Crises, conflitos e golpes no Brasil

Área destinada para discussão sobre os conflitos do passado, do presente, futuro e missões de paz

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Crises, conflitos e golpes no Brasil

#1 Mensagem por Bourne » Sáb Nov 03, 2018 4:14 am

A ideia do tópico é desconstruir a ideia ufanista de que o Brasil é uma ilha de tranquilidade. O brasileiro é um povo ordeiro e pacifico, sem interesse em política e que não se posiciona, subjugado pelo estado e elites. As elites bem articuladas e que não brigam entre si. As forças armadas coesas e com hierarquia inquestionável. Ou que tudo é culpa do inimigo externo (EUA ou comunistas). Esses elementos são tão fantasiosos quanto a ideia de que no Brasil não tem furação, terremoto, tsunami e outros desastres.

O fato para iniciar a discussão o "movimento de 11 de novembro" que foi um golpe envergonhado após o suicido de Vargas.
Movimento de 11 de novembro

Após o suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954, e a posse do vice-presidente João Café Filho na presidência da República, os principais cargos da administração pública foram entregues a elementos próximos da UDN. Foi com o objetivo declarado de barrar uma conspiração tramada no interior do próprio governo, destinada a impedir a posse do presidente e do vice-presidente eleitos em outubro de 1955 - Juscelino Kubitschek e João Goulart -, que foi deflagrado o Movimento do 11 de Novembro. Segundo seus promotores, tratava-se de um "contragolpe preventivo".

A tensão que se seguiu à eleição de Juscelino e de João Goulart, provocada pelo descontentamento da UDN e de setores militares com a vitória da aliança PSD-PTB, tornou-se especialmente aguda em 1º de novembro, por ocasião do enterro do general Canrobert Pereira da Costa, presidente do Clube Militar. Na cerimônia, o coronel Jurandir Mamede proferiu discurso no qual, depois de elogiar Canrobert por sua atuação no movimento contra Vargas, criticou abertamente os candidatos eleitos e pronunciou-se contra a sua posse.

Julgando a fala de Mamede um ato de indisciplina, o ministro da Guerra, general Henrique Lott, exigiu sua punição, mas não foi atendido pelo presidente Café Filho, que pouco depois se afastou de suas funções por motivo de saúde. A presidência foi ocupada interinamente por Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados e sabidamente próximo do esquema udenista.

Os acontecimentos se precipitaram no dia 10, quando o general Lott, descontente com a decisão de Luz de não punir Mamede, apresentou seu pedido de demissão. Em reunião dirigida pelo general Odílio Denis, comandante da Zona Militar Leste, os comandantes das guarnições do Distrito Federal e o general Olímpio Falconière, comandante da Zona Militar Centro, com sede em São Paulo, que se encontrava no Rio, decidiram ocupar pontos-chave da capital e forçar o governo a respeitar a disciplina militar. Voltando atrás no pedido de demissão, Lott aderiu ao movimento e passou a chefiá-lo. Na madrugada do dia 11 tropas interditaram o acesso ao palácio do Catete, ocuparam os quartéis de polícia e a sede da companhia telefônica e passaram a controlar as operações de telégrafo.

Como a situação lhes era francamente desfavorável, Carlos Luz, alguns ministros, Carlos Lacerda e o coronel Mamede, entre outros, embarcaram no cruzador Tamandaré e, às 9:00h da manhã de 11 de novembro, rumaram para Santos. A iniciativa fazia parte dos planos do brigadeiro Eduardo Gomes, ministro da Aeronáutica, de organizar a resistência em São Paulo. Sua estratégia foi frustrada pela ação do general Falconière, que partiu de carro para São Paulo a fim de garantir o sucesso do movimento na área sob seu controle. Detido por oficiais da Aeronáutica antigetulistas, Falconière foi autorizado a falar pelo telefone com o ministro Eduardo Gomes e declarou-lhe estar a caminho de São Paulo para defender a legalidade. Como ambos os lados alegavam estar fazendo exatamente a mesma coisa, Eduardo Gomes ordenou sua libertação. Assim, Falconière conseguiu chegar à capital paulista sem enfrentar reação, e o Tamandaré retornou ao Rio, num reconhecimento tácito, por parte de Carlos Luz e seus partidários, da vitória de Lott.

