Uso das FFAA na segurança pública

Assuntos em discussão: Exército Brasileiro e exércitos estrangeiros, armamentos, equipamentos de exércitos em geral.

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Marino
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Uso das FFAA na segurança pública

#1 Mensagem por Marino » Seg Set 17, 2007 9:51 am

Da Carta Capital:

Militares no lugar certo
INTERVENÇAO - Para o Exército uso das Forças na segurança pública fere a Constituição

POR MAURICIO DIAS

O melhor caminho para o emprego das Forças Armadas no combate à violência foi tomado pelos próprios militares. Uma decisão anunciada pelo general-de-divisão Newton Álvares Breide, durante o simpósio "As Forças Armadas e a Segurança Pública", organizado pelo Estado-Maior do Exército. Ela tem um enunciado firmemente grudado aos princípios constitucionais: "O clamor popular pelo emprego das Forças Armadas como organismos policiais para reverter o quadro de insegurança pública não pode ser pretexto para atropelar o Estado de Direito", disse o general.

"Não houve tom de ameaça na voz do general", disse um participante do seminário. Mesmo assim é bom ouvi-la como advertência. Afinal, o jarro que vai muito à fonte um dia pode quebrar.

Além de servir como lição de obediência às leis democráticas, a voz do general Breide soa mesmo como um aviso para as autoridades civis que, nos últimos anos, usaram e abusaram do remédio. De FHC a Lula há dezenas de exemplos da mobilização do Exército no cumprimento inadequado do papel de polícia. O primeiro usou soldados do Exército para desalojar os militantes do MST que invadiram uma fazenda registrada em nome dos filhos do ex-presidente. Lula, recentemente, autorizou o Exército a guarnecer as instalaçõés da hidrelétrica de Tucuruí, invadida por pessoas desalojadas pela represa e, também, por gente do MST.

Mas a questão principal é a de polícia. O agravamento da violência urbana aguça o apetite eleitoral dos governantes que, diante da enorme sensação de insegurança da população, pede a presença de tropas do Exército nas ruas com a mesma naturalidade com que, no eclipse da monarquia, os escravocratas tentaram, sem sucesso, empurrar os militares para caçar escravos fugitivos.

"Nesse quadro de caracterizada violência, a sociedade sente-se privada dos direitos assegurados pela Constituição Federal e aprova a adoção de medidas que pelo menos lhe proporcionem a sensação de segurança. Entre essas medidas, cogita empregar o Exército em atividades de segurança pública", diz o general Breide.

Sem se desviar do texto constitucional, o oficial, integrante do Estado-Maior do Exército, disse que o emprego das Forças Armadas para combater criminosos é medida "somente recomendável" quando houver decretação do estado de defesa, do estado de sítio ou de intervenção federal. "Qualquer outro arranjo implica riscos ao Estado de Direito e às próprias Forças Armadas", entende o oficial.

Mas o assédio aos quartéis não parou. Em visita oficial ao Haiti, no início de setembro, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ao falar da ação das tropas brasileiras naquele país lembrou que os soldados faziam "bom treinamento" para ação das áreas urbanas, já que boa parte das ações é travada contra gangues. No Brasil, os militares só querem entrar se o ritual legal for seguido. E a lei exige intervenção federal e transmissão da segurança para o Comando do Exército. O custo político da decisão bloqueia a ação dos governadores.

O do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, poucos dias depois de eleito anunciou que pretendia botar os militares patrulhando algumas zonas da cidade. Ele repetiu essa espécie de mantra que atrai a adesão de uma população apavorada. Notadamente a classe média carioca, que olha os morros em volta e tem o espírito tomado pelo desejo de reações mais violentas. Mas o governador mudou de posição.

