Re: Reflexões sobre a Guerra e os Militares
Enviado: Dom Jan 09, 2011 9:26 am
A TIRANIA DA DEFESA Inc.
Em 1961, Dwight Eisenhower, famosamente, identificou o complexo industrial-militar, prevenindo que a crescente fusão entre corporações e forças armadas representava uma ameaça à democracia. Julgada, cinqüenta anos mais tarde, a assustadora profecia de Ike, realmente, subestima a situação de nosso moderno sistema - e os perigos que a perpétua marcha para a guerra lança sobre nós.
Por Andrew J. Bacevich - janeiro 2011.
A política americana é, tipicamente, recheada de negociatas sujas. O discurso político, por sua parte, tende a ser convencional e, eminentemente, esquecível. Porém, ocasionalmente, um político irá transcender as circunstâncias e testemunhar alguma verdade duradoura: George Washington em seu Discurso de Despedida, ou Abraham Lincoln em sua Segunda Posse.
Cinqüenta anos atrás, o presidente Dwight D. Eisenhower juntou-se a tal augusta companhia, quando, em seu próprio discurso de despedida, preveniu sobre a ascensão, na América, do "complexo industrial-militar." Um talentoso soldado e um presidente melhor que a média, Eisenhower devotou a maior parte de sua vida adulta a estudar, travar e, então, buscar evitar a guerra. Não sendo surpresa, por esse motivo, que sua voz profética soou, claramente, quando, sendo presidente, ele refletiu sobre as questões relacionadas a política e poder militar.
O discurso de despedida de Ike, televisado nacionalmente, na noite de 17 de janeiro de 1961, ofereceu uma tal ocasião, embora, não a única. Igualmente significante, ainda que agora, quase esquecida, foi sua presença na Sociedade dos Editores da Imprensa, em 16 de abril de 1953. Neste discurso, o presidente contemplou um mundo, permanentemente, à beira da guerra - "a humanidade pendendo de uma cruz de ferro" - e apelou para os americanos avaliarem as prováveis conseqüências que adviriam.
Separado no tempo por oito anos, os dois discursos são complementares: considerá-los em combinação é descobrir sua total importância. Como balizas para a presidência de Eisenhower, elas formam uma solene meditação sobre as implicações - econômicas, sociais, políticas e morais - da militarização da América.
Durante a presidência Eisenhower, poucos o creditavam como sendo um grande orador. Porém, como convinha a um nativo do Kansas e a um militar profissional, Ike podia falar claro, quando queria fazer isto. O discurso de 16 de abril, no início de sua presidência, foi um tal momento. Pronunciado na esteira da morte de Joseph Stalin, o discurso ofereceu à nova liderança soviética um plano de cinco pontos para pôr fim a Guerra Fria. Endossando o discurso como "uma das mais notáveis declarações política da história americana", o Time relatou, com satisfação, que Eisenhower tinha articulado uma ampla visão pela paz e "a deixado na porta do Kremlin para o mundo todo ver." A probabilidade de que os sucessores de Stalin abraçassem esta visão era nula. Um editorial no The New Republic salientava o ponto essencial: visto da perspectiva da Rússia, Eisenhower estava "exigindo rendição incondicional". O plano de paz do presidente, rapidamente, se desvaneceu sem deixar traços.
Em grande parte negligenciado pela maioria dos comentaristas, estava um segundo tema que Eisenhower tinha entrelaçado em seu texto. A essência deste tema era a simplicidade em si mesma: gastar com armamentos e exércitos é, inerentemente, indesejável. Mesmo quando, aparentemente, necessário, isto constitui em malversação de recursos escassos. Ao desviar capital social de propósitos construtivos para propósitos destrutivos, guerra e preparação para a guerra desfalcam, antes do que reforçam, a força de uma nação. E, enquanto proclamações de necessidade militar podem camuflar os custos envolvidos, elas nunca podem negá-los, completamente.
Porém, na Washington da Guerra Fria, Eisenhower era uma voz clamando no deserto. Por mais que gostassem de Ike, os americanos não tinham intenção de escolher entre canhões e manteiga: eles queriam ambos. O keynesianismo militar - a crença de que a produção de canhões podia garantir um infindável suprimento de manteiga - estava gozando do seu auge.
Na época, a idéia de que militarizar a política americana poderia render benefícios econõmicos, superando os custos, parecia, eminentemente, plausível. Os autores do relatório "NSC-68" do Conselho de Segurança Nacional, o esquema de 1950 para o rearmamento americano, tinham apresentado este ponto, explicitamente: reforçar o gasto do Pentágono "aumentaria o produto interno bruto mais do que o montante absorvido para os propósitos de assistência externa e militar adicionais." Aumentar as defesas da nação serviria como uma espécie de programa de estímulo econômico permanente, pondo pessoas para trabalhar e embolsar dinheiro. A experiência da Segunda Guerra Mundial tinha, aparentemente, validado esta teoria. Por quê não deveria a mesma lógica ser aplicada para a Guerra Fria?
Portanto, os americanos desconsideraram a melancólica meditação de Eisenhower a respeito de uma "cruz de ferro" e um compromisso entre canhões e manteiga. Os anos 1950 trouxeram novos bombardeiros e novas escolas, frotas de belonaves e conjuntos de casas recém-construídas, esparramando-se pelos subúrbios.
Eisenhower e seus colegas republicanos estavam mais do que felizes por enbolsarem o crédito por este resultado, vitorioso dos dois lados. Porém, o presidente, se não o seu partido, também sentiu que por debaixo da aparência de prosperidade "tudo azul", mudanças momentosas e não tão bem-vindas estavam tendo lugar. O boom pós-guerra no qual a classe média americana ganhou tanta satisfação estava reconfigurando, redistribuindo e redefinindo o poder americano. A própria Washington ranqueava como a principal beneficiária deste processo - e, dentro de Washington, as várias instituições compreendendo o que alguns estavam chamando o "Estado de Segurança Nacional".
