Palestinos estão felizes de trocar 'prisão' pelo Brasil

Área para discussão de Assuntos Gerais e off-topics.

Moderador: Conselho de Moderação

Mensagem
Autor
Avatar do usuário
Pasquale Catozzo
Sênior
Sênior
Mensagens: 1163
Registrado em: Ter Jan 03, 2006 3:27 pm
Localização: Basileia
Agradeceram: 1 vez

Palestinos estão felizes de trocar 'prisão' pelo Brasil

#1 Mensagem por Pasquale Catozzo » Qua Set 19, 2007 4:34 pm

O vendedor de cigarros das ruas de Bagdá, o professor universitário de língua Árabe, o diretor de teatro e o motorista de táxi. Pessoas com as mais diversas experiências de vida, que nunca se encontraram na capital iraquiana, se conheceram no campo de refugiados de Ruweished, na Jordânia, há quatro anos, e hoje se consideram uma grande família.

Apesar de se dividir entre São Paulo e Rio Grande do Sul, a "família" vai toda para o Brasil, onde o primeiro grupo chega nesta sexta-feira, e está ansiosa para começar uma vida nova.

Todos palestinos, eles fugiram do Iraque logo após o início da guerra por terem virado alvo de milícias xiitas ávidas por se vingar de décadas de opressão sob o regime do presidente sunita Saddam Hussein, que protegia os palestinos.

Em abril de 2003, eles chegaram ao campo de refugiados de Ruweished, uma área com tendas de lona no meio do deserto, a cerca de 70 km da fronteira da Jordânia com o Iraque, onde iniciaram uma longa espera.

"Isso aqui é Guantánamo-Ruweished. Nós não podemos sair para nada, apenas se estivermos doentes e, mesmo assim, só com escolta policial", diz o ex-motorista de táxi Ahmed Mostafa Mahmoud, que mora no campo com a mulher e dois filhos, incluindo Maan, de 3 anos, que nasceu no campo.

Segundo Mahmoud, seu cunhado teve um derrame e nenhum integrante da família pôde sair de Ruweished para visitá-lo.

Mundo exterior

O pouco contato que os refugiados têm com o mundo exterior ocorre por meio da televisão por satélite e telefones celulares pré-pagos, que parentes e amigos ajudam a abastecer com créditos quando vão visitá-los.

Existem alguns computadores, mas não há acesso à internet. Mesmo assim, o engenheiro Hassim Zaidan Awad, de 42 anos, não sai da frente dele.

Quando foi informado que vai ser reassentado no Brasil, há cerca de 3 meses, tratou logo de conseguir um CD de aula de português e está se empenhando em aprender o novo idioma.

"Quero conseguir um emprego e começar a trabalhar logo. Não agüento mais ficar sem fazer nada", diz Awad.

O professor de língua Árabe, formado pela Universidade de Bagdá, Safah Ghazi Kamel, de 32 anos, também está animado com a mudança para o Brasil.

"Nós não fazemos nada aqui e isso durou quatro anos. Estamos todos muito cansados deste lugar. Praticamente já conheço estes livros de cor", diz Kamel, mostrando os livros de poesia que conseguiu carregar com ele quando fugiu.

O professor nasceu em Bagdá e viveu sua vida toda na capital iraquiana, mas pretende se estabelecer no Brasil de forma definitiva, onde quer dar aulas de árabe para brasileiros e árabes em São Paulo, onde vai morar a partir de outubro.

"Eu não tenho saudades do Iraque. As pessoas de lá me odeiam e eu não quero voltar."

Mortes e tragédias

Kamel viaja no meio do mês, no segundo grupo que vai ao Brasil, já que o reassentamento de 117 refugiados palestinos ocorre em três fases. O primeiro grupo chega a São Paulo nesta sexta-feira, o segundo vai na primeira quinzena de outubro e o terceiro no fim do mês.

As primeiras 32 pessoas a chegar são basicamente famílias e pessoas idosas, consideradas mais vulneráveis.

Pelo menos uma idosa, no entanto, só embarca no fim de outubro. Umm Atnan, de 75 anos, vai esperar os demais integrantes de sua família - que estão em outro campo de refugiados, al-Waleed, no Iraque - para só então embarcar para o Brasil.

Ela perdeu o filho, de 52 anos, no ano passado, depois de um grupo de palestinos ter sido reassentado no Canadá.

"Ele não conseguiu suportar a notícia de que nós não tínhamos sido escolhidos e morreu de ataque cardíaco", conta Umm Atnan, que, assim como grande parte das famílias em Ruweished, saiu de Haifa quando o Estado de Israel foi criado, em 1948.

O filho de Umm Atnan não foi o único membro da comunidade de Ruweished que teve de ser enterrado no campo.

No ano passado, um incêndio queimou sete tendas e uma criança de três anos morreu.

Boas lembranças

Porém, apesar das duras condições no campo, alguns vão guardar boas recordações de Ruweished, como Hussan Ellah e Fatima Waleed Said, que se casaram em dezembro de 2006.

Na cultura árabe, o noivo tem de pagar um "dote" à família da noiva, que normalmente inclui um lugar para o casal morar, além de um presente caro, normalmente uma jóia.

"Foi algo muito mais simples. Dei um anel e um par de brincos pequenos e tomamos suco e comemos bolo", conta Ellah.

O casal embarca para o Brasil apenas no terceiro grupo porque Fatima está grávida e vai ter o bebê no campo, pois já se encontra em um estágio da gravidez em que corre riscos se viajar de avião.

Apesar de os refugiados palestinos não saberem muito sobre o Brasil e terem imaginado que iriam para um país em que se fala inglês - como o Canadá e a Nova Zelândia, para onde foram outros moradores do campo – todos se dizem muito felizes de se mudar para o Brasil e não poupam elogios ao governo e ao povo brasileiro.

O diretor de teatro e músico Ghazi Shaheen, de 60 anos, até compôs uma música, que gravou no celular, para expressar sua animação.

"A música fala sobre as pessoas no Brasil e quanto eu vou precisar delas, e que estou indo agradecê-las", explica Shaheen, acrescentando que a alegria de finalmente ter um lugar seguro para morar fez com que ele esquecesse toda dor e o sofrimento que passou no campo.

"Eu estou muito cansado. Trabalhei no Iraque durante toda minha vida e ninguém se importou conosco, nos chutaram de lá."

Hamed Saadi Ziab Akamini, de 67 anos, também não quer falar sobre o passado, pelo menos até pisar em solo brasileiro.

"Só vou falar sobre a nossa miséria e o que causou tudo isso quando eu chegar lá, porque o Brasil é um país democrático, que ama a paz e deixa as pessoas falarem tudo que elas pensam."

Esta será a sexta vez que Akamini migra para outro país. Após sair de Ramallah, na Cisjordânia, em 1967, ele passou por Iraque, Síria e Líbano, "sempre indo e vindo, sem saber onde iria ter uma casa de verdade".

Por não ter um Estado próprio, os palestinos não têm passaporte e, segundo o Acnur, no Brasil devem receber um documento para viajar.

Após cinco anos, eles podem pedir residência permanente como estrangeiro no país e em outros cinco anos podem se naturalizar brasileiros.

Akamini espera encontrar uma "casa de verdade" no Brasil e diz que voltar à Palestina é "um sonho", mas que pelo menos vai poder visitar os territórios ocupados no futuro.

BBC Brasil




"Gutta cavat lapidem"
Responder