No campo político, a Câmara dos Deputados declarou Luz impedido para o exercício da presidência e designou o vice-presidente do Senado para o cargo. Empossado na presidência, Nereu Ramos reconduziu Lott à pasta da Guerra. A situação voltou a ficar tensa com a melhora do estado de saúde de Café Filho. A possibilidade do retorno à presidência de Café, também considerado envolvido nas articulações contra a posse dos eleitos, foi eliminada mediante a aprovação, pela Câmara e pelo Senado, de resolução que solicitava o seu afastamento. Em seguida, Nereu Ramos obteve a aprovação do Congresso para decretar o estado de sítio por 30 dias.

Em 7 de janeiro de 1956, o TSE proclamou os resultados oficiais do pleito, e no dia 31 seguinte Juscelino e Goulart tomaram posse.

https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/J ... 11Novembro




Editado pela última vez por Bourne em Qua Nov 07, 2018 12:36 am, em um total de 1 vez.
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delmar
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Re: Crises, instabilidades e golpes no Brasil

#2 Mensagem por delmar » Sáb Nov 03, 2018 6:59 pm

Complementando, logo após a posse de Juscelino alguns militares da FAB foram até o sul do Pará, na localidade de Jacareacanga,e iniciaram uma revolta exigindo a demissão do novo presidente. A sedição alastrou-se por outras localidades daquela região e demorou a ser controlada, especialmente pelo fato da FAB não colaborar no transporte de tropas para combater os sediciosos.
Na realidade foi um motim e o chefe acabou preso enquanto outros participantes fugiram. Juscelino querendo pacificar a situação acabou anistiando todo mundo, o que, na minha opinião foi um erro. Por tras de tudo estava um partido político, a UDN, União Democrática Nacional, partido muito conservador.




Todas coisas que nós ouvimos são uma opinião, não um fato. Todas coisas que nós vemos são uma perspectiva, não a verdade. by Marco Aurélio, imperador romano.
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J.Ricardo
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Re: Crises, instabilidades e golpes no Brasil

#3 Mensagem por J.Ricardo » Ter Nov 06, 2018 11:41 am

Na verdade vivemos em um golpe desde 15/11/1889.




Não temais ímpias falanges,
Que apresentam face hostil,
Vossos peitos, vossos braços,
São muralhas do Brasil!
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Bourne
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Re: Crises, instabilidades e golpes no Brasil

#4 Mensagem por Bourne » Qua Nov 07, 2018 12:35 am

São Paulo, a primeira grande cidade das Américas que foi bombardeada usando técnicas modernas desenvolvidas na Primeira Guerra Mundial.

1924 - São Paulo, cidade bombardeada

Decorria o ano de 1924 quando ocorreu o levante que originou em muitas mortes na cidade de São Paulo. Oficiais do exército contrários ao governo do então Presidente da República, o mineiro Arthur Bernardes, deflagraram um movimento nacional que, em São Paulo, resultou na derrubada do então presidente do estado, Carlos de Campos. O governo federal reagiu e acabou massacrando a população da cidade.

A revolta demorou 23 dias e deixou como saldo 503 mortos e 4846 feridos, em sua maioria, civis. Casas destruídas, ruas e avenidas esburacadas, autênticas crateras pelas exposições das bombas.

Preocupados com a amarga e, então, recente experiência de Canutos, vila sertaneja que resistira de casebre em casebre a investida do exército, os oficiais estavam convencidos de que só pelo amassamento inicial de grande parte da cidade, com ação conjunta de aviões e artilharia, seguida do ataque às trincheiras pelos carros de assalto, complementado pela baioneta, na luta corpo a corpo, seria possível esmagar o levante paulista.

Comandada pelo general reformado Isidiro Dias Lopes, a revolta teve a participação de numerosos tenentes, entre os quais Joaquim Távora (que faleceu na revolta), Juarez Távora, Miguel Costa, Eduardo Gomes, Indio do Brasil e João Cabanas.

