuação de tensões entre os Estados peninsulares.
Não deve ser ignorada a realidade actual de Olivença, criada nos últimos
dois séculos pela administração espanhola. Uma realidade que já não é
sustentada apenas em elementos identitários lusitanos, mas em que
persistem muitos deles. Olivença constitui uma micro-região, com
características distintivas em relação aos espanhóis, mas também aos
portugueses. Foi como se, na zona raiana, tivesse aparecido um elo de
ligação entre os dois povos, semelhante a ambos mas deles diferenciado.
Para a solução desta questão são de afastar posições radicais, sem recuo
e sem condições, antes recorrer-se a uma abordagem gradual e "soft", com a
tónica na cultura: considerar a hipótese de permitir que os oliventinos
escolham a dupla nacionalidade, autorizar o ensino da língua portuguesa
por professores destacados por Portugal, além do castelhano já
obrigatório, não proibindo o uso do português no espaço público,
estabelecer uma delegação que promova a cultura portuguesa. Admitir mesmo
a hipótese de se chegar a uma soberania partilhada sobre Olivença, como
região especial e exemplo de amizade e cooperação entre os dois países,
que, numa fase inicial, poderia assumir vínculos políticos mais fortes com
Espanha do que com Portugal.
José Loureiro dos Santos
«General»
Nota: Este texto constitui a súmula da apresentação do livro de Ana Paula
Fitas "Juromenha e Olivença, Uma História por Contar" das Edições Colibri,
a publicar na íntegra no próximo número da "Revista dos Negócios
Estrangeiros".
Jornal PÚBLICO, Sexta-feira, 14 Março 2008.
Venho pedir a todos um debate saudável, onde a má educação e as ofensas fiquem de fora.
[[]]'s