Este estado de segurança nacional derivava sua raison d'être de - e vigorosamente promovia a crença na - existência de um iminente perigo nacional. Num ponto, a maioria dos políticos, líderes militares e os chamados intelectuais da defesa concordavam: os perigos confrontando os Estados Unidos eram onipresentes e sem precedentes. Manter estes perigos afastados exigiria vigilância, preparo e uma disposição para atuar rapidamente e, mesmo, implacavelmente. A urgência tornou-se a ordem do dia.
Em seu livro de 1956, The Power Elite, C. Wright Mills, um professor de sociologia em Colúmbia, apelidou esta perspectiva de "metafísica militar", que ele caracterizou como "o estado de mente que define a realidade internacional como, basicamente, militar." Estes que abraçavam este quadro mental não mais consideravam ser plausível a paz duradoura, genuína. Antes, a paz era, no melhor caso, uma condição transitória, "um prelúdio para a guerra ou um interlúdio entre guerras."
Talvez, nada ilustre mais, vividamente, esta metafísica militar do que o crescimento exponencial do estoque nuclear americano que ocorreu durante a presidência Eisenhower. Em 1952, quando Ike foi eleito, o estoque somava cerca de 1 mil ogivas. Pela época que ele passou as rédeas para John F. Kennedy, em 1961, ele consistia de mais do que 24 mil ogivas e, rapidamente, ascendeu, mais tarde para um pico de 31 mil ogivas.
Como comandante-chefe, Ike exercia, apenas, controle nominal sobre este desenvolvimento, que era impulsionado por uma não declarada aliança de partes interessadas: generais, autoridades da defesa, empreiteiros militares e membros do Congresso. É verdade, Eisenhower tinha estabelecido a "retaliação maciça" - a ameaça de uma resposta nuclear, em grande escala, para deter a agressão soviética - como peça central da doutrina de segurança nacional dos Estados Unidos. Ainda assim, mesmo que esta postura tencionasse intimidar o Kremlin, o presidente esperava oferecer aos americanos um senso de segurança, doravante, permitindo-lhe botar rédeas nos gastos militares. A este respeito, ele errou, gravemente, de cálculo.
Durante os anos Eisenhower, a produção militar serviu como um, aparentemente, inexaurível motor de bem-estar econômico. Manter os soviéticos contidos exigia o desenho e a aquisição de um vasto conjunto de armas e mísseis, bombardeiros e belonaves, tanques e caças. Assegurar que as forças americanas permanecessem em pé-de-guerra envolvia a construção de bases, quartéis, depósitos e instalações de adestramento. Laboratórios de pesquisa recebiam fundos. Pequenos e grandes negócios ganhavam contratos. Sindicatos organizados conseguiam empregos. E políticos, que entregavam todos estes bens aos seus constituintes, colhiam endossos, contribuições de campanha e votos. Por todos os anos 1950, a taxa de desemprego permaneceu, toleravelmente, baixa e a inflação, mínima, enquanto os déficits do orçamento iam do trivial ao não-existente. O que era para não se gostar? Como resultado, os orçamentos do Pentágono permaneceram elevados, por toda a era Eisenhower, sendo, na média, mais de 50 porcento de todo o gasto federal e 10 porcento do PIB, números sem precedentes na história de tempo de paz da nação.
Para os seus beneficiários, equipar-se para a guerra era um presente, e um que esperavam nunca acabar. A presunção de que as capacidades militares, hoje qualificadas como adequadas, certamente não mais o seriam amanhã - os vermelhos, afinal de contas, não estavam dormindo - gerava uma busca incessante por mais, maior e melhor. Cada avanço assustador nas capacidades russas oferecia uma renovada razão para abrir a torneira do gasto militar. Fosse a superioridade atribuída aos soviéticos real ou inventada, importava pouco. A descoberta, durante os anos 1950 de uma "brecha de bombardeiros" e, mais tarde uma "brecha de mísseis", por exemplo, fornecia munição política para os proponentes do poder aéreo, rapidamente, alardearem que a própria sobrevivência da nação estava em risco. Os sinos de alarme soavam. Os comitês congressuais convocavam o testemunho de especialistas. Jornais e revistas, nervosamente, avaliavam as implicações destas novas vulnerabilidades. No final, apropriações eram despejadas. Que ambas as "brechas" fossem fictícias estava além do ponto.
Nenhum destes desenvolvimentos - a excessiva produção militar, o privilégio de objetivos institucionais sobre o interesse nacional, a calculada manipulação da opinião pública - tinham a aprovação de Eisenhower. Sabendo, na época, que os Estados Unidos gozavam de uma superioridade em capacidades de bombardeiros e mísseis, ele compreendia, precisamente, quem se beneficiava da inflação de ameaças. Porém, para sustentar a ilusão de que ele estava no comando pleno, Ike permanecia, publicamente, silencioso sobre o que se passava por trás do cenário. Apenas, próximo a sua partida do cargo, ele informou a nação sobre aonde a nova obsessão de Washington com segurança nacional, tinha levado.
A Guerra Fria, ele enfatizou, tinha transformado a forma como o país se defendia. No passado, "os fabricantes americanos de arados, podiam, com tempo, e como fosse exigido, fabricar espadas, também." Mas esta confiança em improvisação não era mais o suficiente. A rivalidade com a União Soviética tinha "compelido" os Estados Unidos "a criarem uma industria permanente de armamentos de vastas proporções". Por conseqüência, "nós, todo ano, gastamos, apenas em segurança militar, mais do que o lucro líquido de todas as corporações dos Estados Unidos."