A Revolta Paulista de 1924, também chamada de “Revolução Esquecida”, "Revolução do Isidoro", "Revolução de 1924" e de "Segundo 5 de julho", foi a segunda revolta tenentista. Foi o maior conflito bélico já ocorrido na cidade de São Paulo.

Deflagrada na capital paulista em 5 de julho de 1924 ( 2º aniversário da revolta dos 18 do forte de Copacabana, primeira revolta tenentista), a revolta ocupou a cidade por vinte e três dias, forçando o presidente do estado, Carlos de Campos, a fugir para o interior de São Paulo, depois de ter sido bombardeado o Palácio dos Campos Eliseos, sede do governo paulista na época. No interior do estado de São Paulo aconteceram rebeliões em várias cidades, com tomada de prefeituras.

Os revoltosos entraram em contato com o vice-presidente do estado, Coronel Fermando Prestes de Albuquerque, em Itapetininga convidando-o para assumir o governo revolucionário em São Paulo.

O Coronel Prestes, que já organizara um batalhão em defesa da legalidade, na região da estrada de ferro sorocabana, respondeu aos revoltosos: A Cidade de São Paulo foi bombardeada por aviões do governo federal. O exército legalista (leal ao presidente Artur Bernardes) utilizou-se do chamado "bombardeio terrificante", atingindo vários pontos da cidade, em especial bairros operarios como Brás, Belem, Mooca e de clase média como Perdizes (distrito de São Paulo).

Sem poderio militar equivalente (artilharia nem aviação) para enfrentar as tropas legalistas, os rebeldes retiraram-se para Bauru onde Isidoro Dias Lopes ouviu notícia de que o exército legalista se concentrava na cidade de Três Lagoas no atual Mato Grosso do Sul.

Isidoro Dias Lopes e Juares Tavora planejaram, então, um ataque àquela cidade. A derrota em Três Lagoas, no entanto, foi a maior derrota de toda esta revolta. Um terço das tropas revoltosas morreu, feriram-se gravemente, ou foram capturadas.

Vencidos, os revoltosos marcharam, então, rumo ao sul do Brasil, onde, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, uniram-se aos oficiais gaúchos comandados por Luiz Carlos Prestes, no que veio a ser o maior feito guerrilheiro no Brasil até então: a Coluna Prestes.

Os revoltosos foram finalmente derrotados nos primeiros dias de agosto de 1924, retornando o Presidente Carlos de Campos à capital paulista.

Um inquérito feito pelo Governo do Estado de São Paulo, logo após o fracasso do movimento subversivo de julho de 1924, detectou inúmeros casos de vandalismo e estupros no interior do estado de São Paulo, especialmente sob os olhos do Tenente João Cabanas que comandava um grupo de revoltosos, que foi denominado a Coluna da Morte. O inquérito também apurou que muitos coronéis do interior que faziam oposição ao Dr. Carlos de Campos apoiaram o movimento subversivo de julho.

O general de divisão Abílio Noronha, comandante da 2º região militar que abrangia São Paulo e Mato Grosso, acusou políticos de estarem por trás da revolta, incitando os militares a aderirem à revolução.

O General Noronha criticou também a retirada precipitada, da capital paulista, do presidente do estado e das tropas leais a ele, alegando que o governo paulista tinha condições de ter resistido e vencido os revoltosos, logo no início da revolta, e dentro da cidade de São Paulo.

Os tenentes e demais militares que participaram desta revolta e das demais revoltas da década de 1920 receberam anistia dada por Getulio Vargas logo após a vitória da revolução de 1930.

No bairro de Perdizes (distrito se São Paulo), a revolução de 1924 ainda é comemorada anualmente até hoje em dia.

Os bairros da Mooca, Belenzinho, e Brás foram os primeiros a sofrer as conseqüências cruéis desse plano. Em desespero, os moradores começaram a abandonar suas casas. As famílias mais abastadas procuravam sair da cidade, com destino a Santos, Jundiaí, Campinas, e outras cidades. Muitas, não tendo onde se abrigarem, acampavam ao ar livre, armando barracas improvisadas em locais ermos dos bairros adjacentes.