No Haiti, além da cautela, Jobim entrou no tema de forma titubeante. Talvez já procurasse acertar o passo com o sentimento dos quartéis, após o pequeno estremecimento com o lançamento, no Palácio do Planalto, do livro sobre militantes políticos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar. Em uma ocasião, o ministro anunciou que receberia, em outubro, o resultado de estudos sobre as alterações necessárias na legislação brasileira para ampliar o emprego das Forças Armadas na segurança pública. Em outra, lembrou-se de avisar que era preciso analisar melhor o problema. E apontou na direção certa: "É preciso ver até onde a Constituição permite mudanças", justificou o ministro da Defesa.

No seminário organizado pelo Estado-Maior do Exército, o general Breide botou uma pá de cal no assunto valendo-se, mais uma vez, das disposições legais. Ele lembrou que a Constituição Federal (artigo 144) estabelece que, além das polícias Federal, Rodoviária e Ferroviária, no âmbito federal, só as polícias estaduais (Militar e Civil) e os Bombeiros são as instituições destinadas a preservar a ordem pública.

"As Forças Armadas, portanto, não estão incluídas entre os órgãos com atribuições para exercer atividades relacionadas ao campo da segurança pública", explicou didaticamente o general. Ele conclui o raciocínio de forma objetiva:As Forças Armadas estão juridicamente impedidas de desenvolver atividades no campo da segurança pública, que são da competência exclusiva dos órgãos de segurança pública".

Em outro momento, o oficial deixou claro que a missão constitucional das Forças Armadas (garantia da Lei e da ordem) não se confunde com as tarefas rotineiras da segurança pública. Não se trata de troca-troca de tiros com traficantes.

Na República Velha (aquela que foi detonada em 1930) a Constituição identificava os problemas de abalo de lei e de ordem internas como "'comoção intestina". Uma definição que, por si só, expressa a gravidade da situação.

As leis nesses casos são claras. Mas as vivandeiras políticas que rondam os quartéis embaralham intencionalmente o que diz a Carta Magna. A idéia de fazer mudanças na Constituição, no capítulo da garantia da lei e da ordem, esbarra na própria Constituição. Isso para quem pretende ir além das situações previstas: decreto de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio.

A atuação das forças federais em matéria de segurança pública, mesmo a pedido do governador (como, em certo momento, fez Sérgio Cabral, no Rio), interfere na autonomia estadual, um dos pilares do princípio federativo que o ex-presidente Campos Sales (1898-1902) chamou de "coração da República'. E a República ainda engatinhava. Por isso, a regra é a de não-intervenção e o texto constitucional é incisivo: "A União não interferirá nos Estados e nem no Distrito Federal".

As exceções também estão no "livrinho" maior. E não deixam dúvidas à disposição do humor de generais, sociólogos ou metalúrgicos que transitem pelo poder. Qualquer emenda à Constituição Federal que pretenda permitir, fora das situações excepcionais, o emprego do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica na segurança pública está bloqueada até mesmo para deliberações.

"Os cenários futuros quanto à segurança pública, mesmo os mais otimistas, são pouco tranqüilizadores e apontam para o crescente envolvimento da União em auxílio aos estados membros. A natureza desse auxílio variará em função da efetividade das medidas que ora se esboçam e do interesse do segmento político em observar rigorosamente as bases jurídicas em vigor", sugeriu o general Breide.

Mudar a Constituição nesse ponto exceto por uma Assembléia Nacional Constituinte, que tudo pode agrediria um princípio federativo. Uma cláusula constitucional pétrea. Inalterável. Ignorar a lei e usar as Forças Armadas ao sabor de circunstâncias políticas, como vem ocorrendo desde o fim do ciclo militar, implica sempre tirar a locomotiva dos trilhos. Com todos os riscos.

"O clamor popular não pode ser pretexto para atropelar o Estado de Direito", diz Breide


Da Isto É:

Novos impasses entre Nelson Jobim e os militares deverão ocorrer em breve. É que o ministro trabalha para modificar no Congresso as atribuições das Forças Armadas. Seu projeto é colocar o Exército nas ruas para combater a violência, como fazem no Haiti as tropas brasileiras da Minustah, a Força de Paz da ONU liderada pelo Brasil. Assim, às custas dos militares, Jobim espera se viabilizar para disputar a sucessão do presidente Lula.




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