Inteligência de Campo de Batalha.

Assuntos em discussão: Exército Brasileiro e exércitos estrangeiros, armamentos, equipamentos de exércitos em geral.

Moderadores: J.Ricardo, Conselho de Moderação

Mensagem
Autor
Avatar do usuário
Clermont
Sênior
Sênior
Mensagens: 8842
Registrado em: Sáb Abr 26, 2003 11:16 pm
Agradeceram: 644 vezes

Inteligência de Campo de Batalha.

#1 Mensagem por Clermont » Qui Jun 28, 2007 7:36 pm

UMA LIÇÃO SUECA VINDA DE BAIXO.

William Lind – 21 de fevereiro de 2007.

Algumas vezes, únicas palavras podem dizer mais que ensaios inteiros. O capitão sueco no seminário de 4GW (Guerra de 4º Geração) que eu liderei em Quantico recentemente, introduziu-me a uma tal palavra. É a palavra sueca para inteligência militar: underrätelser. A tradução literal de underrätelser é “correção vinda de baixo”.

Que notavelmente instrutivo termo para inteligência militar! Quanto mais eu penso nele, mais a “correção vinda de baixo” me parece capturar a essência do que uma boa inteligência militar requer – e o que a inteligência militar americana com tanta freqüência carece.

Para compreender porque isso é assim, precisamos, primeiro, nos lembrar dos dois fatos mais importantes sobre inteligência militar: um, ela é sempre incompleta, e dois, uma parte dela sempre é errônea. Se tornou moda em Washington considerar inteligência militar como “dados sólidos” (hard data). Nada poderia estar mais longe da verdade. Como “dados”, a maior parte da inteligência militar é tão macia quanto rosquinhas de ônibus da Praça XV.

A questão confrontando qualquer força armada é como lidar com a inevitável diferença entre o que a inteligência militar pensa sobre o inimigo e o que realmente é real. Nossa aproximação, a errada, é buscar cada vez maiores quantidades de “informação”. Essa informação é canalizada para as várias “funções” de inteligência e “centros de fusão”, quase todos bem longe da luta, onde os gênios da inteligência andam pra cima e pra baixo em seus robes púrpuras, bordados com luas e estrelas, fitando suas bolas de cristal. Eles acenam com suas varinhas, com a inscrição “IPB” (Intelligence Preparation of the Battlefield, ou Preparação de Inteligência de Campo de Batalha) e, presto!, aparece o resultado – bem, na maior parte, lixo.

Lamentavelmente, neste modelo de Segunda Geração, o lixo não pode ser reconhecido como tal. O lema é, “O Lixo Entra, a Verdade Sagrada Sai.” Portanto, o lixo rola morro abaixo para os batalhões, companhias, pelotões e GCs, onde a diferença entre o que a inteligência lhes está dizendo e o que eles estão vendo com seus próprios olhos se torna “problema do usuário”. Bons comandantes dizem ao seu pessoal para irem em frente com o que vêem. Maus comandantes baseiam seus planos na inteligência e atribuem ordens que estão condenadas ao fracasso.

Comandantes de alto-nível são ainda mais vitimizados pelo atual sistema que seus subordinados. Com culhões suficientes, líderes subalternos podem ignorar a inteligência. A menos que um comandante superior seja do tipo que reconheça que seu quartel-general é um Buraco Negro e fique longe dele tanto quanto possível, ele não tem alternativa para a realidade virtual que seu E-2 (oficial de informações para grandes escalões) apresenta para ele. Ele não está, apenas, voando cego, ele está voando cego enquanto acha que está vendo. A partir de tal dupla cegueira muitas grandes derrotas tem vindo.

O que está faltando aqui é, precisamente, underrätelser, correção vinda de baixo. Ao invés de descarregar os erros sobre os usuários, o sistema de inteligência inteiro deveria, com avidez, buscar correção vinda de baixo, para minimizá-los. Erros não podem ser totalmente eliminados, porque não importa o quão boa seja a inteligência, ela será incompleta e uma parte dela será errônea. Mas a correção vinda de baixo, dos elementos que estão confrontando, diretamente, o inimigo, é o único meio para reduzi-los. Ao fazer “correção vinda de baixo”, seu nome literal para inteligência militar, os suecos efetuaram a mais necessária definição característica do sistema de inteligência. Intelectualmente, essa é uma realização notável.

Definir a inteligência militar como “correção vinda de baixo”, também carreia a cultura de uma força armada de Terceira Geração para dentro do processo de inteligência. Justamente como outra dessas palavras que falam por volumes, Auftragstaktik, táticas construídas sobre a compreensão de que os níveis de comando mais próximos ao combate tem a mais clara imagem tática, underrätelser constrói a inteligência militar sobre o mesmo entendimento. Os dois são como a mão e a luva; líderes subalternos agem com base no que eles vêem, não sob detalhadas ordens vindas de um remoto quartel-general, e eles, simultaneamente, suprem com o que estão vendo, o processo de inteligência militar, que está ansioso pela correção deles. Nenhuma das ações elimina a incerteza na guerra, porque nada o pode fazer, mas ambas aceleram a adaptação a ela, que é o objetivo numa guerra de manobras.

Nós podemos, é claro, aprender com os suecos e tornar a “correção vinda de baixo”, como definidora de nosso processo de inteligência, da mesma forma como podemos aprender com os alemães e adotar as táticas orientadas para a missão ao invés de atribuir ordens detalhadas de controle. Mas, quando você tem as auto-proclamadas “maiores forças armadas em toda a história”, porque deveria aprender de qualquer outro? Justamente como a cegueira leva ao orgulho, o orgulho leva, inevitavelmente, à cegueira.




Responder