Desta forma o dia 13 de junho desse ano foi praticamente dramático para os paulistanos, especialmente para os moradores da zona leste. Os bairros da Mooca, Brás, e Belenzinho, foram atingidos por um canhoneiro tão pesado que as ruas ficaram repletas de cadáveres. Os coveiros não davam conta de cavar sepulturas para enterrar todos os mortos, o que levou muitas famílias a enterrar os mortos nos quintais de suas casas. Mais tarde, nova tragédia.

Dois carregados com bombas começaram a sobrevoar a cidade a elevada altitude, para evitar a artilharia dos rebeldes que atacaram a Mooca. A terra tremeu com as explosões, casas desabaram, muita gente morreu.

Na Rua Assumpção, bairro do Brás, vizinho da Mooca, uma das bombas do levante de 1924 fez uma vítima inocente. Quem conta é Modesto Laruccia, sobrinho da vítima que seria testemunha ocular do acontecimento.

Numa casa da Rua Assumpção, 120, morava uma família tipicamente italiana. Muita alegria, sempre aquelas músicas na base da tarantela. Carmela Laruccia, 22 anos, foi até seu quarto para fechar a janela enquanto estavam bombardeando o bairro; havia o perigo de uma das bombas explodir por ali. E foi justamente quando aquela jovem fechava a janela do seu quarto que uma bomba de forte poder explodiu bem à sua frente, matando-a instantaneamente. Como aconteceu com muitos corpos, o dela também foi enterrado como indigente.

Ela estava preparando os doces para a festa dos seus 22 anos que seriam comemorados naquele dia. O reconhecimento dela se deu através de seu avental e, depois de o corpo ser reconhecido, foi enterrado no colégio São Bento, sendo mais tarde removido para o cemitério da quarta parada.

http://www.saopaulominhacidade.com.br/h ... ombardeada




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Re: Crises, conflitos e golpes no Brasil

#5 Mensagem por Bourne » Qui Dez 13, 2018 8:25 pm

50 anos do AI-5: a história dos 6,5 mil militares perseguidos pela ditadura
Letícia Mori Da BBC News Brasil em São Paulo

Foram mais de 6,5 mil oficiais e praças presos, perseguidos ou torturados. Na fota, da esquerda para a direita, o general Bevilacqua, o brigadeiro Moreira Lima e o brigadeiro Francisco Teixeira

Piloto de caça do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, o então tenente Rui Moreira Lima, do Rio, participou de 94 missões na Itália entre novembro de 1944 e maio de 1945, como membro da Força Expedicionária Brasileira.

Mas a artilharia dos aviões nazistas não foi o único ataque que precisou enfrentar em sua carreira a serviço da Aeronáutica brasileira.

Mesmo sendo um condecorado membro das Forças Armadas, tendo voltado ao Brasil como herói de guerra, escrito um livro sobre a atuação brasileira na Segunda Guerra e mais tarde tendo se tornado brigadeiro, Moreira Lima foi perseguido, preso e torturado pelo governo durante a Ditadura Militar.

Em 1964, o brigadeiro foi deposto do comando da Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, por ser considerado um democrata e ter abertamente se oposto ao golpe militar – que, em 31 de março daquele ano depôs o presidente João Goulart e estabeleceu um regime autoritário que durou até 1985. Moreira Lima foi preso, aposentado compulsoriamente e teve a família perseguida.

Ele já trabalhava na iniciativa privada, nos anos 1970, quando seu filho, Pedro, foi sequestrado pelos agentes da repressão. "Meu filho ficou apavorado, tinha 20 anos", contou Moreira Lima em um depoimento emocionado à Comissão da Verdade em 2012, quando tinha 93 anos.

Logo em seguida o brigadeiro foi sequestrado por sargentos do Exército a mando do Doi-Codi. Ficou três dias preso e foi submetido à privação de sono. "Passei três dias nessa masmorra lá. Para ir fazer as necessidades os soldados ficavam me olhando, apontando a metralhadora", contou.