O alcance "econômico, político, mesmo espiritual" deste conglomerado era imenso, Eisenhower explicou, estendendo-se a "cada cidadade, cada estado, cada escritório do governo federal." Embora o presidente não tenha podido se permitir questionar, explicitamente, a necessidade desta mudança na política, ele preveniu de suas implicações. "Nossa labuta, recursos e meio de vida estão todos envolvidos," ele disse. "Portanto, a própria estrutura de nossa sociedade." Com autoridades de corporações, rotineiramente, clamando os altos postos no Pentágono, e antigos oficiais das forças armadas se empregando com empreiteiros da defesa, valores fundamentais estavam em risco. "Nos conselhos do governo," Eisenhower continuou,
Tendo definido o problema, Eisenhower, então, avançou uma notável solução: a responsabilidade última para a defesa da democracia, insistia ele, necessariamente, repousava com o próprio povo. Antes do que conceder deferência à Washington, os cidadãos americanos precisavam exercer, estrita vigilância. Contar que o estado de segurança nacional policie, a si mesmo - ou que os membros do Congresso ponham de lado interesses paroquiais, que os chefes de corporações ponham o patriotismo acima do lucro, e que os líderes militares se conduzam pela ética de suas profissões - não obterá o sucesso desejado. "Somente uma cidadania alerta e bem informada pode compelir o adequado entrosamento da imensa maquinaria militar e industrial da defesa com nossos métodos e objetivos pacíficos, para que a segurança e a liberdade possam prosperar juntas."
A reação ao discurso do presidente foi morna, no melhor dos casos. A manchete do The Boston Globe relatou "Ike Diz Adeus Depois de Meio Século à Serviço dos Estados Unidos' e ficou por aí. Com o país encantado por Jack e Jackie, o humor do momento não convidava à introspecção. A insistência de Eisenhower para que os cidadãos despertassem para o perigo iminente atraiu pouca atenção. Sua despedida qualificava-se, na época, como história de um dia.
Desta forma, Ike partiu, mas a metafísica militar sobreviveu intacta e encontrou favorecimento particular nos altos escalões da administração seguinte. Na disputa eleitoral, Kennedy tinha prometido maior gasto com a defesa, reforço das capacidades nucleares e um revigorado confronto com o comunismo. Uma vez no cargo, ele provou a verdade de suas promessas.
Nas cinco décadas desde que Eisenhower deixou a Casa Branca e foi para seu retiro em Gettysburg, muito coisa mudou. A União Soviética desapareceu. E também, para todos os efeitos práticos, o próprio comunismo. Porém, em Washington, uma aura de crises sem fim prevalece - e com ela, a metafísica militar.
O estado de segurança nacional continua a crescer em tamanho, alcance e influência. Nos dias de Ike, por exemplo, a CIA dominava o campo da inteligência. Hoje, especialistas referem-se, casualmente, a uma "comunidade de informações", consistindo de cerca de dezessete agências. O tamanho cumulativo e a folha de pagamento deste aparato cresceram aos trancos e barrancos, na onda dos ataques do 11 de Setembro. Em julho último, The Washington Post relatou que ele tinha "tornado-se tão grande, tão pesado e tão secreto que ninguém sabia quanto dinheiro ele custava, quantas pessoas empregava, quantos programas existem nele ou, exatamente, quantas agências fazem o mesmo trabalho." Desde que esta reportagem apareceu, autoridades americanas tem desvendado parte do véu de segredo, o suficiente para revelar que os gastos de inteligência excedem $ 80 bilhões por ano, substancialmente mais que o orçamento, seja do Departamento de Estado ($ 49 bilhões) ou o Departamento de Segurança Interna ($ 43 bilhões).
A orgia de gastos se estende, bem além da inteligência. O orçamento do Pentágono mais que dobrou na década passada, para cerca de $ 700 bilhões por ano. Tudo reunido, os ostensivos imperativos da segurança nacional consomem, aproximadamente, metade de todos os dólares discricionários federais. Ainda mais estarrecedor, as despesas militares anuais dos Estados Unidos, agora, se aproximam daquelas de todas as outras nações, tanto amigas quanto adversárias, combinadas.
Nos dias de Ike, a competição com a União Soviética fornecia a racionalização para tais gastos inflados. Hoje, sem nenhum competidor à mão, remotamente comparável, os devotos da metafísica militar conjuram uma variedade de argumentos para justificar as exigências orçamentárias do Pentágono. Um destes, normalmente feito com o olho voltado para a China, é que, implacavelmente, gastar mais que qualquer um e todos possíveis desafiadores da proeminência dos Estados Unidos, os dissuadirá, até mesmo, de fazerem a tentativa. Um segundo argumento transforma ameaças modestas em existenciais, com a mera existência de um Mahmoud Ahmadinejad ou Osama bin Laden exigindo extraordinários esforços até que os Estados Unidos eliminem, até o último destes celerados - um dia que nunca chegará.
A inflação de ameaças que levou às "brechas" de bombardeiros e de mísseis dos anos 1950 permanece uma acalentada tradição de Washington. Em memorandos escritos após o 11 de Setembro, o então secretário de defesa Donald Rumsfeld, instou sua equipe a "continuar aumentando a ameaça" e exigiu "declarações patrioteiras" para incrementar o entusiasmo popular pela guerra global ao terror. A chave, escreveu ele era "fazer o povo americano compreender que estava cercado, mundialmente, por extremistas violentos." Aquilo que funcionou na Guerra Fria ainda funciona hoje: colocar os americanos à bordo com sua política militar, fazendo-os morrer de medo.
Neste meio tempo, a porta giratória conectando o mundo dos soldados ao mundo dos vendedores de armas continua a rodar. Para aqueles no topo, a profissão militar é esta rara vocação onde a aposentadoria não implica numa redução de rendimentos. Pelo contrário: oficiais superiores da ativa despem suas fardas, não apenas para irem jogar golfe ou irem pescar, mas com a razoável expectativa de amealharem dinheiro grande. Num email recente, um oficial da ativa, que foi meu antigo aluno, relatava de uma visita ao encontro anual da Associação do Exército dos Estados Unidos - nas palavras dele, "a Sodoma e Gomorra do Complexo Industrial-Militar" - ele foi "assediado por duas dúzias de seus antigos chefes, agora em ternos com gravatas escandalosas e cartões de firmas comerciais, mascateando, agressivamente, as mais recentes tecnologias de defesa."
