#169
Mensagem
por Luís Henrique » Qua Fev 01, 2006 12:38 am
31/01/2006
O Irã e o equilíbrio de poder: "É claro que nós temos o direito à bomba"
O Irã está obstinado em desenvolver uma bomba nuclear. Se tiver sucesso, vai se transformar na principal potência do Oriente Médio. A última esperança de um acordo está com Moscou, ainda na posição dúbia de negociar com Teerã enquanto constrói instalações nucleares para o país
Dieter Benarz, Hans Hoyng e Walter Mayr
Em Teerã, quase todos os que já não moram nos distritos do norte da cidade gostariam de se mudar para aquela área. Lá, onde esta cidade de 12 milhões de habitantes ascende até os sopés das Montanhas Alborz, plátanos gigantes vicejam sobre as mansões, proporcionando sombra e melhorando a qualidade do ar desta capital caótica e poluída.
Os mercadores ricos que moram aqui tiveram que se acostumar, com rancor, ao fato de os mulás que controlam o país terem se mudado para os seus bairros afluentes e decidido ficar.
Mulher passa por muro com pintura anti-americana, em frente à antiga embaixada norte-americana em Teerã
Um dos primeiros foi o líder revolucionário, aiatolá Ruhollah Khomeini, que se mudou para uma casa que ficava a apenas algumas centenas de metros do Palácio Niavaran, o local onde o ex-Xá Mohammed Reza Pahlevi e a sua família se alojaram por um breve período quando fugiram do país em janeiro de 1979.
Os membros do alto escalão da república islâmica rapidamente seguiram os passos de Khomeini. Atualmente, os herdeiros de Khomeini, seguindo um exemplo estabelecido pelos membros graduados do governo do xá, moram em mansões espaçosas, rodeadas por parques amplos, fortemente guardadas e protegidas de uma realidade cada vez mais amarga na teocracia.
A estrutura de poder no Irã se reflete nos acontecimentos nesta área residencial. A chegada de uma van de mudança é um sinal claro de uma guinada de direção política ou de uma alteração de liderança nesta potência regional do Oriente Médio.
De fato, um dos residentes mais importantes da região --o ex-presidente Mohammed Chatami, que deixou o cargo em agosto-- se mudou recentemente do seu escritório em um bairro próximo aos palácios Sadabad, para um outro bem mais ao sul. Foi um passo para baixo --tanto física quanto metaforicamente-- para o fracassado reformista.
Já o novo presidente Mahmoud Ahmadinejad, ao contrário, teve um movimento de ascensão. Apesar da sua retórica de campanha sobre as suas origens humildes, o seu apartamento de três quartos na zona leste de Teerã e o seu Peugeot de 30 anos, Ahmadinejad imediatamente fez o percurso para o norte, e atualmente mora exatamente no mesmo lugar deixado vago pelo seu predecessor. Ahmadinejad, um garoto pobre de um bairro pobre, chegou.
Este presidente tem chocado e alarmado o mundo com as suas ameaças de varrer Israel do mapa e a sua insistência quanto ao direito iraniano de enriquecer urânio, gerando temores relativos a uma nova corrida de armas nucleares. No âmbito doméstico, ele desafiou o seu próprio establishment político ao se engajar em uma campanha rigorosa para acabar com a corrupção e com os gastos generalizados do governo.
O caminho rumo ao domínio regional
E o país que Ahmadinejad representa parece ter surgido junto com o seu novo presidente. Apesar daquilo no qual os seus rivais norte-americanos gostariam de acreditar, o Irã há muito tempo se livrou da reputação de ser um "Estado fracassado". Na verdade, a teocracia controlada pelos xiitas parece estar a caminho de se transformar na potência dominante da região, quando nada porque poderá muito em breve obter as armas de destruição em massa que o Ocidente costumava acusar o seu ex-rival, o Iraque, de possuir.
Agora que os Estados Unidos --o "Grande Satã"-- derrubaram o megalomaníaco ditador do Iraque, Saddam Hussein, o regime de Teerã não faz segredos sobre a opinião a respeito de si próprio, como sendo o verdadeiro vencedor da atual guerra no Iraque. Os clérigos do Irã podem ter uma propensão para reclamar do fato de estarem no meio de uma vizinhança nuclear, e eles naturalmente vêem a bomba israelense como uma grande injustiça, mas a sua posição é geralmente mais forte do que aquela na qual gostariam que o resto do mundo acreditasse.
Recentemente o Irã conseguiu conquistar uma influência considerável junto aos seus vizinhos. No sul do Iraque, ocupado pelos britânicos, uma região quase que inteiramente xiita, os agentes de Teerã já controlam a polícia e as agências locais de governo.