O caso de Moreira Lima não foi o único: em mais de duas décadas de ditadura no Brasil, o regime perseguiu, prendeu ou torturou 6.591 militares. Os dados foram compilados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída pelo governo brasileiro em 2011 para investigar violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988 por agentes públicos e outras pessoas a serviço do Estado.

A CNV foi feita no molde de comissões feitas no Chile e na Argentina, que fizeram as investigações muito antes do Brasil, logo após o fim de suas ditaduras – e usaram os relatórios para julgar centenas de pessoas e condenar mais de 700 por crimes cometidos durante os governos autoritários.

O relatório final da CNV foi publicado em dezembro de 2014, com um número oficial de 434 mortos e desaparecidos – e sem um número final de pessoas torturadas, cujos casos não foram investigados um a um.
Como era feita a repressão?

A repressão aos militares começou logo após o golpe, com a cassação, prisão e constrangimento de oficiais e militares que divergiam do grupo que tomou o poder.

"Os militares foram perseguidos de várias formas: mediante expulsão ou reforma, sendo seus integrantes instigados a solicitar passagem para a reserva ou aposentadoria; sendo processados, presos arbitrariamente e torturados; quando inocentados, não sendo reintegrados às suas corporações; se reintegrados, sofrendo discriminação no prosseguimento de suas carreiras. Por fim, alguns foram mortos", descreve o relatório da CNV.

"De fato a grande 'cirurgia' foi realizada em 1964", explica o cientista político Paulo Ribeiro da Cunha, professor da Unesp e membro da Comissão da Verdade, referindo-se à remoção dos militares que se opunham ao regime. "Mas foi uma perseguição continuada, que se manteve e se intensificou na fase posterior."

E foi o Ato Institucional número 5 (AI-5), assinado pelo general Artur da Costa e Silva há exatamente 50 anos, que deu instrumentos para o regime intensificar ainda mais a repressão - inclusive aos militares.

O AI-5 autorizou uma série de medidas de exceção, permitindo o fechamento do Congresso, a cassação de mandatos parlamentares, intervenções federais, prisões até então consideradas ilegais, e suspensão dos direitos políticos dos cidadãos.

"A maior parte das prisões (de oficiais e praças) foi no pós-68 (após o AI-5), com muitos deles sendo presos até com os filhos", conta Ribeiro da Cunha, que também é um dos organizadores do livro Militares e Política no Brasil (Expressão Popular).

Segundo o cientista político, a ditadura usava as famílias para atingir os oficiais, com os filhos sendo obrigados a sair dos colégios e ataques (inclusive estupros) de mulheres dos militares.

Após o endurecimento do regime, houve perseguição inclusive de militares que haviam apoiado o golpe em 1964, mas que se opunham aos aspectos mais violentos e cujo objetivo era devolver o governo aos civis depois de um curto período.

Moreira Lima foi uma das vítimas do endurecimento ocorrido com o AI-5. Após o depoimento do brigadeiro, a Comissão da Verdade criou um grupo de trabalho especial para investigar as perseguições sofridas por militares durante a ditadura.

"Proporcionalmente, os militares foram o grupo social mais afetado pela repressão", afirma Paulo Ribeiro da Cunha, que participou do grupo de trabalho.

O brigadeiro Moreira Lima morreu aos 94 anos, em 2013, menos de um ano após dar seu depoimento à CNV.

Na reverencial homenagem feita pela FAB após seu falecimento, em que Moreira Lima é chamado de "herói", de "lendário", de um dos "guerreiros da Nação que serão lembrados indefinidamente", não há menção às inúmeras violações de direitos a que foi submetido pela Ditadura Militar.

No dia em que o AI-5 completa 50 anos, a BBC News Brasil reuniu histórias de alguns dos outros militares que, como o brigadeiro Moreira Lima, também foram perseguidos durante a Ditadura Militar.
O brigadeiro Teixeira, que teve a casa incendiada e os filhos presos

Assim como Moreira Lima, o brigadeiro Francisco Teixeira também havia servido durante a Segunda Guerra - ajudou a implantar o uso dos caças modelo P-40 e participou de patrulhas no litoral do nordeste e da cobertura de comboios marítimos que eram atacados por submarinos alemães e italianos.