Se não fosse por outra coisa, a caracterização de Eisenhower das confortáveis relações entre os mundos militar e corporativo sublinham a realidade contemporânea. C. Wright Mills chegou perto do alvo, quando escreveu de "uma coalizão de generais nos papéis de executivos de corporações, de políticos se mascarando de almirantes, de executivos de corporações atuando como políticos." Acrescente a esta lista os oficiais superiores reformados, se passando por especialistas (com freqüência, enquanto, ao mesmo tempo, descontam os cheques dos fabricantes de armas), "nerds" de política pretendendo ser marechais-de-campo e jornalistas, ansiosos para carregarem água para os heróicos comandantes de campanha. Jogue dentro os ex-membros do Congresso que fazem "lobby" com seus sucessores em nome dos empreiteiros de defesa, e os membros atuais do Congresso que votam em favor de quaisquer apropriações de defesa que enviem dinheiro para seus distritos, e pode-se obter a percepção da verdadeira topografia.
Com qual resultado? Nem a paz e nem a prosperidade. Ao invés, os soldados se arrastam, exaustos, de um conflito para o seguinte, enquanto a nação, como um todo, sofre de uma aguda aflição econômica. O que deu errado?
Na onda do 11 de Setembro, quando a administração George W. Bush empenhou os Estados Unidos para uma guerra global ao terror, ele estava, alegremente, confiante de que as forças armadas dos Estados Unidos poderiam vencer um tal conflito com toda a facilidade. Os eventos no Iraque e Afeganistão, desde então, demoliram tais expectativas. A irrefutável lição da última década é que: nós sabemos como iniciar guerras, mas não como acabar com elas. Durante a bem-armada era Eisenhower, as armas americanas, em grande medida, ficaram silenciosas. Hoje, o engajamento em hostilidades reais se tornou a nova normalidade, cobrando um alto preço. As guerras no Iraque e Afeganistão já custaram, no mínimo, $ 1 trilhão - com o medidor ainda correndo. Alguns observadores estimam que os custos totais, eventualmente, alcançarão dois ou três trilhões de dólares.
E mais ainda, o keynesianismo militar provou ser um embuste. Em contraste com os anos 1950, a extravagância militar está desfalcando, antes do que somando à riqueza da nação. Na era Eisenhower, os Estados Unidos, uma nação credora, produzia em casas os essenciais definidores do modo americano da vida - qualquer coisa, de petróleo a carros, até televisões. Hoje, nós importamos muito mais do que exportamos, tendo por resultado, uma dívida, cada vez maior. E outra, nos anos 1950, na maior parte, estávamos em paz; hoje, na maior parte, estamos em guera - e, como resultado, a maioria dos recursos fornecidos para os militares vão para o exterior e ficam por lá.
Certos empreendimentos florescem, notavelmente, firmas de segurança privadas, tais como a DynCorp, MPRI e, naturalmente, a notória Blackwater (agora conhecida como Xe). Na MPRI eles gostam de dizer, "Aqui nós temos mais generais por metro quadrado do que o Pentágono." Mas, ainda que estes generais estejam se dando bem, os netos da geração "tudo azul" dos anos 1950 - lidando com 9,8 porcento de desemprego e contemplando as implicações de déficits de trilhões de dólares -, estão vendo pouco benefício de nossas exorbitantes despesas do Pentágono. Se pagar motoristas pasthun para tranportarem de caminhão, combustível do Paquistão até o Afeganistão, está produzindo algum efeito econômico colateral positivo, o trabalhador americano não está entre os beneficiários.
Em resumo, o compromisso canhões-e-manteiga que Eisenhower previu, em 1953, tornou-se realidade. O custo para adestrar, equipar e manter um só soldado americano no Iraque ou Afeganistão, por apenas um ano, é de um milhão de dólares. Enquanto isto, de acordo com os números do censo de 2010, o número de americanos caindo para abaixo da linha de pobreza inchou, para um em cada sete.
Graças aos aliados e apoiadores, o complexo de guerra legislativo-industrial-militar permanece, obstinadamente, resistente à mudança - um fato que o presidente Barack Obama aprendeu durante seu primeiro ano no cargo. Enquanto revisava a política de sua administração no Afeganistão, o presidente, repetidas vezes, pediu um leque de políticas alternativas. Ele queria escolhas. De acordo com Bob Woodward do Washington Post, entretanto, o Pentágono ofereceu à Obama um único caminho - o chamado "reforço" de tropas adicionais de McChrystal. Como é narrado no livro de Woodward, Obama's Wars, o presidente reclamou: "Então, qual minha opção? Vocês só me dão uma opção." A opção preferida dos próprios militares era tudo que ele receberia. (Apenas, uns meses antes, o próprio Woodward tinha, prestativamente, promovido esta mesma opção, cortesia de um oportuno vazamento.)
Sem dúvida, Eisenhower simpatizaria com o presidente Obama, tendo, ele mesmo, lutado para exercer prerrogativas, ostensivamente, reservadas ao chefe do executivo. Ainda mais, Ike, dificilmente, ficaria surpreso. Ele guardaria sua surpresa - e seu desapontamento - para o povo americano. Meio século depois de ter-nos convocado para arcar com as responsabilidades da cidadania, nós ainda recusamo-nos a fazer isto. Em Washington, a metafísica militar permanece sacrossanta. Não admira que continuemos tendo nossos bolsos revirados.
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Andrew J. Bacevich é professor de relações internacionais e história, na Universidade de Boston. Seu livro mais recente é Washington Rules: America's Path to Permanent War.
Em 1961, Dwight Eisenhower, famosamente, identificou o complexo industrial-militar, prevenindo que a crescente fusão entre corporações e forças armadas representava uma ameaça à democracia. Julgada, cinqüenta anos mais tarde, a assustadora profecia de Ike, realmente, subestima a situação de nosso moderno sistema - e os perigos que a perpétua marcha para a guerra lança sobre nós.
Por Andrew J. Bacevich - janeiro 2011.