Ahmadinejad chegou até a assinar um pacto de defesa mútua com a Síria, um outro rival do Iraque e um dos nomes que estão no topo da lista de "Estados renegados" mantida por Washington. Após ter se reunido em Damasco com o seu congênere sírio, o presidente Bashar Assad, Ahmadinejad se reuniu com os líderes das organizações terroristas Hezbollah, Hamas e Jihad Islâmica.
Por meio do Hezbollah, o "partido de Deus" libanês apoiado e financiado por Teerã, os mulás expandiram a sua influência até a costa do Mediterrâneo. Os seus protegidos do Hezbollah ocupam várias cadeiras no parlamente libanês, e até mesmo um posto no gabinete de governo do país. Mas, apesar de terem aterrorizado o norte de Israel durante décadas, os partidários do Irã recentemente têm agido com moderação.
Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores de Teerã teve a oportunidade de cumprimentar um outro grupo de natureza semelhante, o Hamas, assim como "todos os combatentes palestinos". "Ao votarem no Hamas para chefiar o governo, os palestinos escolheram a resistência e provaram que são devotados a ela", disse na última quinta-feira o porta-voz Hammid Reza Assefi.
Para Ahmadinejad e o regime de mulás do Irã, a vitória do Hamas nas pesquisas é um dos frutos de anos de investimentos. Após alguns dos seus representantes terem visitado Teerã em dezembro de 1990, o grupo de resistência fundado em 1987 pelo xeique Ahmed Yassin passou subitamente a receber generoso apoio financeiro. Embora se comente que o novo relacionamento tenha custado aos clérigos do Irã milhões de dólares anuais, Teerã possui agora aliados que só estão separados dos odiados israelenses por um muro.
A obtenção da bomba nuclear praticamente garantiria a Teerã o domínio regional. De fato, os iranianos já estão fabricando os componentes necessários nas instalações nucleares de Natanz, Isfahan e outras. E os mulás nitidamente confiam na sua crença de que a comunidade internacional pouco pode fazer com relação a isso.
Enquanto o tempestuoso Ocidente é forçado a fazer concessões, os iranianos se mostram hábeis no seu próprio jogo. Em um dia eles rompem os lacres da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) instalados no reator de Natanz. No outro, eles adotam uma tática conciliatória. Tudo bem, dizem os iranianos, vamos negociar com os russos a proposta deles de enriquecer urânio na Rússia em vez de no Irã - por que não, o que temos a perder?
Sopesando as opções
Enquanto isso, o Ocidente está reavaliando as suas opções. Ataques militares contra usinas nucleares iranianas parecem pouco promissores, pelo menos por ora. De fato, o secretário britânico das Ralações Exteriores, Jack Straw, tem afirmado repetidamente que um ataque do gênero seria "inconcebível".
Somente o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) seria capaz de impor sanções econômicas efetivas, mas tais sanções provavelmente seriam vetadas pela China, que assinou acordos na área de energia com o Irã no valor de US$ 100 bilhões.
Os especialistas no Ocidente sequer sabem ao certo qual o progresso feito pelo Irã na sua rota rumo à fabricação da bomba atômica. Apesar das tentativas dos inspetores da AIEA de descobrir os verdadeiros objetivos e a amplitude do programa de pesquisa nuclear iraniano, o diretor da agência, Mohammed ElBaradei, admitiu que não tem contado com nenhuma forma efetiva de lidar com as tentativas do Irã, que já duram várias décadas, de ocultar o seu programa: "Nós não somos Deus. Não somos capazes de ler as mentes das pessoas".
Não obstante, o ganhador do Prêmio Nobel da Paz se opõe à abordagem intransigente com relação ao Irã que as nações ocidentais planejam oficializar na reunião da próxima quinta-feira da Comissão Diretora da AIEA.
Agora que as conversas entre o chamado EU-3 --grupo formado por Reino Unido, França e Alemanha-- e Teerã sobre a suspensão das iniciativas iranianas para o enriquecimento de urânio fracassaram, e o Irã retomou o enriquecimento para fins de pesquisa, os europeus e os seus aliados norte-americanos querem que a agência de fiscalização nuclear da ONU leve o problema ao Conselho de Segurança. Mas, depois disso, o que aconteceria?
Os iranianos já deixaram claro o que farão caso tal iniciativa seja tomada. "Não só começaremos a enriquecer urânio em 'escala industrial', como também expulsaremos os inspetores sa AIEA", dizem os iranianos.