Nacionalista, participou da campanha do "Petróleo é Nosso" e foi chefe de gabinete do ministro da Aeronáutica e subchefe do Estado Maior das Forças Armadas. Em, 1964 era comandante da 3ª Zona Aérea, no Rio de Janeiro e era considerado o líder da ala militar nacionalista na Aeronáutica.

"Meu marido sempre participou da legalidade, sempre foi a favor de que se cumprissem as leis do pais, a Constituição" afirmou a mulher do brigadeiro, Iracema Teixeira, em um depoimento à CNV em 2013. "E por isso era mau visto pelo grupos que queriam o poder de qualquer maneira."

Foi preso em sua casa em Copacabana pouco depois da deposição de João Goulart e ficou incomunicável por 50 dias. Depois foi afastado da FAB e teve os direitos políticos cassados por dez anos. Teve também a cidadania suspensa e foi considerado oficialmente morto - sua mulher passou a receber pensão como viúva.

"Nos primeiros anos do regime essa era a principal forma de perseguição. Os oficiais eram expulsos, considerados mortos, não tinham direito nenhum. Tinham que trabalhar em mil coisas pra sobreviver", afirma Paulo Ribeiro da Cunha.

Foi o caso do brigadeiro Teixeira, que teve a carteira de piloto também cassada e não podia exercer a profissão. Para se manter, criou um curso supletivo com a mulher. Em novembro de 1969 o brigadeiro teve sua casa incendiada - o episódio nunca foi esclarecido pela polícia.

Após a posse do general Emílio Garrastazu Médici em 1969, Teixeira foi preso e mantido incomunicável por 50 dias na Vila Militar.

"Toda vez que mudava o 'presidente' meu marido era preso, como se ele – já deposto, aposentado – fosse reagir sozinho", contou Iracema Teixeira.

Seu filho Aloísio, que era estudante da PUC (Pontifícia Universidade Católica) e foi acusado de ser comunista, também foi preso durante 6 meses e chegou a ser torturado na Ilha das Flores. Teixeira foi visitá-lo, e quando soube que o filho seria ouvido novamente, começou a ligar para todos os colegas militares em busca de ajuda.

"Eu falei com uns dois ou três que estavam na ativa, e um deles agiu muito, talvez tenha até ajudado o Aluísio, porque fez um escândalo na hora do almoço contra aquilo: 'Como é que a Marinha faz uma coisa dessas, torturando o filho de um colega nosso!'", contou o brigadeiro Teixeira, em depoimento ao CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

No início dos anos 1970, o brigadeiro foi preso novamente, desta vez com filha, Maria Lúcia Werneck Viana.

"Primeiro foram na casa dela, ela não estava, quebraram o telefone, fizeram uma violência qualquer. Depois, uma noite, foram lá em casa, mas não entraram, procuraram por ela na portaria. O fato é que, à noite, eu resolvi ir ao apartamento dela e estava lá quando eles chegaram", contou ele no mesmo depoimento ao CPDOC.

Em julho 1983, poucos meses antes de morrer devido a um câncer, aos 74 anos, Teixeira fundou a Associação Democrática e Nacionalista de Militares, que reunia militares cassados e perseguidos pela ditadura.

"O brigadeiro Teixeira deixou para nós exemplos de firmeza de caráter e tolerância, atributos que tornaram possível a construção da sua sólida liderança militar e política", afirmou o então ministro da Defesa Nelson Jobim em uma homenagem ao brigadeiro em 2011.

O tenente Wilson, que fugiu para o Uruguai

Boa parte dos militares cassados em 1964 já havia ficado marcada pelos setores golpistas quando o presidente Jânio Quadros renunciou em 1961 e os ministros militares assumiram a posição de tentar impedir a posse do vice-presidente.

A Campanha pela Legalidade, que defendeu a normalidade democrática e naquele ano saiu vitoriosa, teve adesão de unidades militares das três forças, com oficiais se mobilizando para garantir o cumprimento da Constituição.