A política americana é, tipicamente, recheada de negociatas sujas. O discurso político, por sua parte, tende a ser convencional e, eminentemente, esquecível. Porém, ocasionalmente, um político irá transcender as circunstâncias e testemunhar alguma verdade duradoura: George Washington em seu Discurso de Despedida, ou Abraham Lincoln em sua Segunda Posse.
Cinqüenta anos atrás, o presidente Dwight D. Eisenhower juntou-se a tal augusta companhia, quando, em seu próprio discurso de despedida, preveniu sobre a ascensão, na América, do "complexo industrial-militar." Um talentoso soldado e um presidente melhor que a média, Eisenhower devotou a maior parte de sua vida adulta a estudar, travar e, então, buscar evitar a guerra. Não sendo surpresa, por esse motivo, que sua voz profética soou, claramente, quando, sendo presidente, ele refletiu sobre as questões relacionadas a política e poder militar.
O discurso de despedida de Ike, televisado nacionalmente, na noite de 17 de janeiro de 1961, ofereceu uma tal ocasião, embora, não a única. Igualmente significante, ainda que agora, quase esquecida, foi sua presença na Sociedade dos Editores da Imprensa, em 16 de abril de 1953. Neste discurso, o presidente contemplou um mundo, permanentemente, à beira da guerra - "a humanidade pendendo de uma cruz de ferro" - e apelou para os americanos avaliarem as prováveis conseqüências que adviriam.
Separado no tempo por oito anos, os dois discursos são complementares: considerá-los em combinação é descobrir sua total importância. Como balizas para a presidência de Eisenhower, elas formam uma solene meditação sobre as implicações - econômicas, sociais, políticas e morais - da militarização da América.
Durante a presidência Eisenhower, poucos o creditavam como sendo um grande orador. Porém, como convinha a um nativo do Kansas e a um militar profissional, Ike podia falar claro, quando queria fazer isto. O discurso de 16 de abril, no início de sua presidência, foi um tal momento. Pronunciado na esteira da morte de Joseph Stalin, o discurso ofereceu à nova liderança soviética um plano de cinco pontos para pôr fim a Guerra Fria. Endossando o discurso como "uma das mais notáveis declarações política da história americana", o Time relatou, com satisfação, que Eisenhower tinha articulado uma ampla visão pela paz e "a deixado na porta do Kremlin para o mundo todo ver." A probabilidade de que os sucessores de Stalin abraçassem esta visão era nula. Um editorial no The New Republic salientava o ponto essencial: visto da perspectiva da Rússia, Eisenhower estava "exigindo rendição incondicional". O plano de paz do presidente, rapidamente, se desvaneceu sem deixar traços.
Em grande parte negligenciado pela maioria dos comentaristas, estava um segundo tema que Eisenhower tinha entrelaçado em seu texto. A essência deste tema era a simplicidade em si mesma: gastar com armamentos e exércitos é, inerentemente, indesejável. Mesmo quando, aparentemente, necessário, isto constitui em malversação de recursos escassos. Ao desviar capital social de propósitos construtivos para propósitos destrutivos, guerra e preparação para a guerra desfalcam, antes do que reforçam, a força de uma nação. E, enquanto proclamações de necessidade militar podem camuflar os custos envolvidos, elas nunca podem negá-los, completamente.
"Cada canhão que é fabricado, cada navio de guerra que é lançado, cada foguete que é disparado, significam, num sentido final, um roubo daqueles com fome que não são alimentados, daqueles com frio que não são agasalhados. Qualquer nação que despeje seu tesouro na aquisição de armamentos está consumindo mais do que simples dinheiro. Está consumindo o suor de seus trabalhadores, o gênio de seus cientistas, as esperanças de suas crianças."
O custo de um único moderno bombardeiro pesado é este: uma moderna escola de alvenaria em mais de trinta cidades... Nós pagamos por um único caça, com meio milhão de alqueires de trigo. Nós pagamos por um único destróier com novas moradias que poderiam ter abrigado mais de oito mil pessoas."
Porém, na Washington da Guerra Fria, Eisenhower era uma voz clamando no deserto. Por mais que gostassem de Ike, os americanos não tinham intenção de escolher entre canhões e manteiga: eles queriam ambos. O keynesianismo militar - a crença de que a produção de canhões podia garantir um infindável suprimento de manteiga - estava gozando do seu auge.
Na época, a idéia de que militarizar a política americana poderia render benefícios econõmicos, superando os custos, parecia, eminentemente, plausível. Os autores do relatório "NSC-68" do Conselho de Segurança Nacional, o esquema de 1950 para o rearmamento americano, tinham apresentado este ponto, explicitamente: reforçar o gasto do Pentágono "aumentaria o produto interno bruto mais do que o montante absorvido para os propósitos de assistência externa e militar adicionais." Aumentar as defesas da nação serviria como uma espécie de programa de estímulo econômico permanente, pondo pessoas para trabalhar e embolsar dinheiro. A experiência da Segunda Guerra Mundial tinha, aparentemente, validado esta teoria. Por quê não deveria a mesma lógica ser aplicada para a Guerra Fria?
Portanto, os americanos desconsideraram a melancólica meditação de Eisenhower a respeito de uma "cruz de ferro" e um compromisso entre canhões e manteiga. Os anos 1950 trouxeram novos bombardeiros e novas escolas, frotas de belonaves e conjuntos de casas recém-construídas, esparramando-se pelos subúrbios.
Eisenhower e seus colegas republicanos estavam mais do que felizes por enbolsarem o crédito por este resultado, vitorioso dos dois lados. Porém, o presidente, se não o seu partido, também sentiu que por debaixo da aparência de prosperidade "tudo azul", mudanças momentosas e não tão bem-vindas estavam tendo lugar. O boom pós-guerra no qual a classe média americana ganhou tanta satisfação estava reconfigurando, redistribuindo e redefinindo o poder americano. A própria Washington ranqueava como a principal beneficiária deste processo - e, dentro de Washington, as várias instituições compreendendo o que alguns estavam chamando o "Estado de Segurança Nacional".