Tendo em vista as opções atuais, as melhores chances de uma solução diplomática para a desavença nuclear parecem residir na proposta de Moscou, segundo a qual os russos forneceriam combustível nuclear ao Irã para as futuras usinas nucleares do país, e receberiam de volta as varetas de combustível usadas.
Em troca, exigir-se-ia do regime dos mulás que abandonasse o seu próprio programa de enriquecimento de urânio - e, juntamente com isso, a matéria-prima fundamental para a fabricação de uma bomba nuclear iraniana.
Durante uma visita a Moscou na semana passada, Ali Larijani, principal negociador nuclear do Irã, contrariando as recentes posições demonstradas pelo seu regime, se mostrou mais receptivo à idéia russa. Enquanto isso, a China recebeu bem a proposta, afirmando que ela é uma tentativa de "superar o impasse". O ministro alemão das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, chamou o plano de "razoável" e "realista".
Moscou: dividida entre Bush e Bushehr
Os norte-americanos têm uma postura mais ambivalente quanto à questão. Eles também estão interessados em uma solução negociada, mas estão desconfiados do presidente russo Vladimir Putin.
De fato, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, tem acusado os russos de cumplicidade com a liderança iraniana. O reator nuclear de Bushehr, próximo ao Golfo Pérsico, está sendo construído sob a supervisão de Moscou, e com o auxílio de técnicos da ex-União Soviética. Os russos estão também fornecendo a Teerã modernos sistemas de defesa aérea que serão instalados em volta dos complexos nucleares iranianos.
A Rússia, a ex-superpotência, tem revelado grande interesse em desempenhar o papel de intermediário. Em 1º de janeiro, o país assumiu a liderança da associação do G-8, composta pelas principais nações industrializadas do mundo.
Após a derrota que sofreu no campo das relações públicas como resultado de uma disputa com a Ucrânia relativa a fornecimento de gás natural, o Kremlin está procurando se reabilitar junto aos seus parceiros ocidentais por meio da cooperação na questão iraniana.
Isso explica o intenso interesse russo em negociar com sucesso o proposto acordo de enriquecimento de urânio com o Irã quando autoridades graduadas russas e iranianas se reunirem em Moscou em 16 de fevereiro.
Os comentaristas têm ridicularizado Putin por estar dividido "entre Bush e Bushehr" --ou seja, entre ingressar na frente internacional anti-Irã, liderada por Washington, que procura evitar a fabricação da bomba nuclear iraniana, e defender os interesses econômicos implícitos da Rússia na região compreendida entre o Golfo Pérsico e o Mar Cáspio.
Não é de se surpreender que o populoso Estado dominado pelos mulás ocupe um lugar especial no mapa geopolítico de Putin. Afinal, os negócios --nos setores de petróleo, gás natural e equipamento militar-- estão em franca expansão entre Moscou e Teerã, a ponto de os dois países esperarem um incremento no volume anual de negócios bilaterais de US$ 20 bilhões.
A crise iraniana colocou o Kremlin em uma situação confortável. Por um lado, o Ocidente necessita do auxílio de Moscou para resolver a situação. Por outro, uma continuidade da crise desestabilizaria os mercados globais e faria com que os preços do petróleo aumentassem, beneficiando a Rússia, país que é o segundo maior exportador de petróleo do mundo.
O presidente iraniano Ahmadinejad parece ter feito uma pausa na sua recente série de declarações contra Israel e os Estados Unidos. Uma conferência proposta pelo Irã, na qual convidados de vários países discutiriam se o Holocausto realmente existiu, ainda não foi agendada.
O novo presidente iraniano está se familiarizando com o seu novo bairro no norte de Teerã. Mas Ahmadinejad, o vitorioso, realmente não tem nada em comum com os seus vizinhos afluentes e pró-ocidentais. "A que ponto chegamos?", pergunta a mulher de um rico comerciante de tapetes. "Ninguém no mundo simpatiza mais com o Irã. Alguns riem de nós, enquanto outros nos temem".
Mas os moradores privilegiados do norte de Teerã --seja um jovem gerente de tecnologia de informações, um médico, um dono de galeria de arte, um alto executivo da empresa aérea estatal Iran Air, ou o simples, mas radical, presidente do país-- possuem uma coisa em comum. Eles insistem em defender o seu direito nacional de utilizar a energia nuclear para fins civis. Na verdade, vários dos novos vizinhos de Ahmadinejad não vêem nada de errado quanto ao fato de o país obter armas nucleares.
"Qual é o problema com relação a isso?", pergunta o dono de um clube popular de Teerã. "É claro que temos o direito à bomba. Três dos nossos vizinhos a possuem, então por que não deveríamos tê-la? Essa é provavelmente a única coisa quanto a qual Ahmadinejad tem razão".