"Todos quantos haviam tomado posição em 1961 ficaram marcados dentro e fora dos quartéis. Éramos olhados como malditos, perigosos. Mas não nós amedrontávamos, passamos a ter cada vez mais atitudes políticas", escreveu mais tarde o tenente José Wilson da Silva, que na época primeiro sargento do Depósito de Material de Engenharia.

"Vários oficiais da Marinha, da Aeronáutica e do Exército que se mobilizaram em defesa da Constituição foram presos e depois liberados. Posteriormente, em 1964, foram cassados."

O tenente foi eleito vereador em Porto Alegre em 1964, mas como estava ameaçado de prisão, fugiu para o Uruguai. Foi cassado e só conseguiu a reintegração ao Exército em 1980 após a lei da Anistia - ele retornou com o posto de capitão da reserva.

O marechal Henrique Teixeira Lott também estava entre os que sofreram por conta de seu posicionamento em defesa da democracia em 1961.

Lott já estava na reserva e havia inclusive concorrido à presidência pela coligação PTB/PSD em 1960, quando foi derrotado por Jânio Quadros. Anticomunista e nacionalista, tinha postura legalista abertamente conhecida.

Diante da renúncia do adversário, no ano seguinte, e do perigo de golpe, ele fez um pronunciamento às Forças Armadas, transmitido pelo rádio, que falava da intenção do ministro da Guerra de impedir que João Goulart entrasse no exercício de suas funções.

"Mediante ligação telefônica, tentei demover aquele eminente colega da prática de semelhante violência, sem obter resultado", dizia o Marechal Lott. "Sinto-me no indeclinável dever de manifestar o meu repúdio à solução anormal e arbitrária que se pretende impor à Nação."

"Dentro dessa orientação, conclamo todas as forças vivas do país, as forças da produção e do pensamento, dos estudantes e intelectuais, dos operários e o povo em geral, para tomar posição decisiva e enérgica no respeito à Constituição e preservação integral do regime democrático brasileiro, certo ainda de que os meus camaradas das Forças Armadas saberão portar-se à altura das tradições legalistas que marcam sua história no destino da Pátria."

Esse pronunciamento o levou à prisão, onde ficou por 15 dias. Após o golpe de 1964, ele foi impedido de de lançar sua candidatura a governador do Rio de Janeiro e retirou-se da vida pública. Quando morreu, em 1984, foi enterrado sem honras militares.

O general Bevilacqua, que chamava o golpe de "revolução"

O general Pery Constant Bevilacqua ainda estava na ativa em 1968, quando o regime militar decretou o AI-5.

Embora tenha sido um dos generais contrários ao golpe de 1964, até o fim da vida chamava o episódio de "revolução". Era do grupo que acreditava que os militares deveriam devolver o governo aos civis após livrar o país do que afirmava ser uma "ameaça comunista".

Muito católico, ideologicamente de direita, anticomunista convicto, se opôs firmemente ao endurecimento do regime em 1968.

Queria evitar que o regime "se comprometesse irremediavelmente e se afogasse na ignomínia de um hediondo crime de sangue e destruição", conforme declarou mais tarde em uma entrevista à escritora Maria Rita Kehl e ao jornalista Inimá Simões. Ele se referia aos ataques a bomba planejados por militares, que pretendiam culpar os comunistas e obter apoio para se manter no poder.

Foi cassado logo depois do ato institucional, pouco tempo antes de se aposentar. Em 1977, se filiou ao MDB e passou a fazer campanha pela anistia.

"O AI-5 foi o maior erro jamais cometido em nosso país e comprometeu os ideais do movimento de 31 de março", afirmou o general na mesma entrevista.

"Os fatos levam à conclusão de que será sempre preferível suportar um mau governo a fazer uma boa revolução. A terapêutica revolucionária agrava os males do doente -a democracia- quando não o mata. Mais de três quartos de século de vida me permitem essa conclusão definitiva."

A BBC News Brasil procurou o Ministério da Defesa para falar sobre as medidas de reintegração tomadas após a redemocratização, mas a pasta não se pronunciou até a publicação desta reportagem.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-4 ... M6XNvIbJYM




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