Este estado de segurança nacional derivava sua raison d'être de - e vigorosamente promovia a crença na - existência de um iminente perigo nacional. Num ponto, a maioria dos políticos, líderes militares e os chamados intelectuais da defesa concordavam: os perigos confrontando os Estados Unidos eram onipresentes e sem precedentes. Manter estes perigos afastados exigiria vigilância, preparo e uma disposição para atuar rapidamente e, mesmo, implacavelmente. A urgência tornou-se a ordem do dia.
Em seu livro de 1956, The Power Elite, C. Wright Mills, um professor de sociologia em Colúmbia, apelidou esta perspectiva de "metafísica militar", que ele caracterizou como "o estado de mente que define a realidade internacional como, basicamente, militar." Estes que abraçavam este quadro mental não mais consideravam ser plausível a paz duradoura, genuína. Antes, a paz era, no melhor caso, uma condição transitória, "um prelúdio para a guerra ou um interlúdio entre guerras."
Talvez, nada ilustre mais, vividamente, esta metafísica militar do que o crescimento exponencial do estoque nuclear americano que ocorreu durante a presidência Eisenhower. Em 1952, quando Ike foi eleito, o estoque somava cerca de 1 mil ogivas. Pela época que ele passou as rédeas para John F. Kennedy, em 1961, ele consistia de mais do que 24 mil ogivas e, rapidamente, ascendeu, mais tarde para um pico de 31 mil ogivas.
Como comandante-chefe, Ike exercia, apenas, controle nominal sobre este desenvolvimento, que era impulsionado por uma não declarada aliança de partes interessadas: generais, autoridades da defesa, empreiteiros militares e membros do Congresso. É verdade, Eisenhower tinha estabelecido a "retaliação maciça" - a ameaça de uma resposta nuclear, em grande escala, para deter a agressão soviética - como peça central da doutrina de segurança nacional dos Estados Unidos. Ainda assim, mesmo que esta postura tencionasse intimidar o Kremlin, o presidente esperava oferecer aos americanos um senso de segurança, doravante, permitindo-lhe botar rédeas nos gastos militares. A este respeito, ele errou, gravemente, de cálculo.
Durante os anos Eisenhower, a produção militar serviu como um, aparentemente, inexaurível motor de bem-estar econômico. Manter os soviéticos contidos exigia o desenho e a aquisição de um vasto conjunto de armas e mísseis, bombardeiros e belonaves, tanques e caças. Assegurar que as forças americanas permanecessem em pé-de-guerra envolvia a construção de bases, quartéis, depósitos e instalações de adestramento. Laboratórios de pesquisa recebiam fundos. Pequenos e grandes negócios ganhavam contratos. Sindicatos organizados conseguiam empregos. E políticos, que entregavam todos estes bens aos seus constituintes, colhiam endossos, contribuições de campanha e votos. Por todos os anos 1950, a taxa de desemprego permaneceu, toleravelmente, baixa e a inflação, mínima, enquanto os déficits do orçamento iam do trivial ao não-existente. O que era para não se gostar? Como resultado, os orçamentos do Pentágono permaneceram elevados, por toda a era Eisenhower, sendo, na média, mais de 50 porcento de todo o gasto federal e 10 porcento do PIB, números sem precedentes na história de tempo de paz da nação.
Para os seus beneficiários, equipar-se para a guerra era um presente, e um que esperavam nunca acabar. A presunção de que as capacidades militares, hoje qualificadas como adequadas, certamente não mais o seriam amanhã - os vermelhos, afinal de contas, não estavam dormindo - gerava uma busca incessante por mais, maior e melhor. Cada avanço assustador nas capacidades russas oferecia uma renovada razão para abrir a torneira do gasto militar. Fosse a superioridade atribuída aos soviéticos real ou inventada, importava pouco. A descoberta, durante os anos 1950 de uma "brecha de bombardeiros" e, mais tarde uma "brecha de mísseis", por exemplo, fornecia munição política para os proponentes do poder aéreo, rapidamente, alardearem que a própria sobrevivência da nação estava em risco. Os sinos de alarme soavam. Os comitês congressuais convocavam o testemunho de especialistas. Jornais e revistas, nervosamente, avaliavam as implicações destas novas vulnerabilidades. No final, apropriações eram despejadas. Que ambas as "brechas" fossem fictícias estava além do ponto.
Nenhum destes desenvolvimentos - a excessiva produção militar, o privilégio de objetivos institucionais sobre o interesse nacional, a calculada manipulação da opinião pública - tinham a aprovação de Eisenhower. Sabendo, na época, que os Estados Unidos gozavam de uma superioridade em capacidades de bombardeiros e mísseis, ele compreendia, precisamente, quem se beneficiava da inflação de ameaças. Porém, para sustentar a ilusão de que ele estava no comando pleno, Ike permanecia, publicamente, silencioso sobre o que se passava por trás do cenário. Apenas, próximo a sua partida do cargo, ele informou a nação sobre aonde a nova obsessão de Washington com segurança nacional, tinha levado.
A Guerra Fria, ele enfatizou, tinha transformado a forma como o país se defendia. No passado, "os fabricantes americanos de arados, podiam, com tempo, e como fosse exigido, fabricar espadas, também." Mas esta confiança em improvisação não era mais o suficiente. A rivalidade com a União Soviética tinha "compelido" os Estados Unidos "a criarem uma industria permanente de armamentos de vastas proporções". Por conseqüência, "nós, todo ano, gastamos, apenas em segurança militar, mais do que o lucro líquido de todas as corporações dos Estados Unidos."
O alcance "econômico, político, mesmo espiritual" deste conglomerado era imenso, Eisenhower explicou, estendendo-se a "cada cidadade, cada estado, cada escritório do governo federal." Embora o presidente não tenha podido se permitir questionar, explicitamente, a necessidade desta mudança na política, ele preveniu de suas implicações. "Nossa labuta, recursos e meio de vida estão todos envolvidos," ele disse. "Portanto, a própria estrutura de nossa sociedade." Com autoridades de corporações, rotineiramente, clamando os altos postos no Pentágono, e antigos oficiais das forças armadas se empregando com empreiteiros da defesa, valores fundamentais estavam em risco. "Nos conselhos do governo," Eisenhower continuou,
Nós devemos nos pôr em guarda contra a aquisição de influência injustificada, seja solicitada ou não solicitada, pelo complexo industrial-militar. O potencial para a desastrosa ascensão de um poder inapropriado existe e persistirá. Precisamos, nunca permitir que o peso desta combinação arrisque nossas liberdades ou processos democráticos. Não podemos considerar nada como garantido.
Tendo definido o problema, Eisenhower, então, avançou uma notável solução: a responsabilidade última para a defesa da democracia, insistia ele, necessariamente, repousava com o próprio povo. Antes do que conceder deferência à Washington, os cidadãos americanos precisavam exercer, estrita vigilância. Contar que o estado de segurança nacional policie, a si mesmo - ou que os membros do Congresso ponham de lado interesses paroquiais, que os chefes de corporações ponham o patriotismo acima do lucro, e que os líderes militares se conduzam pela ética de suas profissões - não obterá o sucesso desejado. "Somente uma cidadania alerta e bem informada pode compelir o adequado entrosamento da imensa maquinaria militar e industrial da defesa com nossos métodos e objetivos pacíficos, para que a segurança e a liberdade possam prosperar juntas."
A reação ao discurso do presidente foi morna, no melhor dos casos. A manchete do The Boston Globe relatou "Ike Diz Adeus Depois de Meio Século à Serviço dos Estados Unidos' e ficou por aí. Com o país encantado por Jack e Jackie, o humor do momento não convidava à introspecção. A insistência de Eisenhower para que os cidadãos despertassem para o perigo iminente atraiu pouca atenção. Sua despedida qualificava-se, na época, como história de um dia.
Desta forma, Ike partiu, mas a metafísica militar sobreviveu intacta e encontrou favorecimento particular nos altos escalões da administração seguinte. Na disputa eleitoral, Kennedy tinha prometido maior gasto com a defesa, reforço das capacidades nucleares e um revigorado confronto com o comunismo. Uma vez no cargo, ele provou a verdade de suas promessas.
Nas cinco décadas desde que Eisenhower deixou a Casa Branca e foi para seu retiro em Gettysburg, muito coisa mudou. A União Soviética desapareceu. E também, para todos os efeitos práticos, o próprio comunismo. Porém, em Washington, uma aura de crises sem fim prevalece - e com ela, a metafísica militar.
O estado de segurança nacional continua a crescer em tamanho, alcance e influência. Nos dias de Ike, por exemplo, a CIA dominava o campo da inteligência. Hoje, especialistas referem-se, casualmente, a uma "comunidade de informações", consistindo de cerca de dezessete agências. O tamanho cumulativo e a folha de pagamento deste aparato cresceram aos trancos e barrancos, na onda dos ataques do 11 de Setembro. Em julho último, The Washington Post relatou que ele tinha "tornado-se tão grande, tão pesado e tão secreto que ninguém sabia quanto dinheiro ele custava, quantas pessoas empregava, quantos programas existem nele ou, exatamente, quantas agências fazem o mesmo trabalho." Desde que esta reportagem apareceu, autoridades americanas tem desvendado parte do véu de segredo, o suficiente para revelar que os gastos de inteligência excedem $ 80 bilhões por ano, substancialmente mais que o orçamento, seja do Departamento de Estado ($ 49 bilhões) ou o Departamento de Segurança Interna ($ 43 bilhões).
A orgia de gastos se estende, bem além da inteligência. O orçamento do Pentágono mais que dobrou na década passada, para cerca de $ 700 bilhões por ano. Tudo reunido, os ostensivos imperativos da segurança nacional consomem, aproximadamente, metade de todos os dólares discricionários federais. Ainda mais estarrecedor, as despesas militares anuais dos Estados Unidos, agora, se aproximam daquelas de todas as outras nações, tanto amigas quanto adversárias, combinadas.
Nos dias de Ike, a competição com a União Soviética fornecia a racionalização para tais gastos inflados. Hoje, sem nenhum competidor à mão, remotamente comparável, os devotos da metafísica militar conjuram uma variedade de argumentos para justificar as exigências orçamentárias do Pentágono. Um destes, normalmente feito com o olho voltado para a China, é que, implacavelmente, gastar mais que qualquer um e todos possíveis desafiadores da proeminência dos Estados Unidos, os dissuadirá, até mesmo, de fazerem a tentativa. Um segundo argumento transforma ameaças modestas em existenciais, com a mera existência de um Mahmoud Ahmadinejad ou Osama bin Laden exigindo extraordinários esforços até que os Estados Unidos eliminem, até o último destes celerados - um dia que nunca chegará.
A inflação de ameaças que levou às "brechas" de bombardeiros e de mísseis dos anos 1950 permanece uma acalentada tradição de Washington. Em memorandos escritos após o 11 de Setembro, o então secretário de defesa Donald Rumsfeld, instou sua equipe a "continuar aumentando a ameaça" e exigiu "declarações patrioteiras" para incrementar o entusiasmo popular pela guerra global ao terror. A chave, escreveu ele era "fazer o povo americano compreender que estava cercado, mundialmente, por extremistas violentos." Aquilo que funcionou na Guerra Fria ainda funciona hoje: colocar os americanos à bordo com sua política militar, fazendo-os morrer de medo.
Neste meio tempo, a porta giratória conectando o mundo dos soldados ao mundo dos vendedores de armas continua a rodar. Para aqueles no topo, a profissão militar é esta rara vocação onde a aposentadoria não implica numa redução de rendimentos. Pelo contrário: oficiais superiores da ativa despem suas fardas, não apenas para irem jogar golfe ou irem pescar, mas com a razoável expectativa de amealharem dinheiro grande. Num email recente, um oficial da ativa, que foi meu antigo aluno, relatava de uma visita ao encontro anual da Associação do Exército dos Estados Unidos - nas palavras dele, "a Sodoma e Gomorra do Complexo Industrial-Militar" - ele foi "assediado por duas dúzias de seus antigos chefes, agora em ternos com gravatas escandalosas e cartões de firmas comerciais, mascateando, agressivamente, as mais recentes tecnologias de defesa."
Se não fosse por outra coisa, a caracterização de Eisenhower das confortáveis relações entre os mundos militar e corporativo sublinham a realidade contemporânea. C. Wright Mills chegou perto do alvo, quando escreveu de "uma coalizão de generais nos papéis de executivos de corporações, de políticos se mascarando de almirantes, de executivos de corporações atuando como políticos." Acrescente a esta lista os oficiais superiores reformados, se passando por especialistas (com freqüência, enquanto, ao mesmo tempo, descontam os cheques dos fabricantes de armas), "nerds" de política pretendendo ser marechais-de-campo e jornalistas, ansiosos para carregarem água para os heróicos comandantes de campanha. Jogue dentro os ex-membros do Congresso que fazem "lobby" com seus sucessores em nome dos empreiteiros de defesa, e os membros atuais do Congresso que votam em favor de quaisquer apropriações de defesa que enviem dinheiro para seus distritos, e pode-se obter a percepção da verdadeira topografia.
Com qual resultado? Nem a paz e nem a prosperidade. Ao invés, os soldados se arrastam, exaustos, de um conflito para o seguinte, enquanto a nação, como um todo, sofre de uma aguda aflição econômica. O que deu errado?
Na onda do 11 de Setembro, quando a administração George W. Bush empenhou os Estados Unidos para uma guerra global ao terror, ele estava, alegremente, confiante de que as forças armadas dos Estados Unidos poderiam vencer um tal conflito com toda a facilidade. Os eventos no Iraque e Afeganistão, desde então, demoliram tais expectativas. A irrefutável lição da última década é que: nós sabemos como iniciar guerras, mas não como acabar com elas. Durante a bem-armada era Eisenhower, as armas americanas, em grande medida, ficaram silenciosas. Hoje, o engajamento em hostilidades reais se tornou a nova normalidade, cobrando um alto preço. As guerras no Iraque e Afeganistão já custaram, no mínimo, $ 1 trilhão - com o medidor ainda correndo. Alguns observadores estimam que os custos totais, eventualmente, alcançarão dois ou três trilhões de dólares.
E mais ainda, o keynesianismo militar provou ser um embuste. Em contraste com os anos 1950, a extravagância militar está desfalcando, antes do que somando à riqueza da nação. Na era Eisenhower, os Estados Unidos, uma nação credora, produzia em casas os essenciais definidores do modo americano da vida - qualquer coisa, de petróleo a carros, até televisões. Hoje, nós importamos muito mais do que exportamos, tendo por resultado, uma dívida, cada vez maior. E outra, nos anos 1950, na maior parte, estávamos em paz; hoje, na maior parte, estamos em guera - e, como resultado, a maioria dos recursos fornecidos para os militares vão para o exterior e ficam por lá.
Certos empreendimentos florescem, notavelmente, firmas de segurança privadas, tais como a DynCorp, MPRI e, naturalmente, a notória Blackwater (agora conhecida como Xe). Na MPRI eles gostam de dizer, "Aqui nós temos mais generais por metro quadrado do que o Pentágono." Mas, ainda que estes generais estejam se dando bem, os netos da geração "tudo azul" dos anos 1950 - lidando com 9,8 porcento de desemprego e contemplando as implicações de déficits de trilhões de dólares -, estão vendo pouco benefício de nossas exorbitantes despesas do Pentágono. Se pagar motoristas pasthun para tranportarem de caminhão, combustível do Paquistão até o Afeganistão, está produzindo algum efeito econômico colateral positivo, o trabalhador americano não está entre os beneficiários.
Em resumo, o compromisso canhões-e-manteiga que Eisenhower previu, em 1953, tornou-se realidade. O custo para adestrar, equipar e manter um só soldado americano no Iraque ou Afeganistão, por apenas um ano, é de um milhão de dólares. Enquanto isto, de acordo com os números do censo de 2010, o número de americanos caindo para abaixo da linha de pobreza inchou, para um em cada sete.
Graças aos aliados e apoiadores, o complexo de guerra legislativo-industrial-militar permanece, obstinadamente, resistente à mudança - um fato que o presidente Barack Obama aprendeu durante seu primeiro ano no cargo. Enquanto revisava a política de sua administração no Afeganistão, o presidente, repetidas vezes, pediu um leque de políticas alternativas. Ele queria escolhas. De acordo com Bob Woodward do Washington Post, entretanto, o Pentágono ofereceu à Obama um único caminho - o chamado "reforço" de tropas adicionais de McChrystal. Como é narrado no livro de Woodward, Obama's Wars, o presidente reclamou: "Então, qual minha opção? Vocês só me dão uma opção." A opção preferida dos próprios militares era tudo que ele receberia. (Apenas, uns meses antes, o próprio Woodward tinha, prestativamente, promovido esta mesma opção, cortesia de um oportuno vazamento.)
Sem dúvida, Eisenhower simpatizaria com o presidente Obama, tendo, ele mesmo, lutado para exercer prerrogativas, ostensivamente, reservadas ao chefe do executivo. Ainda mais, Ike, dificilmente, ficaria surpreso. Ele guardaria sua surpresa - e seu desapontamento - para o povo americano. Meio século depois de ter-nos convocado para arcar com as responsabilidades da cidadania, nós ainda recusamo-nos a fazer isto. Em Washington, a metafísica militar permanece sacrossanta. Não admira que continuemos tendo nossos bolsos revirados.
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Andrew J. Bacevich é professor de relações internacionais e história, na Universidade de Boston. Seu livro mais recente é Washington Rules: America's Path to Permanent War.